Mau Agouro

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Foram três longos, interessantes dias na cidade do Espírito Dourado.

Na noite em que chegaram, mesmo com a ausência de Vanaris, uma grande festa fora organizada, aparentemente iniciativa dos Pinkstar e dos Brownbear, cujos membros joviais, de acordo com Varis e Khulad, tendem à alegria, à bebedeira e à libertinagem. É claro que jamais perderiam a chance de organizar uma festa.

De longe, admirava as músicas, danças e shows de ilusionismo daquelas belas bardas da linhagem Pinkstar, recolhendo-se ao seu já bem conhecido papel de observadora. Seus shows de luzes coloridas e pirotecnias espetaculares faziam a multidão gritar em admiração. As pessoas amontoavam-se e acotovelavam-se, buscando uma vista melhor para o show.

Niao, esporadicamente dividindo a mesa com outros membros do clã que vinham, curiosos, perguntar sobre ela, ou em alguns casos, flertar com o oferecimento de bebidas e massagens, perguntava-se se Vanaris estava assistindo ao show da janela daquele templo de pedra gelada.

Varis, um tanto bêbado, veio sentar-se com ela em algum momento. Riu de leve das palhaçadas do homem, que parecia finalmente estar de volta àquele seu antigo eu ativo e brincalhão, depois do estresse das últimas semanas. Logo, saiu de sua mesa, indo tirar uma mulher de roupas coloridas, aparentemente uma das bardas, para dançar.

No segundo dia, histórias dos feitos de Niao em batalha parecem ter se espalhado pela região e, na cabana onde estava ficando, logo alguns dos guerreiros do clã apareceram para desafiá-la, ávidos para experimentar sua força contra a de alguém de fora, curiosos para descobrir mais sobre a novidade do momento. Pôde observar a fúria dos Brownbear, a determinação recatada e polidez dos Greenwater, a destreza dos Redhair, mas para a sua decepção, nenhum dos guardas de máscaras de caveira veio testá-la.

Naquela noite, Varis e Khulad levaram-na para jantar numa barraca de rua, onde, de acordo com Varis, havia a melhor comida da história da civilização. Se tratavam de pequenos salgados fritos ou assados, recheados com carne, queijo, legumes ou chocolate, em várias formas diferentes, alguns quadrados, outros em disco, alguns em bolinha ou similar a uma grande gota, um ou outro triangular. Dois bardos, do outro lado da rua, pareciam fazer um show de sombras, com trilha sonora e a narração da imponente voz grave de um deles por cima. Após receberem seus pedidos, Varis animadamente puxou os dois para lá, para ouvirem a história.

Pegaram pela metade, mas Niao rapidamente entendeu o contexto: era uma história de amor proibido. Um celestial, servo de um deus, que se apaixonou por uma humana, uma nômade planar e caçadora de monstros. A história contava sobre como a caçadora tinha como seu objetivo de vida extirpar toda a influência extraplanar: a distorção das aberrações, a maldade dos corruptores e mortos-vivos, a trapaça das fadas, a violência das monstruosidades, a selvageria dos elementais.

O deus a quem o celestial servia não via a mulher com bons olhos, e queria que seu melhor servo a eliminasse; não aceitava que uma mortal tivesse a chance de alterar a ordem natural do plano material.

No entanto, a cada vez que ele tentava eliminá-la, algo acontecia, ela escapava ou ele não era capaz de terminar sua missão. Não era como ela, não era um matador, mas um protetor; um escudo, não uma espada.

Por meia hora após terminarem a refeição, o narrador continua contando as aventuras do celestial, sua caça que nunca desejou e as lendárias escapadas da matadora de monstros; as coincidências da vida que os levaram aos mesmos lugares e os forçaram a colaborar, o romance que lentamente aflorou entre eles.

Embora bela, cômica até em determinados momentos, o final da história é trágico: não mais disposto a servir o seu deus, o celestial tenta enfrentá-lo, deixando claro que não mais é leal, e que quer viver entre os mortais, como os mortais. Sua bondade, nobreza, tendência de sempre ver o melhor nos outros não o permitiu ver que, a entidade a quem servira por milhares de anos, jamais permitiria tal afronta.

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