Dor, vergonha e lamento. Essa não é uma boa descrição para começo de conversa, mas é o que está acontecendo com a minha vida no momento. Aliás, eu sequer sei resolver as coisas sem envolver algumas mentiras no meio da frase, então tenho enganado bastante gente ultimamente. Comecei pelos meus pais ao falar que caí da escada do prédio da Analu, porque o elevador não estava funcionando e eu estava com pressa de voltar pra casa, e assim ganhei três pontos no meio da minha testa. Para os meus amigos disse o mesmo, incluindo um pouco do Erick no meio, já que eles não seriam ousados o bastante para ir atrás dos detalhes que trariam a verdade.
Com a minha queda dramática, e por causa dos hematomas que me fazem companhia no espelho atualmente, convenci Daeshim que precisava de alguns dias de folga do reality show, pois mesmo que Betsy fosse excelente na maquiagem, duvidava que pudesse fazer maravilhas na minha pele meio azulada. Os meus pais foram viajar, para a minha felicidade e solidão genuína, destinados para o interior, e mandaram Carmen me vigiar de vez em quando como se eu não fosse adulta o suficiente para passar algumas noites sozinhas. A minha irmã, por exemplo, nem passou aqui para ver se realmente estou bem, tem se assegurado que estou viva por meio de ligações e mensagens, e até mencionou algo sobre estar na hora de desgrudar da família e arranjar um rumo maduro pra minha vida, dado que não estou disposta a encontrar um namorado para sair de casa da maneira mais heterossexual, apaixonada e tradicional possível. Não há dúvidas que ignorei a frase, porque não é ela que me sustenta, então não pode me dar um prazo para ser uma adulta bem resolvida como nos filmes americanos.
Bom, a conclusão disso é que estou isolada como nunca antes, sendo parte importante do meu quarto, tal como uma decoração ou algo assim, ignorando as mensagens do Lucas que basicamente relembram o nosso beijo toda vez que surge a oportunidade. O Erick não me mandou nada, mas imagino que esteja esperando um retorno meu, o anúncio de um próximo encontro, e que Eros cumpriu a palavra de não contar para ele como me achou três dias atrás.
O meu passatempo predileto é colocar a televisão rodar no fundo com alguma série desconhecida da Netflix e cochilar pelo resto do dia, protegida pelas cortinas escuras. A minha mãe pediu para que eu cuidasse da floricultura, uma olhadinha só para mostrar que estava funcionando, porém, não coloquei os pés no estabelecimento maioria dos pedidos; são feitos pelo grupo do WhatsApp e até agora não recebemos nenhum, indicando que as pessoas continuam sadias e com bastante ar nos pulmões.
Passo o dedo pela tela do celular e, no Instagram, me deparo novamente com a publicação do sapatinho de bebê em cima da barriga da Julia que o Bryan postou, tornando a notícia da sua paternidade um evento virtual. Os amigos no comentário já estão se convidando para o chá, gerando uma lista de presentes sofisticados, e contribuindo com o palco dos sonhos de um jovem pai. Se fosse qualquer outra coisa, a nota de falecimento de um ente querido, não teria essa repercussão.
Deixo o celular de lado, impedindo que as emoções revoltantes de fracasso me peguem de novo e me façam cometer outra besteira. Não sou ruim de inventar histórias, entretanto, contá-las tão em seguida acaba expondo a mentira numa bandeja cintilante. E também prometi para mim mesma que não me machucaria mais por efeito de outra pessoa, e para manter a minha palavra, não posso abusar da minha sorte ou da estabilidade que ganhei nesse período de afastamento; portanto, ficar revirando os detalhes do meu surto não é uma das melhores ideias para me colocar no controle. Sim, eu sei, é humilhante e quase desprezível, mas depois de ter chegado ao meu limite, arrancado sangue de mim só para não explodir na frente do casal feliz, é algo que estou trabalhando para um futuro melhor.
Me levanto e pego os copos, pratos e potes, que deixei espalhado com porcarias na mesa de centro e as levo para a cozinha, as colocando na pilha de louça suja da pia. Fisgo um pouco de coragem no fundo da minha alma e começo a lavar, dando uma ajeitada por cima nos armários e na mesa que acumulei as embalagens das entregas que foram as minhas últimas refeições. Vou ter que me reeducar nas próximas, optar pelo famigerado miojo e suco tang, porque meu pai me deixou duzentos reais para emergência, o que foi reduzido para trinta, depois das minhas diversas encomendas de lanches, que estarei guardando para alguma comemoração, mesmo que seja difícil de acontecer na minha atual situação.
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UMA GEMA PARA CLARA
RomanceAtualmente Clara Agostini se vê presa na casa dos vinte, sem grandes conquistas e um bom planejamento para o futuro, contudo, a maior preocupação da família está voltada para o fato de a garota não ter apresentado sequer um primeiro namorado; ela de...