Não sei classificar se as coisas estão indo de mal a pior ou ficando boas de um jeito único. Fizemos poucos episódios do reality show, alguns sem pé nem cabeça e outros sem sal ou açúcar, mas rendeu alguns minutos na plataforma do YouTube. Agora as possibilidades estão se desmanchando, dado que os participantes estão se esvaindo para a sua própria realidade. Ocorreu alguns casos de enviarem um e-mail informando que acharam a pessoa ideal logo após o meu encontro, como se o meu cupido tivesse errado a flecha e a mandado para um estranho qualquer, mas dessa vez não me importei, não me tornei uma caixinha de resmungos e insatisfação. Na verdade, acho até bom que estejamos marchando para um fim rápido ─ que os meus amigos não saibam disso ─, porque esse programa, essa cobiça para superar Bryan, às vezes realmente me pega no meio da noite, de surpresa, e me deixa confusa, tendo crises existências com os olhos brilhando para o teto anil do meu quarto bagunçado. Além de todas as vergonhas que sou obrigada a passar… Sim, estou me referindo ao incidente na casa de Jonathan Nogueira.
Agarro a faca no balcão, mergulho no pote de Nutella e em seguida passo o creme de avelãs numa torrada pequena, daquelas industriais que achamos para comprar no mercado. O meu organismo fica contente por meio segundo, enquanto estou mordiscando, mas depois tudo acaba e eu tenho que repetir o processo.
─── Clara… Você não acha que está comendo demais? ─── minha mãe profere de uma das quatro cadeiras da mesa arredondada que mantemos na cozinha para refeições rápidas.
─── Você e o pai vão começar a me negar comida agora?
─── Não estamos negando nada, Clara Agostini. ─── ela diz irritada, balançando a xícara de café e bebericando um pouco antes de tornar a me encarar. ─── Estou preocupada com a chance de toda essa comida acabar te fazendo mal. Eu ouvi você conversando com Analu por ligação, então sei o que aconteceu no último encontro.─── Me ouvindo atrás da porta?
─── Querida, só um bobo não te ouviria envergonhada no chuveiro. Você reclama de tudo quando vai tomar banho.
É verdade. O banheiro é o meu porto seguro de reclamações e arrependimentos.
─── Eu estava passando mal antes de chegar na casa do Jonathan. A comida não tem nada a ver com o incidente. ─── digo comendo o último pedaço da sétima torrada. Talvez seja uma mentirinha se formos lembrar que a dor piorou depois que comi um prato cheio de carne.
─── Você comeu sete torradinhas, o resto do pudim de ontem, dois copos de coca, uma bolacha recheada e dois pães de mel, Clara. ─── minha mãe balança a cabeça, abismada. ─── Tudo isso desde que você desceu as escadas arrumada.
─── Para de reclamar mãe! ─── choramingo me esticando sobre o granito da bancada, imitando uma criancinha birrenta e mimada. ─── Eu estou tentando controlar a minha ansiedade.
A minha ansiedade, a minha mania de bater a cabeça contra a parede quando acho que tudo vai dar errado e preciso me punir… A comida me faz esquecer de muita coisa, e eu sei que não é saudável, mas é uma boa brecha de escape.
─── Você se arrumou muito cedo pelo jeito. ─── ela murmura. ─── Quem vai te levar para sair hoje?
─── Acho que você não conhece, é um tal de Lucas Vargas. Ele tem dinheiro.
Um sorrisinho surge no rosto da mulher. Ela nem nega que deseja os mesmos passos de Carmen para mim, torcendo pelos cantos para que eu me envolva com algum sujeito que tenha dinheiro ou que curse algo que pareça importante no Brasil, como psicologia, medicina ou advocacia. A minha mãe não deu azar com o meu pai, pois ele sempre teve uma boa condição financeira, ajudou-a a abrir a floricultura e pagou a faculdade de Carmen no trato de não fazer uma festa de quinze anos; mas ela continua cobiçando mais admiração e importância por meio das filhas.
![](https://img.wattpad.com/cover/311660812-288-k495877.jpg)
VOCÊ ESTÁ LENDO
UMA GEMA PARA CLARA
Storie d'amoreAtualmente Clara Agostini se vê presa na casa dos vinte, sem grandes conquistas e um bom planejamento para o futuro, contudo, a maior preocupação da família está voltada para o fato de a garota não ter apresentado sequer um primeiro namorado; ela de...