Os meus pais estão decepcionados. De novo a verdade bate à porta: Eu não tenho um namorado. A tentativa dos meus amigos de me proporcionar um felizes para sempre foi para o esgoto porque, supostamente, briguei com o Eros no primeiro dia que ele deu as caras para a minha família. Há muitas mentiras nesse relato, já que o Orckeman mais velho sequer chegou a se inscrever na minha fracassada investida de seguir em frente romanticamente falando, mas gosto dessa versão, tranquila e simples; ela mostra algo que poderia ter dado certo se eu tivesse me esforçado um pouco mais e ignorado a minha personalidade forte e irritante; segundo as palavras de Carmen. É, acabei sendo colocado com o título de monstro descontrolado enquanto o Eros ficou como o mocinho tolo e apaixonado.
De vez em quando recebo alguma alfinetada, principalmente da minha mãe que fica perguntando do Eros aleatoriamente, como se tocar no nome dele fosse me convencer a reatar o relacionamento. Certo, confesso que falar do Orckeman também é um assunto sensível para mim; lembrar que ele me ofereceu ajuda e eu neguei pelo receio de me apaixonar e quebrar a cara novamente é quase uma tortura. Enfim, acho que nasci para ficar sozinha, no mínimo até os trinta anos de idade; para dar tempo de seguir aqueles dizeres que o amor surge quando você menos espera.
O triste é que depois de tanto correr atrás do meu cupido estúpido e caótico, quase arrancando os cabelos para chamar um pouquinho da sua atenção, é meio estranho estar de volta a minha vida normal e tediosa, sem um encontro ou ponto de partida para um milhão de reclamações. Não há mais garotos para observar, hábitos para repudiar ou novos perfumes para cheirar; é apenas o silêncio atordoante do meu quarto bagunçado, sem planos para um futuro grandioso de amassos e declarações abafadas de amor.
Não diria que a falta de afeto e calor humano me provoca uma tempestade de prostração, porque, bom, as coisas não funcionam dessa maneira; porém não é mentira se eu falar que a derrota me deixa aborrecida e murcha. E, claro, também não colocaria na minha alto biografia que preciso seriamente do sexo oposto para viver neste mundo, mas seria errado ignorar o fato que perdi toda a graça desde que eles se foram, ou melhor; quando mostraram que não gostariam de estar ali de verdade, que a produção era o lembrete de uma luta perdida para a solidão. Acho que a questão não é bem sobre um namorado, e sim como o reality show fez com que eu tivesse outras perspectivas.
─── Clara! ─── a minha mãe me grita do outro lado da porta.
─── O quê?! ─── pergunto alto, largando o celular entre os cobertores emaranhados.
─── Vai no mercado comprar ovos. A sua tia está vindo aqui fazer pão caseiro.
─── Precisa de ovos para fazer pães?
─── Vai logo, Clara! ─── ela berra.
Dou uma última olhada na tela brilhante e passo os olhos rapidamente pela foto do meu casal favorito, Julia e Bryan. Juntos eles seguram uma plaquinha com as opções de nomes da sementinha no ventre da garota para que as pessoas possam opinar nos comentários; obviamente ansiosos demais para serem pais. O sentimento de fracasso ainda está implantado em mim, a raiz do mal, mas agora não é mais um monstro agitado, um bramido torturante na minha cabeça. É uma parte que estou trabalhando, dizendo para mim mesma que Bryan estava pronto para essa situação tocante na sua vida, e Julia mostrou-se a parceira ideal quando, se fosse eu no lugar, as coisas estariam fora de controle e em completo desespero.
Viu? Uma Clara adulta e resolvida, ou quase isso...
A caminho disso.
─── Clara! ─── o berro da minha mãe me pega de surpresa. ─── Sai logo desse quarto, porcaria.
Angela, minha querida mamãe, tem o costume de deixar as coisas em cima da hora, como qualquer outra brasileira tradicional; o problema é que ela começa a ficar esquentadinha e desconta suas frustrações em quem não tem nada a ver com a burrada. Tipo eu. Que culpa tenho se ela esqueceu de comprar os ovos para a tia Elisangela fazer as coisas do café da tarde? O melhor a se fazer é obedecer aos berros para escapar da fúria do monstro.
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UMA GEMA PARA CLARA
RomanceAtualmente Clara Agostini se vê presa na casa dos vinte, sem grandes conquistas e um bom planejamento para o futuro, contudo, a maior preocupação da família está voltada para o fato de a garota não ter apresentado sequer um primeiro namorado; ela de...