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— Deixa de bobagem menino que é claro que eu sou teu pai. – Abimael não perde a pose — Eu faço questão de cuidar de você, da sua irmã e de tantas outras crianças desamparadas desse morro como se fossem minhas porque eu acredito no meu papel como seguidor de Cristo.

— Hm... Mas eu falo ser pai mesmo, sabe. Tipo: pai de poder andar comigo, me levar na escola e ter soltado pipa comigo, ter me ensinado a rodar um pião. Essas coisas. – sorri.

— Você ainda pode contar comigo, Jonas.

— Aff. – Melissa torce o nariz — Ia ser bem tenso ter você como irmão, Jonas. – ela está ao lado da mãe dela.

— Tenso por quê?

— Porque tu é chato. Não sei como a Ketlen te suporta. – cruza os braços e sorri.

— Eu sou um bom irmão. – O tom de voz dele é o mesmo que os homens usam para falar com uma mulher quando estão afim dela.

— Nãm. Eu não ia querer ter você como irmão.

— Ia sim. – risos.

— Para com isso. – mamãe chuta o Jonas por baixo da mesa.

— Ai mãe!

— Deixa de saliência menino. Perdeu a noção mesmo? – cochicha.

Melissa fica sem graça.

Por mais que mamãe esteja tentando ser bem discreta, todo mundo já se deu conta do que está acontecendo.

O pastor não diz nada.

Jonas é o único filho homem do pastor, mas como é bastardo, ele nunca foi tratado como tal e isso criou um vácuo para ressentimentos e é por isso que o meu irmão não superou e acho que nunca vai superar o fato de o meu pai ter sido ausente nas nossas vidas.

Quatro pizzas são pedidas e saboreamos elas. A Pizzaria Paixão é referência, dentro da favela, de pizza de qualidade. É dessas pizzas bem recheadas com queijo que derrete na boca.

Mesmo que a pizzaria esteja lotada, mas o Pedro sempre coloca o meu pai na frente na hora de preparar a comida.

— Antes de tudo, eu quero dizer que estamos aqui para comemorar o noivado da Ketlen e do Osvaldo. – meu pai diz — Vou fazer uma oração antes de comermos.

Juntamos nossas mãos e abaixamos a cabeça.

Abimael diz as palavras que vêm em seu coração e pronto. Podemos comer.

****

Osvaldo para o carro em frente a minha casa.

— Dona Rosa. – Osvaldo diz — Posso conversar um pouco com a Ketlen?

— Se for em pé na rua, pode. Dentro do carro, não.

— Ok. – risos — Vou só deixar minha mãe em casa e aí eu volto. – diz pra mim.

— Tudo bem. – respondo com vergonha — Não queria que as nossas mãe e o meu irmão estivessem ouvindo isso por mais que eu não esteja dizendo nada revelador.

Saio do carro e entro em casa. Vou direto para o quarto e troco de roupa. Gostaria de ter coragem de ir dormir e pedir para a mamãe dispensar o diácono quando ele chegar, mas sei que ele não vai demorar tanto e que ela não vai ficar contente em fazer esse papel pra ajudar a mim nesse sentido.

— Mãe vou ali ver os cara.

— Vai ali onde, Jonas? – ela não está muito feliz com a postura dele.

— Acolá mãe. Os cara tava na esquina quando eu passei.

— Não vai. Tu não é vagabundo pra ficar em mei de esquina com cachaceiro!

— Ô mãe! Mas a Ketlen vai...

Eu preferiria não ir. Se ele pudesse ir no meu lugar e ficar conversando com o Osvaldo, eu adoraria.

— É diferente! Eles vão casar e não vão ficar junto com cachaceiro.

— Nada a ver isso aí. De onde a senhora tirou que os meninos bebem cachaça.

— Eles tão só te tirando dos caminhos do senhor e te levando pros caminhos da perdição, meu filho.

— Ai, mãe. – fecha a cara e se joga no sofá.

Um carro buzina lá fora.

— Parece que o Osvaldinho chegou, irmãzinha. E buba no bibiu dela! – risos.

Reviro os olhos irritada com a provocação.

— Para com isso, Jonas. Respeita a tua irmã, cabra safado! – bate nos braços dele — Coisa feia pra se dizer pra uma moça.

— Ai, mãe! Foi só brincadeira, nãm.

Saio de casa e encontro Osvaldo me esperando do lado de fora.

— Quer andar por onde?

— A gente pode ficar conversando aqui em frente mesmo. – respondo.

— E se a sua mãe ficar ouvindo? – ele está tímido.

Não sei o que me dá, mas por um instante penso que ele quer me dizer algum segredo.

— Tá legal. Bora andar. – tomo a frente.

Osvaldo dá uma carreirinha pra me acompanhar.

— Sabe, Ketlen... – ele está tímido para dizer alguma coisa — Eu sabia que você é a mulher da minha vida desde o momento que te vi lá na cadeia tomando de conta da palavra do senhor. Aquele momento foi a resposta das minhas orações. – pausa — Mas desde aquele dia, eu fico pensando se tu sentiu a mesma coisa... sabe, o pastor chamou a gente no púlpito hoje e nosso noivado foi anunciado pra toda a igreja, mas eu não quero fazer isso se tu não tiver certeza.

— Como assim? – fico sem graça — Deus falou com o pastor. O pastor é a nossa ponte pra falar com Deus aqui na terra. Somos ovelhas sendo guiadas...

— Verdade. Eu devo tá muito nervoso porque fiquei pensando: e se Deus não falou com ela como ele falou comigo... ia ser bem ruim isso.

— Deixa de bobagem. A gente sabia que o verdadeiro mensageiro seria o pai... – me confundo em meio ao nervosismo — Quero dizer: pastor.

— Você tá feliz? – ainda bem que ele só ouve o que convém.

— Não tem quem não se sinta feliz em fazer a vontade de Deus.

— Posso te abraçar?

— Sim.

Osvaldo me abraça e eu tremo no início, mas então me dou conta de que não estou ao lado do Victor e acho estranho descobrir que apenas ele é capaz de me fazer sentir aqueles arrepios. Somente ele foi capaz de me arrancar suspiros, sem sequer me tocar.

Quando eu vou poder vê-lo novamente? Só de pensar nele, meu coração acelera e minha intimidade fica úmida.

— Tudo bem? – Osvaldo pergunta.

— Sim. Eu tenho que ir pra casa. – minto e essa não é a primeira vez desde que comecei a conversar com o meu noivo — Podemos ir?

— Sim, sim. Eu também tenho que ir embora. Amanhã preciso acordar cedo pra ir trabalhar.

— Você vai voltar no presídio da cigana? – tenho que saber.

— Não. Inclusive contei para o seu pai tudo o que aconteceu com a gente lá e em como você foi corajosa... mas ele decidiu que não é legal a gente ir mais lá. Não é seguro nem pra mim e nem pra tu.

— Sério?

— Por quê?

— Aquelas pessoas precisam da gente. A gente não pode abandoná-los, Osvaldo.

Estou desesperada com a notícia de que não vou mais poder voltar pra visitar o Victor. Meu Deus, que sentimento é esse e por que essa intensidade tão grande? Meu coração está acelerado, quero bater no Osvaldo e chorar. 

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