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— E que obra é essa, Ketlen? – Victor segura minha mão e olha nos meus olhos.

Olho seus lábios médios enquanto pronunciam meu nome. Estou muito errada em desejá-los nos meus?

Quando ele fala é como se a sua boca se mexesse em câmera lenta e então eu preciso distender ainda mais o meu peito na tentativa de não morrer com falta de ar. Por que eu tô tão louca por esse homem, meu Deus?

— A obra de Deus, Victor. Eu acredito que você é uma boa pessoa, que vai conseguir sair daqui e que dará o seu testemunho. Eu tenho muita fé que muitas pessoas serão salvas através de você.

— Eu queria tanto me enxergar desse jeito. – ele sorri tímido.

— Se você confessar com a sua boca que Jesus é Senhor e crer em seu coração que Deus o ressuscitou dentre os mortos, será salvo.

— Eu não acredito em Deus, Ketlen. – solta as minhas mãos como se perdesse as forças.

— Mas por quê?

— Melhor você ir embora e esquecer de mim, tá certo? Eu não quero problema pra mim e nem quero que perda seu tempo vindo aqui tentar salvar a minha alma. Se eu tiver uma alma, acho que ela nem é minha mais. Vendi faz tempo. – levanta e fica de costa para mim.

Meu Deus, o que esse homem pode ter feito de tão perturbador na vida pra acreditar que não tem chance contigo?

Sinto ainda mais vontade de ajudar o Victor depois de ouvi-lo confessar que não crê no senhor.

— Eu posso te apresentar o nosso Deus. É por isso que eu tô aqui. – levanto e ando em sua direção — Você não tem que se sentir culpado. – coloco a mão direita em suas costas e meu corpo estremece ao sentir a textura da sua pele e seus pelos na ponta dos meus dedos.

Retiro minha mão trêmula de cima dele e cruzo os braços para que não perceba que fiquei um pouco alterada.

— Quer dizer. Você tem que se arrepender de tudo de ruim que já fez e pode ter certeza que o senhor é misericordioso. Ele vai te fazer um vaso novo.

— Eu não tenho como fazer parte desse mundo, Ketlen.

Por que ele não olha pra mim? O que ele tem que não olha pra mim?

— Todo aquele que crê será salvo. – invado a sua frente.

Victor Pitbull. O nome é de meter medo em qualquer pessoa ajuizada. Eu costumava ser mais ajuizada antes de conhecê-lo, mas desde então não sei o que acontece comigo. Apesar de Victor ter essa aparência e falar como um fariseu, é nítido que é+- um homem do senhor sensível; mas nem mesmo sendo sensível ele é capaz de perder essa imagem de homem forte que tanto me agrada.

— O que você tem? – seco uma lágrima do canto dos seus olhos.

— Você é a única que me visita em tanto tempo e além de vir ainda acredita em mim. Acredita que eu tenho algo de bom a oferecer ao mundo. – ele não está chorando, mas sei que sente muito cada palavra que sai da sua boca. — Eu posso te dar um abraço?

Sou pega de surpresa com o pedido. Abraçá-lo é tudo o que eu mais desejo no momento, mas não sei se eu posso fazer isso. É seguro?

— Claro que pode. – não posso me negar a um gesto tão simples só porque não consigo ser imparcial com esta pobre alma.

Ele é muito alto e apesar de eu não ser uma mulher baixinha fico com a cabeça imprensada em seus peitos grandes, fortes e peludos depois que ele me abraça com toda a força.

Ficamos assim por um tempo. No início, eu sinto minhas pernas tremerem, mas depois passa e então eu me dou conta que algo escorre entre elas.

— Tudo bem? – pergunto na intenção que ele me solte porque eu não tenho força pra me libertar assim como não tive quando ele segurou minhas mãos com força.

Assim que Victor me solta, procuro meu lugar e me sento enquanto penso que ele não pode, de maneira alguma, saber o que está acontecendo comigo.

— Tenho que ir. – digo.

— Já?

— Sim. – mostro um sorriso sem jeito.

— Vai voltar?

— Acho que sim. – estou guardando a bíblia e fechando a bolsa.

— Desculpa se eu te assustei em algum momento.

— Fica tranquilo. – olho pra ele uma última vez antes de sair — Eu volto. – mostro um sorriso tímido.

— Vou ficar te esperando dessa vez.

— Tá certo.

Saio da cela usada como sala e sou conduzida até a saída por um agente.

— Deu tudo certo? – o Jonas veio comigo.

— Deu sim.

— Só tu mermo pra querer vir num lugar desse fazer uma visita a uma pessoa que num tem nada a ver contigo. Não é parente e nem aderente seu. – cruza os braços e balança a cabeça enquanto a gente anda até o ponto de ônibus.

— Me deixa, Jonas. – penso um pouco — Obrigada por ter vindo comigo.

— De nada, mas na real tu fica me devendo uma. Agradecimento não paga dívida.

— Nossa. Mercenário.

— Melhor não me chamar assim na frente da mamãe. Tudo escandaliza ela.

— Verdade.

O ônibus tá vindo.

Dou sinal e ele para.

Normalmente a gente tem condução até a entrada do morro, de lá temos que pegar uma vã pra subir a favela.

****

As meninas da igreja vão se reunir hoje e elas me chamaram. Não sei se eu tô muito afim. Mamãe sempre reclama que eu não tenho amigas e que uso ela como desculpa pra não me relacionar com as pessoas.

Em parte, ela tem total razão. Não gosto muito de me reunir com as meninas fora da igreja.

Hoje eu decidi que vou me dar uma oportunidade para conhecer novas pessoas. Vai ver eu consigo me distrair dessa loucura toda que foi na prisão. Não tive nenhum segundo de paz desde que cheguei. Não paro de pensar no Victor e já fingi que não vi duas chamadas do Osvaldo. Eu sei que o meu noivo quer apenas saber como as coisas aconteceram, mas eu não tô afim de falar com ele.

Fico impaciente só de pensar que vou ter que dar um pouco de atenção e talvez carinho ao Osvaldo. Ele não é quem eu quero e casar com ele ou com qualquer outro homem neste momento não é o meu desejo.

— Filha.

— Oi, mãe?! – saio na porta do quarto.

— Tô indo pra igreja pro grupo de oração.

— Tá certo.

— Você vai mesmo sair?

— Vou sim.

— Vê se atende esse telefone. Aff. Tu gosta de fazer as pessoas de besta mesmo num é?

Reviro os olhos com o barulho do celular. Provavelmente é mais uma ligação do Osvaldo.

— Tá certo mãe. 

Visita Íntima (morro) COMPLETOOnde histórias criam vida. Descubra agora