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— Oi, Ruthe. – saio no portão pra falar com a menina — Tudo bem? – tento ser simpática.

Fico parada esperando alguma reação da Ruthe enquanto ela me encara com uma expressão de paisagem.

— Eu vim só pra falar mesmo contigo. – revira os olhos — A Jemima não topa sair comigo na rua porque tem medo de ser chamada de puta, a Jocelia quer dar uma de santa, mas já deve até tá dando pro carinha lá que ela vai noivar. – revira os olhos — Você não acha tudo isso muito falso? Não acha que essas coisas soam muito falsas?

— Não. – cruzo os braços.

— Hmm... – fica sem graça — Vamos tomar um sorvete. Eu pago. – olha pra mim — Eu só tô te chamando porque você é legal. Não é como as outras garotas.

Eu até posso ser legal, mas a Ruthe não. Ela adora fazer fofoca e eu tenho que ficar calada se não quiser me meter em uma confusão grande. Qualquer coisa pequena na boca dela vira "manchete de primeira página" na rádio patroa da favela.

Mas eu tô precisando respirar um pouco. Vou sim com ela.

— Vou sim. – volto e calço a sapatilha que deixei perto da porta.

Não tenho muita vaidade. E pra quê vaidade? Além de não ajudar a entrar no reino dos céus, eu já estou noiva de um homem. Não preciso chamar atenção dos outros.

Fecho a porta antes de sair e as grades.

— Como foi o dia hoje? – Ruthe pergunta.

— Foi ok. – dou de ombros — E o seu?

— Foi bom. – hesita.

— Aconteceu alguma coisa?

— Eu não me dou bem com a minha mãe. – fica murcha — Quer saber da verdade? Eu fui na sua casa porque briguei com a minha mãe e sai chutada. Não quero ficar perto dela por enquanto. Minha mãe acha que eu devo me comportar e casar e todas essas coisas que eu não quero. – respira fundo — Poxa, eu sou uma boa filha, faço as coisas direitinho, a casa dela tá sempre arrumada... Por que ela não para de querer me casar a todo custo?

— Talvez porque ela se preocupe contigo.

— Hmm...

— O que foi?

— Tem um cara me querendo e minha mãe aprova a união.

— Sério? – me mostro entusiasmada — Quem é?

— Já ouviu falar no Seu Cunha?

— Seu Cunha?

— Sim.

— O velho da budega no Beco do Pinico?

— Sim. – revira os olhos.

— Como sua mãe aprova um casamento entre você e um homem com idade pra ser o seu avô?

— Ela disse que ele tem estabilidade, uma budega, vai poder me dar tudo o que eu preciso e pelo menos a gente não vai mais passar necessidade.

— Ela ainda tá desempregada?

— Tá. A gente tá vivendo de cesta básica que a igreja dá. – pausa — Eu tô colocando currículo pra ver se consigo um trabalho, mas não tá fácil e minha mãe faz faxina, né? Quando aparece uma aqui e outra ali, mas o pessoal bacana não tá mais querendo pagar preço da faxina e ainda quer explorar o trabalho da diarista. Uma vez eu fui com a minha mãe. Era uma casa muito grande, a mulher deu a metade da grana e ficou de mandar o resto no pix. Essa história já tem um mês e minha mãe cobra ela todo dia. – pausa — Mamãe disse que o Seu Cunha falou pra ela que não vai faltar nada pra gente se eu casar com ele.

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