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— A gente se apresentou da outra vez? Eu não lembro. – não lembro mesmo se ela me disse o nome.

— Sou a Ketlen, Victor.

— Hm. Verdade. – mostro um sorriso.

— Está melhor? – ela é tão linda.

— Sim. Na verdade. Não foi nada aquilo. A gente já teve conflito mais sangrento por aqui. – lembro do último motivo que me levou pra solitária.

— Hmm..

— E tu voltou mesmo.. – sento e falo olhando em seus olhos. Estou admirado, jamais pensei que minha piada surtiria esse efeito.

— Sim.

— Veio sozinha?

— Não necessariamente. É que não podemos entrar em número grande porque hoje viemos com uma missão muito específica. Não é dia de visita da igreja. Entende?

— Que missão é essa? – dou pra trás porque é sempre bom lembrar que não dá pra confiar nas pessoas mesmo que elas sejam mulheres jovens, bonitas e aparentemente delicadas.

— Falar de Deus pra você.

— Hm...

— Que foi? Não gostou? – seu olhar muda — Eu vim como uma missionária da igreja. Deus me disse que tem uma missão grandiosa na sua vida, Victor.

— Sei.

— Se não estiver afim, eu posso ir. – fecha o livro e faz que vai sair.

Sinto uma coisa ruim quando ela diz que vai me deixar. Acho que esse sentimento tem muito a ver com o que eu tenho vivido nos últimos tempos. Desde que fui preso que tenho certeza que a minha namorada me deixou e minha mãe não quer papo.

Mamãe sempre disse que não queria um filho vagabundo, mas aí o papai ficou doente e foi o meu trabalho que começou a bancar o tratamento de Parkinson dele. Acho que como um gesto de gratidão, o mínimo que ela poderia fazer era ter vindo me visitar pelo menos uma vez. Em seis meses, ainda não tive nenhuma visita. Nem mesmo meus colegas que estavam na milícia comigo, vieram.

— Então podemos falar sobre a palavra?

— Sim. – dou de ombros.

— Vamos fazer uma oração primeiro, tá bom?

— Ok.

— Senhor meu deus, estou aqui para falar da tua palavra para o Victor. Te agradeço pela vida desse homem e peço que lhes dê direcionamento, meu pai. Victor é um homem de Deus e não foi um outro homem que disse isso, mas o senhor Deus que falou. Abençoai-vos em nome de Jesus, amém.

— Amém. – digo para cumprir protocolo.

— Eu trouxe pra você hoje uma mensagem. – pausa enquanto abre a bíblia — Paulo esteve preso e durante aqueles dias de solidão ele se apegou a Deus... – ela me encara — Você é um homem apegado a Deus?

— É pra ser sincero?

— Sim. É por isso que eu tô aqui, Victor.

— Não sou. Deus não existe e se ele existe, bem, acho que ele tá atrasado pra festa.

— Por que diz isso?

— Porque basta olhar pra como as coisas estão.

— Deus ama a todo nós, Victor. – ela estende os braços em cima da mesa com as palmas das maõs para cima — Deus não esquece dos seus filhos, mas temos o livre arbítrio...

— Você é linda. – toco suas mãos — Tem momento que eu quero acreditar em Deus só por sua causa. Se existe mesmo essa pessoa entre a gente, você deve ser um anjo dele.

Ketlen narrando

Osvaldo se empenhou em me ajudar a conseguir uma nova visita ao presídio. Eu tive que dizer a ele a minha impressão sobre o Victor. Não falei tudo, obviamente, mas tive que deixar claro que o varão encarcerado poderia ser um grande líder do senhor em algum momento.

Meu noivo me ajudou a convencer o pastor de que deveríamos voltar e meu pai colocou apenas uma regra para que eu pudesse rever o Victor: eu não poderia ir sozinha.

Osvaldo já conhece o pessoal do presídio e bastou uma ligação pra ele conseguir a nossa visita.

Eu não ia ser capaz de dormir nunca mais se por acaso não pudesse mais ver o Victor. Não conseguia mais nem fechar os olhos para descansar porque a insônia me transformava em zumbi durante a noite e quando o dia amanhecia, eu precisava estar pronta para a luta do dia a dia. Escola, trabalho em casa, ajudo minha mãe na padaria também. Enquanto isso meu irmão só dorme.

A presença do detento me causa uma sensação estranha. Estou nervosa, mas quando ele toca as minhas mãos, meu corpo todo treme e gela. Pra onde foi todo o sangue do meu corpo? Não sei se avisaram pro Victor que eu era a visita porque ele apareceu na sala completamente sem camisa e é difícil me concentrar no que eu preciso dizer enquanto tenho que fingir que não estou vendo seus peitos grandes e peludos expostos.

Por que eu não consigo parar de pensar em quão gostoso deve ser deitar a cabeça em seu corpo e dormir? Acho que eu só precisava de mais uma visita pra ter certeza do que eu senti desde o primeiro momento que vi esse homem.

— Deixa de bobagem, Victor. – tento puxar minhas mãos depois de ouvir o gracejo dele, mas ele me segura com um pouco de força.

Não é nada demais. Ele não emprega força suficiente para me machucar e nem precisaria porque se com apenas um gesto menos leve é capaz de me segurar em suas mãos grandes e peludas; imagina o que faria a mim se por acaso decidisse agir de maneira agressiva.

Apesar do gesto intruso, gosto quando ele segura a minha mão. Sinto suas mãos mais juntas das minhas e por um instante é como se estivéssemos unidos de um outro jeito. Sentir suas mãos quentes e calejadas; mãos tão grandes que cobrem as minhas com facilidade. Um vento frio passa pela minha nuca e por breves instantes me falta o ar nos pulmões.

— Fica tranquila. – ele ainda me olha intensamente — Eu não vou te machucar. – sorri — Nem poderia, como que eu seria capaz de fazer contigo algo de ruim depois de você ter me salvado da morte outro dia lá no pátio?

— Não foi bem isso que aconteceu. Eu nem estaria ali se não tivesse sido arrastada pela multidão de detentos.

— Mas foi você que quis separar a briga.

— Isso é verdade.

— Eu me sinto muito sozinho aqui dentro, Ketlen. – acho que é a primeira vez que ele fala o meu nome.

Em sua boca, meu nome fica mais atraente. Sinto vontade de atender ao seu chamado instantaneamente. Quando ele pronuncia "Ketlen" me causa arrepios e me faz sentir um impulso de servi-lo.

— Não sei se Paulo se sentia assim, mas eu me sinto abandonado por tudo e todos. Inclusive por Deus... Obrigado por ter vindo falar comigo.

— Sério?

— Acho que você é a única pessoa capaz de me fazer acreditar que existe Deus porque você é boa demais. Você realmente me prova que existem pessoas bondosas.

— Eu sinto muito por você, mas saiba que Deus nunca abandonará os seus filhos, principalmente quando esses filhos são escolhidos para fazer a sua obra. 

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