Ontem mesmo te vi passar como uma brisa que passa e por muito pouco me beija o rosto, beija o corpo, beija cada poro da pele assim como você costumava fazer nos encontros as quintas-feiras. Ontem mesmo lembrei do gosto do seu beijo misturado com cerveja batom e cigarro, das noites que passamos juntos e de todas as vezes em que te disse olhando nos olhos como você de todos os seres és o mais lindo.
Parece que depois da sua partida o mundo ficou assim, um tanto menos acalorado como de costume, as notas que eram formadas a partir do som da sua voz eram vazias e quase que sem melodia alguma, e eu nem conseguia me lembrar de todas as vezes que me tocou como quem toca as cordas de um baixo, e que ali deitada entre os lençóis de sua cama era eu o seu instrumento favorito.
Eu me arrastei pelos corredores da sua casa, dancei com você pela sala, fizemos amor na cozinha, marquei as paredes com a minha presença, e meus olhos que eram tão vidrados em você naqueles momentos em que o mundo se sentia só, estava eu observando tudo, inclusive você passar pela porta, pois mesmo que o mundo estivesse se sentindo só, nós éramos um só, mas éramos nós, e só.
Vimos o nascer do sol juntos enquanto nossos corpos balançavam de um lado ao outro na cama e eu te vi fazer em mim arte, de mim minar tinta e você me pintar como uma das telas de Picasso, eu vi você sorrir todas as vezes que te contei quantos cafés eu queria te fazer e quantas colheres de açúcar você não poderia colocar, afinal como era chato meu discurso de como o açúcar acaba com o gosto do café, e como o que é doce mela e amedronta as relações.
E por falar em gosto, todo o sabor de um café da manhã no centro de São Paulo se foi, naquele dia em algumas das esquinas mais movimentadas da Santa Cecilia nos despedimos, e quem poderia imaginar que ali, em meio a agitação de toda a cidade e o caos daquele concreto estar-nos-íamos a decidir o destino do mundo em um abraço de despedida.
Depois que você se foi eu quis te ligar, quis chorar mares e rios, não por você mas por mim, quis te escrever poesias e colocar outdoors nas praças das cidades, eu quis beber copos e copos de cerveja para sentir seu gosto escorrendo minha garganta amargurada, eu quis sentir outros corpos só para acabar com a sensação de que você poderia ainda me tocar, eu quis ser o nós fugindo da vista escura da noite pra roubar-se um beijo, aquele beijo, e eu te quis, como se a salvação do mundo depende-se de nós.
Mas você só foi alguém, no meio de tantas outras pessoas, uma passagem, uma ponte, uma conexão, aquele desejo repentino e absoluto, o frenesi e a paixão latente, a corrente energética correndo pelo corpo, a explosão de uma bomba atômica, o gosto saboroso de uma bebida doce, que acaba e que logo em seguida vem outro copo, e outro corpo, até acabar a noite.
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Quando você voltar
RomanceQuando Você Voltar É uma coletânea se textos sobre amores que nos fazem existir, mesmo que partam, ou nos partam. Se lembra quando seu grande amor foi embora pela primeira vez ? não se lembra ? porque nunca teve ou porque ele nunca foi ? Por que s...