Eu fui sua ? será que fui ?

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As sete da manhã de uma quarta-feira, não de cinzas, mas uma quarta-feira qualquer em que a gente vê o mundo nascendo pela janela do quarto eu te vi nascendo em meus olhos como o sol que naquela manhã nos abandonara, e era mais que obvio que ele não daria as caras, não naquele dia, me aprontei, tomei uma xícara quente de café e peguei meus pensamentos a me perseguirem enquanto mordia cada pedaço do pão de leite que você adorava, tudo era devaneio, até aquele café que mesmo quando já haviam quatro colheres de açúcar dentro da maldita xícara, descia amargo pela garganta e me fazia sentir que qualquer doçura não era suficiente, porque não era doçura, era amargura pura, sua; que qualquer pedaço de pele que se esparramasse sobre a minha pele frágil não seria como a sua pele a esparramar-se sobre mim como só tu sabias fazer, com tanto louvor. E quando me dei conta já era hora de partir, pegar o próximo ônibus, o próximo metro e passar por todos os lugares em que prometemos o mundo um ao outro, com o sangue fervendo e as lembranças borbulhando a mente e me fazendo perceber que a tanto tinha medo de amar, e que depois que amei me senti livre, mas que só quando você foi embora que senti que a liberdade não só estava em ti, mas estava em mim, e era nossa, eu e tu, nossa liberdade - perdida entre as ruas da cidade, entre uma estação de metro e outra, entre as esquinas e pontos de ônibus onde trocamos beijos e juras de todo amor do mundo, todo amor cabia em nós, na palma da mão e em cada centímetro da pele grossa, preta, espessa; todo amor cabia entre seus dedos quando me tocavam com tanta avidez, todo amor cabia em cada virgula de toda poesia que me escrevia, e de toda carta que me mandava com suas digitais manchadas de gordura e a caligrafia falhada com os pequenos erros que propositalmente você cometia em cada linha pare me fazer sorrir, e me arrancar sorrisos, todo amor cabia em meu corpo franzino e na alma cálida, todo amor cabia em ti, em mim, em nós, e tudo era nosso, desde as dobras da cama, até o suor pingando no rosto, desde o grito, a fala frigida, e o corpo que algum dia já foi fogo hoje somente é brasa fria prestes apagar.

Eu fui sua, será que fui ? será que te pertenci tão solenemente a ponto de esquecer que estive comigo mesma todas as vezes que você não estava, e não quis estar, todas as vezes que eu precisei e supliquei tão intensamente que você estivesse aqui, comigo, e só. Quando eu precisava de algo real, porque éramos seres reais, e eu queria algo mais palpável, porque eu queria sempre mais, e você sempre menos, eu estava um passa a frente e você receoso atrás, até que começamos a ser dois estranhos tentando entender qual a razão de tudo, e se a razão por que estamos aqui ? e porque ficamos tanto tempo? porque tanto tempo? porque a liberdade não me apresentou esses porquês antes que você me virasse as costas sem me dizer o porque de tudo isso. Eu fui sua, e com certeza fui, mas você, talvez em algum lugar bem no fundo da alma eu soubesse que nunca foi de fato meu.

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