Pedaços

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Antes de você ir embora eu te olhei, olhei sua silhueta, seu jeito de marcar as paginas dos livros que gostava de ler, e tudo em você era rico de pedaços meus, eu via você aperfeiçoar seus sentidos como quando sentia da porta de casa o cheiro do molho de macarrão que eu fazia e que você dizia que adorava, antes de você ir embora eu deitei no seu peito enquanto contava as suas pintas que pareciam constelações ardendo e brilhando, antes de você ir embora eu te vi. Eu pousei meus olhos sobre os seus por que tinha certeza que você encontraria ali dentro dos meus olhos escuros e nebulosos as respostas que estava procurando, mas antes de você ir embora eu percebi que as respostas que você procurava nem em mim estavam e nem me pertenciam, eu segurava sua mão suada alguns segundos e você soltava meus dedos em outra como quem quisesse dizer, aqui nasce o fim, o fim de tudo e todas as coisas, como se os seus dedos desgrudando dos meus fossem o seu aviso de despedida, e antes de ir embora você deixou alguns pedaços seus espalhados pela casa, algumas fotografias, rabiscos e poesias.

Mas meus pedaços também foram embora com você, atravessaram a porta e estavam espalhados dentro da sua mala, como que em suplica pedisse, fica? Meus pedaços esparramados pelo chão da sala também grudaram nos seus sapatos e foram com você para a rua, dobraram a esquina, caminharam, se arrastaram até não querer mais, beberam cerveja com você no bar da esquina as onze, te abraçaram no meio da noite e te furaram a pele para que que você se lembrasse de que meus pedaços ainda estavam contigo, e ainda que não estivessem totalmente inteiros ainda estavam, você ainda os carregava, sem vontade de voltar, mas com a lembrança amargurada e doce de cada um. E antes de você ir embora eu te quis, tão intensamente que sentia que as veias do corpo transportavam pólvora ao invés de sangue, porque me explodia por dentro, me explodia a sensação de beijar você como só nós sabíamos beijar, como se o nosso beijo fosse o primeiro beijo do mundo, e a nossa carne fossem as únicas a se tocar de forma energética em todo o universo. Era ali o colapso das eras, dos erros e acertos, dos devaneios e das medidas que não tínhamos quando nossos corpos se tocavam todas as vezes imaginando que fosse a primeira, ou sentindo que mesmo que fosse a ultima vez, ainda assim seria a primeira vez, momentânea e tortuosa.

Então, quando você foi embora eu parei de olhar, os olhos já não me serviam de muita coisa quando sua silhueta fugia de onde eu pudesse te encontrar, naquele bar da esquina que era nosso lugar favorito, na floricultura, no café, ou no alto de um prédio da avenida paulista, e mesmo que você tivesse ido embora sem dar noticias eu sabia que você estava a beber cerveja em algum canto da cidade, a contar sobre a vida, sobre os erros e acertos e sobre mim, sobre nós e sobre como dominávamos o mundo as duas da manha ao som de R&B, lembrando de como você tinha uma fera nos lábios e eu uma presa entre as pernas, sorrindo com a acidez do próprio senso de humor e dizendo a si mesmo, acabou por que tinha que acabar, mas ainda tenho boas lembranças, a minha boa lembrança sempre sera os seus pedaços que ficaram aqui espalhados por toda parte, enquanto você tem pedaços de mim, nos calçados, na memória e no coração. 

Quando você voltarOnde histórias criam vida. Descubra agora