III - THEODORE A DÁDIVA

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   Theo acordou na manhã seguinte, do dia de lua cheia, com o rosto nas costas nua de Liam, e uma voz sussurrante no ouvido. Ele sentia a dor espalhada pelo corpo, por ter dormido nos pisos, mas ainda assim estava acolhido pelo calor do outro rapaz, se permitindo ficar na sensação de sono.

— Raeken – ele ouviu Liam chamar, e se afundou mais atrás do rapaz. O nariz se batendo na curvatura lisa e quente, enquanto a fragrância adocicada invadia as narinas sem devaneios — Garoto, eu te dei asas, não me ignore – então os olhos de Theo se abriram, e como um passe de mágica, tudo ao redor dele pareceu mais frio.

   Não tinha a pele do companheiro queimando em vida ao lado dele, nem os lençóis de mil fios embaixo dele. O travesseiro não sustentava mais seus fios tortos e partidos, também não desenhava mais os traços do pano em sua bochecha.

   Era apenas uma sala escura, onde o chão era um amontoado de penas negra, com ele sozinho ao meio do espaço, largado deitado sobre as pontiagudas e robustas pelagens de aves. Seus olhos lilás, buscando por a voz que ele juraria ter sido de Liam, mas que disse algo diferente o suficiente para fazê-lo pular batidas cardíacas.

  Logo se colocou de pé, buscando o único que poderia jogar aquelas palavras na cara dele, mas nada apareceu. Estava isolado, não existia som naquele lugar, ele até mesmo gritou na procura de alguém, mas sua voz não parecia ter saído, mesmo que seus lábios se abrissem em bravura e princípios de angústia.

  Não existia muita luz... Não existia nada além das penas nos seus pés, coçando e pinicando, como agulhas enfiadas em um bolo de lã.

  Theodore se agachou, e rastejou a mão pelas penas, calmo até que fosse desesperador, ver que não existia nada além delas. Ele praticamente se jogou ao chão, buscando cavar, porém nunca chegava a lugar nenhum.

   O coração apertado, não fazia um barulho frequente em seu ouvido, parecia que nem batia, mas ele sentia a pulsação mudando o circuito natural da respiração.

   Algo se agarrou ao pé dele, o puxando traiçoeiramente para baixo, pelo tornozelo magro. Mesmo que gritos fossem jogados para fora do corpo dele, barulhos ainda não eram possíveis.

  Ele rastejou entre a camada finita de penas, até estar em queda livre em um vácuo de ar, na mesma sala escura. Só que dessa vez, ele era capaz de ouvir sons, tanto da própria queda, ao se bater em um chão úmido, quanto de uma canção, um coro arrepiantes, com baixos potentes mesclando ao grito de susto do bruxo.

— Mude o mundo, garoto das asas de tinta – quando Theo ergueu o olhar, ainda caído no chão, com o estômago ardendo pelo impacto, ele pode ver um jovem sorridente. Seus cabelos negros, olhos cinzas, pintas no rosto, e blazer grosso. Lá estava Noah, e sua aparência era igual ao de seu filho Stiles, pelo menos, era bastante parecida com a da última vez que Theo viu o amigo — Meu poder hiberna em você, Raeken. Ou melhor, hibernava.

— O quê? – ele observou quando o feiticeiro se agachou, e se assustou com a forma que o homem apertou seu queixo, deixando as unhas pretas rasparem sua pele como as garras de Liam faziam muitas vezes, e sem querer.

  Mão pregada em mandíbula desenhada, o tato ignorando os fiapos afiados de uma barca feita, enquanto eles se encararam com atenção.

— É o meu sucessor – explicou, voz calma, ditando cada letra da forma mais acústica possível. Ele acabou atrapalhando a respiração do rapaz, fazendo Theo se entalar com uma mistura de saliva e tentativas de falar.

— Oh, não.

— Oh, sim. Já foi feito, eu morri e estou aqui – sua voz impaciente, indicando reviradas de olhos. Claro que seu jeito jovem ira se apresentar, além da forma física. A mão soltando o queixo do moreno, vendo como a face do rapaz pendurou em direção ao chão, já que todo e qualquer sustento vinha da palma dele — Sabe como funciona, toda aquele blá blá blá. Minha alma se eterniza na sua, nosso poder é infinito, passará de você, para os seus sucessores e blá.

Thiam - Ink Wings Boy Onde histórias criam vida. Descubra agora