One Shot 28

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Acorde!

Se eu abrir os olhos, nada vai acontecer, nada vai mudar. Ainda serei o mesmo. Ainda farei parte dessa loucura. Ainda estarei nesse mundo.

Acorde!

Gostaria de poder acordar e me deparar com minha casa em Londres, alguns anos atrás. Faltando apenas alguns minutos para eu pegar um casaco e seguir rumo a um bar para encontrar meus amigos.

Acorde!

Não consigo. As coisas mudaram tão drasticamente. Estou preso num sonho confuso. Um sonho no qual milhões de outros caras da minha idade dariam a vida para estar nele. Eu já não sei mais direito quem eu sou. Eu queria sair desse sonho. Mas nem tenho o direito de exteriorizar esse sentimento. Dirão que sou ingrato, que fui eu mesmo quem escolhi viver isso e que agora não posso reclamar.

Acorde!

Queria trabalhar num filme do Kubrick. Porra, ele já morreu. Morreu antes mesmo de eu ser alguém na vida. Ele provavelmente nunca me chamaria para um filme. Provavelmente Kubrick teria aversão à palavra Marvel... Eu queria trabalhar num filme do Scorsese. Creio que ele me daria uma chance. Woody Allen seria perfeito. Não existe drama sem comédia. Allen me ensinou que é possível rir de nossas próprias neuroses. Allen e seu humor autodepreciativo. Isso é um traço bem marcante da minha personalidade. Eu queria trabalhar com Kaufman. Perfeito! Eu me sinto vivendo num roteiro de Kaufman. Qualquer um vive num roteiro de Kaufman. Droga. Esses caras não vão me chamar. Pelo menos não por enquanto. Não vou convencer ninguém... Ninguém. Não estou fazendo sentido, não estou falando coisa com coisa.

Acorde!

Não que eu odeie tudo isso. Só não sabia direito onde estava me metendo. Na verdade, eu continuo por ela. Ela é minha maior recompensa. Eu não estou sendo ingrato. Mas tenho o direito de cansar, às vezes. Não posso ir a lugar nenhum. Não posso morar nas minhas casas, nem sei nem por que diabos tenho mais de uma. Não posso ir a uma festa sem que alguém me reconheça, sem que apareça alguém e aponte a câmera do celular em direção a mim e "flash"... lá se vai minha noite. Onde estão as mães dessas crianças? E no mesmo minuto todos no twitter já sabem onde estou. O que há de mais? É só uma foto minha tomando umas e outras. Só é eu e minha namorada curtindo um passeio juntos. Por que é importante uma foto dessas? Maldito seja o cara que inventou o Instagram. Agora o dono é o cara do Facebook... Andrew trabalhou no filme que fala desse cara. Filme do Fincher. Eu queria trabalhar com Fincher.

Acorde!

Nossa, eu pareço estar bêbado. Milhões de pensamentos desconexos... Quero sair daqui, quero acordar em minha casa em Kingston-upon-Thames, em 2014... Nos tempos em que as tecnologias modernas não me afetavam tanto... Preciso acordar desse sonho maluco...

Um estrondo. Algo se partindo. Um latido agudo penetrando seus ouvidos de maneira desconfortável. Um latido ainda mais alto e diferente, que o faz sobressaltar na cadeira. Ele levanta a cabeça que até então estava escondida na curvatura do braço repousado sobre a mesa.

Noon está perseguindo Tessa. Não que ele não gostasse da irmã. Noon queria brincar e Tess, por sua vez, queria que o cachorro o deixasse em paz.

Por que Zendaya foi trazer o cachorro mesmo? Os dois cães no mesmo ambiente, no mesmo espaço... Não é nem de longe uma boa ideia... Mas ambos teriam de se acostumar. Zendaya iria acabar sugerindo que Tessa continuasse na casa deles em Londres, enquanto Noon ficaria provavelmente no apartamento em New York ou em sua casa em Los Angeles. Com pesar, Tom se lembrou que mal conhecia os três espaços que "dividia" com Zendaya.

One shots tomdayaOnde histórias criam vida. Descubra agora