Capítulo Dezoito

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"Nenhuma escolha é completamente vantajosa; sempre há o que perder quando se ignora um caminho."

Lembro-me de naquela fatídica noite ter passado pelos momentos mais solitários e sufocantes de toda a minha vida. Fui ao hospital como prometi, constatando que os meus pais bem como os meus irmãos, estavam completamente desestabilizados, não esperava encontrá-los lá - não estava inteirada sobre as escalas -, mas até o João Gustavo não foi poupado.

O coitado não parava de chorar, estava muito angustiado com o estado de saúde da nossa avó. Por ser o caçula e o único menino, obviamente foi tratado com muito mais mimo tanto pelos meus pais quanto pela minha vozinha querida. As coisas começaram a sair do controle quando João Gustavo simplesmente surtou; ficou murmurando sem parar que a vovó ia morrer a qualquer instante. Ninguém entendeu, mas foi um choque. Papai sem saber o que fazer levou-o para a lanchonete do hospital, João Gustavo nunca teve um comportamento emocional muito bom, desde criança.

Mamãe chorava muito, e piorava quando via seus filhos sofrendo. Maria tentava como podia acalentá-la, mas o seu desespero também era evidente, e a  minha ausência havia sido sentida durante todo o dia. Me lembrar de que estava evitando a dor só fez com que ela fosse intensificada, fiquei sentada em uma cadeira desconfortável, deixando a vida passar enquanto nenhum pensamento me acometia.

Quando um médico apareceu do nada, buscando por um representante da nossa família, mamãe se desesperou de vez. Estava quase fazendo um escândalo, querendo saber o que tinha acontecido, mas o médico só pediu para que ficasse calma. O que só piorou. Maria, por fim, quase implorou para que eu fosse falar com ele já que o papai tinha saído com João Gustavo, e por incrível que pareça eu era a pessoa mais centrada disponível e isso só podia ser uma piada.

Uma parte do meu cérebro não conseguiu entender por que todo mundo tinha ficado tão nervoso. Tudo bem que a minha família sempre foi louca, mas o comportamento anormal, mesmo diante de uma situação igualmente anormal, deixou-me assustada. Tomei fôlego, como quem está prestes a dar um mergulho e acompanhei o médico.

Caminhamos por alguns corredores até chegarmos a uma sala de atendimento privado, imaginei que ele ia propor alguma espécie de cirurgia, e que para isso seria necessária a assinatura de alguns documentos ou algo assim. Enfim, sabia que o assunto era sério, só não fazia ideia se conseguiria ouvir tudo.

- Qual é o nome da senhorita? Sente-se... - Apontou para uma cadeira acolchoada.

- Marília...

Observei sua barba e cabelos grisalhos, o médico era um senhor com uma aparência bem simpática, mas o olhar permaneceu firme. Meus olhos se encheram de lágrimas, nem sei dizer o por quê.

- Qual é o seu grau de parentesco com a paciente?

- Neta, sou neta. O que aconteceu, Doutor? Por favor, diga logo.

Ele reafirmou as expressões, o olhar premeditou a tragédia. Senti as lágrimas rolarem pelo meu rosto, mas prendi os lábios e tentei me controlar, a minha família estava contando comigo.

- Marília, vou falar tudo de um jeito que entenda.

- Por favor... - Senti meus dedos congelarem de medo.

- Nesta tarde percebemos que os antibióticos geraram um quadro de melhora na sua avó, estávamos positivos com a recuperação dela, mas... - Soltou um suspiro, e mais lágrimas se fizeram presentes, não fui capaz de falar nada. - Controlamos as doses para que seus batimentos cardíacos se mantivessem constantes, porém a sepse, ou seja, a infecção, estava em um estágio muito avançado.

Levei uma mão à boca, soltando um soluço que partiu do fundo da minha alma. Eu sabia que tinha acontecido, contudo, a esperança é mesmo traiçoeira; teima em não nos abandonar até o último segundo. Pena que aquele instante em que tudo desmorona veio depressa demais.

A VIZINHA DO 119 | MALILAOnde histórias criam vida. Descubra agora