Capítulo Vinte e Seis

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"É muito difícil lidar com mulher safada, mas lidar com mulher teimosa... é praticamente impossível."

O sábado chegou a passos lentos, e não soube dizer se foi porque as coisas no trabalho pegaram fogo ou se foi porque a Maraisa sumiu. Só ouvia a sua respiração quando o meu despertador tocava, anunciando mais um dia, levando consigo toda e qualquer novidade na minha vida. Ela era a única coisa que acontecia comigo, sério.

Acordei relativamente cedo e fui à casa dos meus pais, como prometido, exigido. Mamãe já me esperava com expectativa, achando que eu não cumpriria com a promessa. Ela também fez os meus irmãos não marcarem mais nada aos sábados, e é claro que eles detestaram isso. Sobretudo o que João Gustavo que, segundo a Maria, estava de namoro com uma garota do bairro.

Bom, mesmo que os meus irmãos não estivessem satisfeitos por perderem seus devidos sábados por minha causa, tentaram fazer dele um dia divertido. Começamos jogando Perfil na mesa da sala de jantar, coisa que não fazíamos há muito tempo. Até que foi legal. Tivemos direito a chocolate quente e explicações inteligentes vindas do meu pai. Ele sempre se achava por ser um sabe-tudo irritante.

Depois do almoço confuso, em que todo mundo emitiu suas opiniões sobre tudo de uma vez só, sem contar com a Mariana, que chorou o tempo todo porque não queria comer carne, e mamãe nunca deixa ninguém sem comer proteína, assistimos a dois filmes na sala de estar. Isso, claro, depois de discutirmos sem parar sobre qual filme nós assistiríamos. Papai e João Gustavo não queriam nada meloso, já a mamãe e a Maria se recusavam a ver alguma coisa com guerras ou tiros. Mantive-me neutra, porém acabei como o divisor de águas: escolhi uma ficção científica qualquer e um filme de terror macabro.

Até aí tudo bem. O negócio só começou a ficar estranho perto da hora do jantar, acho que todo mundo se cansou de fingir que a vovó não fazia falta. A única verdade era que fazia, e muita, suas histórias nunca mais seriam contadas e nem o delicioso bolo de fubá acompanharia o café da tarde. Também acho que a cadeira de balanço do terraço nunca mais seria a mesma.

Não sei dizer o que realmente mudou, mas a vinda da noite nos fez mais introspectivos. Até o papai parou de soltar gracinhas, mamãe já não estava tão bem desde mais cedo, o que considerei normal e fiz de tudo para respeitar. Contudo piorou durante o jantar, que ajudei a preparar justamente porque ela não parecia muito sóbria.

A única fonte de animação foi a Mariana, como toda criança, estava alheia às aflições e também à grande perda da nossa família. Maria comentou, quando lhe perguntei às escondidas, que a minha sobrinha perguntava pela vovó às vezes, recebendo sempre a resposta de que ela estava viajando. A coitada era muito pequena para entender qualquer coisa, achei tudo tão triste que confesso que voltei para casa me sentindo péssima.

Mesmo sabendo que, com o tempo, iríamos nos acostumar, nossa família nunca mais seria a mesma, eu não sabia realmente se queria me acostumar com a ausência da minha querida avó. Acho que não tenho maturidade para lidar com perdas, e talvez tenha comprovado isso quando alcancei a minha cama e chorei tudo o que tinha deixado de chorar nos últimos dias. Por ela, não pela Maraisa, já que vinha chorando por ela mais do que o merecido.

Depois de uma breve pesquisa, decidi dedicar uma parte da minha parede para a minha avó, escrevendo a seguinte frase:

"Mas lembrar-se com saudade é como se despedir de novo".

Acreditei que o meu cérebro insistia em se despedir por causa da ausência de uma despedida definitiva, em que se sabe que alguém vai partir e nunca mais voltar. Eu queria ter tido um adeus mais digno, porém fiquei apenas com a dor da saudade do que não aconteceu e do que devia ter acontecido.
Estava chorando copiosamente quando ouvi ruídos no quarto ao lado, calei-me, abafando os soluços no travesseiro. Não adiantou, Maraisa conseguiu me ouvir mesmo assim.

A VIZINHA DO 119 | MALILAOnde histórias criam vida. Descubra agora