"Povoar a solidão é tarefa fácil para quem tem um monte de gente para amar."
Saí de casa logo cedo e pela respiração alta que escutei no meu quarto assim que despertei, Maraisa ainda estava dormindo. Dirigi até a casa dos meus pais, não havia telefonado ou deixado qualquer aviso, apenas achei que necessitava de um domingo em família, como todos os outros, talvez a sensação de normalidade fosse o meu melhor remédio.
Tive a certeza de ter feito a coisa certa quando encontrei os meus pais, a minha avó e os meus irmãos sentados ao redor da mesa para o café da manhã, eles quase não acreditaram quando me viram. Mamãe arregalou os olhos e a minha avó, que normalmente é bem lenta, ergueu-se da cadeira em questão de segundos. A recepção foi calorosa, os beijos e abraços vieram de todas as partes e não demorou muito até que a confusão foi instalada; todo mundo falando alto e de uma vez só. Eles jamais mudariam.
Fui obrigada a narrar cada detalhe da minha semana. Claro que não falei nada sobre a loucura com a Maraisa, porém me percebi comentando sobre ela. Também omiti o fato de a minha vizinha ser muito da gostosa e igualmente safada, quando o papai perguntou se eu tinha feito alguma amizade no bairro. Infelizmente, a ideia de todos irem me visitar foi levantada em algum momento, precisei enrolar, dizendo que não estava pronta para receber visitas, mas claro que ninguém me deu bola e marcaram um almoço para o sábado seguinte sem ao menos perguntarem se eu estaria disponível.
Bom, pelo menos havia sido um almoço. Maraisa provavelmente sairia para o trabalho e todos iriam embora antes de escurecer, no fundo, eu não queria que ninguém a conhecesse. Seria muito desconcertante. Minha família já era doida, visualizá-la em convivência pacífica com outra doida – ou seja, a Maraisa – não me passava pela cabeça, tenho certeza de que se juntariam para falar sobre mim daquele velho jeito chato de quem não tem o que comentar. Então descobrem um assunto em comum, que no caso seria eu, para falar as mais diversas besteiras. Uma merda completa.
Além de tudo, eu não queria que meus irmãos conhecessem a minha vizinha. Eles chegam a ser pior do que ela, sério, eles são muito safados e tenho certeza de que se atirariam em cima dela, sabendo que ela não é nada seletiva com certeza daria em merda. E antes que ela fosse feita, eu não teria coragem de contar principalmente para Maria que ela já tinha dona. Quero dizer, não sou dona dela, mas a minha irmã não pode ficar com pessoa que fiquei e que por acaso é a minha vizinha, certo? Seria no mínimo muito esquisito, só de pensar nisso o meu estômago dava reviravoltas.
Passei o dia inteiro com eles, almoçamos no quintal, como sempre e depois cada qual foi fazer o que mais gosta. Maria saiu com as amigas, João Gustavo foi andar de skate, alegando que iria jogar videogame no vizinho, mas eu o conheço muito bem, papai foi ler o jornal e mamãe foi à missa com a vovó, acabei indo com elas. Não me considero tão religiosa assim, mas gostava de ouvir a Palavra às vezes, sentia-me reconfortada durante toda a semana quando ia à missa aos domingos e foi assim que me senti quando saí de lá, acho que Deus abriu a minha mente e me disse para me manter tranquila.
Pensei em voltar para casa, mas a minha mãe exigiu a minha presença no jantar. Ela é muito mandona, vocês não fazem ideia. Na verdade, estava acostumada até demais a mandar em mim, só que daquela vez fiquei porque quis.
Enquanto eu a ajudava a cozinhar, pensei muito sobre o assunto e cheguei à conclusão que, no fundo a minha mãe sempre me mandou fazer o que precisei. Nem sempre foi o que quis, claro, mas essa é a função das mães. Se eu não tivesse sido educada deste modo, certamente não saberia diferenciar o que é bom ou ruim para mim. Ela havia cumprido com o seu dever muito bem, um filho que não obedece aos pais acaba desobedecendo às regras, às leis e à própria ética... a obediência, por mais chata que seja, é um fator necessário para o bom desenvolvimento de qualquer um.
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A VIZINHA DO 119 | MALILA
FanfictionA analista de sistemas Marília Mendonça aos 28 anos finalmente compra um imóvel e realiza o sonho de morar sozinha. Assim que ela se muda para a casa de número 120 descobre que sua nova vizinha, Maraisa, é uma chef de cozinha bonita, jovem e safada...