Capítulo Vinte

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"O adeus consensual e com hora marcada me parece atitude de gente que nunca vai conseguir se despedir de verdade."

Já sabia que os próximos dias seriam difíceis. Não fui surpreendida pelos inúmeros momentos em que parei para refletir sobre como estava me sentindo triste. Acho que o pior foi ter que trabalhar mesmo sabendo que não estava pronta para focar em nada que não fosse a minha avó, o meu rendimento só caia; bem que tentei dar o melhor de mim, mas ninguém consegue fazer isso vivendo em sua pior versão.

As noites eram as piores, não sei o que há com elas... parece que a vida se cala só para ouvir todas as coisas pelas quais você se lamenta, a consciência me atingia durante as madrugadas, e a minha única salvação era acrescentar mais frases à minha "parede da Clarice". Com os pincéis novos que comprei.

Colocava música alta toda vez que sabia que a Maraisa estava com alguém. E ela não me poupou... não me lembro de um dia que tivesse passado sozinha, ela estava com o apetite ou a safadeza nas alturas. Tentava sempre disfarçar os sons de sexo, mas era impossível. No fundo, sabia que eu estava ouvindo, não tinha como não ouvir. Mas fazer o quê? A gente cura a dor com o que pode, eu tinha uma parede e ela tinha um pênis.

O tempo passava e eu me sentia cada vez mais vazia. A minha alma se sentia um pouco melhor quando me deitava na cama, virada para a parede, e relia tudo. Liguei para a minha família todos os dias, eles não estavam tão diferentes de mim, mas pelo menos permaneciam juntos. E eu só tentava não me deixar ser vencida pela dor, pensei pelo menos umas mil vezes em voltar para casa, e então, eu parava na frase mais destacada da minha parede.

"Liberdade é pouco."

Meu Deus, como é pouco. Pensei que tudo se resolveria quando me mudasse, meus problemas teriam fim, minha vida avançaria. Seria quem realmente pensava que era. Mas não. Tenho outros problemas, outras inércias, e sou exatamente o que eu não sabia que era. Uma desconhecida com o mesmo rosto de sempre.

"O que eu desejo ainda não tem nome."

Estabilidade? Coragem? Maturidade?

Afinal, o que eu queria? Ou melhor, do que eu precisava? Às vezes é melhor a gente ter o que precisa do que ter o que a gente quer. Talvez a palavra certa seja autoconhecimento, eu queria muito poder me conhecer por inteira. Não saber quem realmente sou me angustia, e de fato coloca em risco toda a liberdade com a qual sonhei a minha vida toda.

A minha relação com a Maraisa voltou a esfriar. Devo tê-la encontrado pelo menos duas vezes logo pela manhã, como sempre, estava aguando as plantas com o famoso regador. Cada bom-dia que trocamos foi desanimador, broxante. Ela mal olhava para a minha cara, eu também não. Mesmo assim, sei que ela me observava quando eu virava as costas.

Bom... tentei não pensar nela, mas eu não tinha nada melhor para pensar. Sério. Família: não. Trabalho: não mesmo. Vida amorosa: piada. Amizades: neca de pitibiriba. Por isso não me julgue, cada segundo em que não pensava na vovó era ocupado pela minha vizinha cafajeste. Recordava-me de cada palavra, cada toque... de tudo! Percebia o quanto a minha vida era chata sem o seu bom humor constante.

Não devia estar com raiva, visto que me deixei ser decepcionada. Ela me avisou. Eu que não acreditei que alguém pudesse ser tão ridícula, minha raiva sofria variações de acordo com a linha do meu raciocínio. Às vezes ficava puta da vida e tinha vontade de sair fodendo o mundo todo só para esfregar na cara dela. Depois pensava com mais calma e percebia que fazer isso só me faria ser uma mulher que não sou, e pior, por causa de alguém que não merece. Se eu queria o respeito dela, precisava, antes de tudo, respeitar a mim mesma.

Depois de muito refletir, percebi que começamos errado. Quero dizer, talvez tenha sido preciso termos feito sexo loucamente, nada é por acaso. Porém o erro se encontrava em mim e na minha ideia ultrapassada de mesclar sexo com sentimento. De criar expectativas.

A VIZINHA DO 119 | MALILAOnde histórias criam vida. Descubra agora