"Se antes me entendia pouco, agora não entendo nada; e a única coisa que me anima é a certeza de que sei mais sobre mim."
Depois de uma noite horrorosa - qual o melhor adjetivo para definir uma noite em claro, com lágrimas, dor de cabeça e uma solidão fora do comum? -, fui ao trabalho apenas para conseguir uma folga. O meu chefe não ficou muito satisfeito com a notícia, mas acabou me dando dois dias. Comecei a temer pelo meu trabalho, coisa que jamais aconteceu, só faltava uma demissão para a tragédia ser total.
O fato é que passei o dia inteiro para lá e para cá com o meu pai e o meu tio. Não queria fazer parte do lado da família que só lamenta, precisava ser útil, era o mínimo que eu podia fazer pela minha avó: ajudar a deixar o seu velório nos trinques.
Confesso que foi muito exaustivo, os preços exorbitantes que as funerárias cobram por cada serviço ultrapassam o limite do ridículo. Parece que eles querem se aproveitar da sua dor para lhe arrancar cada centavo.
No fim do dia, à noitinha, conseguimos com muito custo deixar tudo organizado. O corpo da vovó seria velado no dia seguinte às oito da manhã, e o enterro seria às nove. Alguns familiares que moravam mais distante começaram a chegar à cidade, pensei em ir dormir na casa dos meus pais, qualquer lugar seria melhor do que sozinha no meu quarto, inconsolada... sim, aquela noite me fez mesmo mudar de ideia, mas eles receberam alguns parentes.
Mamãe estava inconformada, obviamente, culpava-se pela morte da vovó. E mesmo que todo mundo estivesse a apoiando, ainda assim não parava de se lamentar. Não a julguei por estar tão desesperada, eu mesma via o desespero da culpa se apossar do meu corpo, mas me controlava além do normal. De modo que ninguém sequer imaginou o que se passava pela minha cabeça.
Voltei para casa com o velho ar de derrota, estava exausta, porém sabia que não seria capaz de dormir. Tomei um banho, comi uma maçã, praticamente meu único alimento do dia, e me joguei no tapete consolador por algumas horas. Fiquei olhando para o teto, chorando baixo e assistindo à minha dor.
Tinha vencido aquele dia com muita garra, nem sabia que podia ser tão madura com relação a algo tão triste quanto a morte. Pensei que desabaria, mas ainda estava de pé. Às vezes é preciso que algo muito ruim aconteça para que a gente perceba até que ponto podemos ser fortes. O meu mundo continuaria girando. Na noite passada, podia jurar que o tempo pararia por causa da minha dor, mas a verdade é que tudo permanece.
Imaginei que, se fosse eu que tivesse morrido, ia querer que a minha família seguisse em frente sem lamentações. Sempre procurei não magoar ou decepcionar os meus pais, por isso certamente não quereria que chorassem por mim. Vovó era o tipo de pessoa divertida que sempre compartilhava coisas boas. Diferentemente de alguns velhos carrancudos que vejo por aí, ela gostava de viver, de ser feliz, e jamais ia querer a tristeza dos outros, sobretudo de sua própria família.
Sendo assim, ficar triste é o mesmo que decepcioná-la, e eu não podia fazer aquilo com ela. Já bastava a minha ausência, o meu descuido, não a ter visitado, mesmo sabendo que estava doente, foi um erro grotesco, entretanto... não posso voltar no tempo.
Pensei na Clarice Lispector. Não me faça perguntas sobre isso, apenas entenda que não parei de pensar nela. Acabei ligando o meu computador e fazendo algumas pesquisas. Havia muitas frases e citações. Tipo, muitas mesmas, a mulher era uma verdadeira filha de uma mãe. Cada frase que eu lia, percebia que estava apaixonada por aquelas palavras e, depois de um tempo, percebi que ela as agrupava de uma maneira singular, que supus fazer parte do seu estilo.
Reli as inúmeras frases que Maraisa já tinha me dito, foi demais reconhecê-la naquelas linhas. Tentei não me sentir nostálgica, tentei até mesmo sentir raiva dela, não consegui. Eu não guardo rancor, não adianta, faz parte de mim. Com ela ou com qualquer pessoa, sou assim. Sempre justifico os erros dos outros, mesmo que eles mesmos não consigam se justificar, e encontro um modo de perdoá-los.
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A VIZINHA DO 119 | MALILA
FanfictionA analista de sistemas Marília Mendonça aos 28 anos finalmente compra um imóvel e realiza o sonho de morar sozinha. Assim que ela se muda para a casa de número 120 descobre que sua nova vizinha, Maraisa, é uma chef de cozinha bonita, jovem e safada...