Capítulo Trinta e Um

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"Defini-la é como definir a mim mesma: o que faço, o que sou e o que sinto, pois sou ela mesma sem fazer ideia de como duas podem viver em uma."

Dirigi sem rumo durante muito tempo, peguei uma BR só para me distrair e para poder pisar fundo sem pena; quanto mais rápido, melhor. Fiquei me sentindo naquela música do Roberto Carlos, em que ele provavelmente leva chifres, pega seu carro, segue em alta velocidade e vai se lamentando, gemendo aos quatro cantos, exaltando o quanto está perdido e infeliz. Deprimente, eu sei, seria engraçado se a perdida não fosse eu.

Segui rumo ao interior do estado durante quase quarenta minutos. Meu coração se acalmava aos poucos, enquanto eu me concentrava no asfalto e nas placas de sinalização. Tentava compreender o que havia acontecido, cada detalhe foi selecionado e minuciosamente estudado pela minha cabeça parcialmente calculista. Foi muita reflexão... muitas lágrimas, muita tortura mental.

Decidi pegar um retorno para voltar à cidade, quando não se tem para onde ir, a gente sempre se lembra de voltar, pois já estava me sentindo uma louca perturbada. Parei em um posto de gasolina, aqueles de beira de estrada, só para abastecer. Acabei comprando chocolates na loja de conveniência; e, claro, o meu fim de noite se tornou um pouco melhor, embora não menos dramático. Sério, mais dramático do que lágrimas e estradas desertas, só lágrimas, estradas desertas e chocolate.

Coloquei todas as vantagens e desvantagens da situação na balança. Por incrível que pareça, depois que medi tudo, as coisas pareceram vantajosas até demais para mim. Pensa direitinho: Lauana havia me procurado de propósito, então certamente ela se sentiu ameaçada com a minha presença na festa. Se fui capaz de ameaçá-la, foi porque também percebeu a mudança que eu podia perceber na Maraisa.

Eu a atingia. Ela sabia. Eu sei. Só ela que não sabe ainda.

Lauana era sua melhor amiga. Se bem que, depois daquela, ficou muito claro que a relação delas nunca foi de amizade. Não podia ter feito aquela cena toda de graça, sem mais nem menos. A única coisa que prezava era a troca de favores sexuais, e espero que a Maraisa tenha aprendido o que eu já lhe disse há algum tempo: aquela mulher nunca foi sua amiga de verdade.

A intenção da nojenta era mesmo me atingir, e pior, me separar dela; fazê-la ficar contra mim ou o contrário, o que acabou acontecendo, visto que fui embora morrendo de raiva. Mas, poxa... a piranha mereceu. Seus planos mirabolantes para foder as mulheres da festa, menos eu, eram nojentos e ridículos.

Confesso que passei a maior parte do tempo imaginando como a Maraisa faria aquela proeza. Certamente não daria conta de todas, então elas começariam a se tocar também, sem contar que ficariam se revezando para receber a atenção dela; haveria mais de uma mulher para cuidar de cada parte de seu corpo, uma confusão sem igual, uma tosquice aguda. Será que aquelas vadias estavam cientes do que aconteceria? Pelo visto, sim, e aceitavam de bom grado.

Lauana-quenga devia ter planejado aquilo junto com a Maraisa. Arranjar vinte e seis mulheres dispostas a entrarem em um harém não podia ser uma tarefa fácil. Eu ainda acredito na humanidade ou sou inocente demais? Pensei nos homens da festa, eram poucos, mas existiam. Será que participariam também? E o Marco, participaria? Minha nossa... as dúvidas acabavam comigo, mas as certezas me deixavam ainda mais morta e enterrada.

Meu celular tocou algumas vezes, em uma delas foi a Luiza, mas eu não estava a fim de atendê-la. Não queria falar com ninguém. Logo em seguida, um número desconhecido começou a insistir muito, acabei atendendo na quinta chamada pois estava ficando temerosa. Com medo de que alguma coisa grave tivesse acontecido.

Entretanto, para minha surpresa, era a Maraisa.

– Alô?

– Ah, Marília, graças a Deus...

A VIZINHA DO 119 | MALILAOnde histórias criam vida. Descubra agora