23 | FILÉ MIGNON

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LIS BELCHIOR

Eu mal havia pregado o olho e minhas olheiras evidenciaram isso. Lennon afagava minhas costas enquanto eu tentava entender tudo que havia acontecido na noite passada com uma xícara de café em mãos.

— Não faz sentido, Lennon — sussurrei, encarando seu rosto. — Nada disso faz sentido. Como ele ficou sabendo?

— Não sei, amor. Talvez ela tenha dito alguma coisa para tentar te punir.

— Se foi esse o objetivo, ela conseguiu. — Ri irônica. — Mas de qualquer forma, ela teria dito a versão dela da história.

— Bom, isso iremos descobrir — ele resmungou e apontou com a cabeça para a porta do quarto de hóspedes, que havia acabado de ser aberta.

Meu pai saiu dali com os olhos inchados e a cara amassada, mas já com seu banho tomado.

— Bom dia — ele resmungou, forçando um sorriso tímido.

— Bom dia — respondemos juntos.

Tomei um gole do café para curar o medo que eu sentia dessa conversa. Ele veio até mim e me deu um beijo na testa, se servindo com café. Eu e Lennon tomamos o nosso em silêncio, enquanto eu pedia mentalmente para que aquela dor de cabeça passasse.

— Eu separei esses remédios para você. Te dei alguns ontem, mas esses são para garantir que você não vai ficar com tanta ressaca — disse, apontando para os remédios ao lado. — Tome após terminar de comer.

Papai assentiu e se sentou, fazendo careta.

— Parece que uma manada de elefantes passou por cima de mim — ele reclamou, me tirando um riso.

— Não é para pouco, você chegou tortão aqui — Lennon brincou e ele riu e me encarou. Desviei o olhar e ele percebeu que eu estava desconfortável com aquilo. Logo o seu sorriso desapareceu e ele pigarreou.

— Olha, filha...

— Pai... Não. Sério, não precisa — o cortei, encarando minha xícara.

— Precisa sim, eu tinha te prometido que não iria fazer mais isso. Eu te magoei, e eu tenho ciência disso. — Ele encarou meus olhos. — Eu magoei vocês dois, eu incomodei vocês com os meus problemas, e não imaginam o quão envergonhado eu estou.

— Está tudo bem, Jorjão. — Lennon sorriu e afagou o seu ombro.

— Eu fui homem de prometer, fui irresponsável por descumprir, mas estou sendo homem e pai para pedir desculpas. — Suspirei. — Eu sei que isso é um trauma para você, filha. E eu sinto muito ter feito você passar por isso de novo.

— Está tudo bem, pai. Mas você sabe o quão preocupada eu fico com você, principalmente nessa situação. Você não estava falando coisa com coisa, e ainda chegou aqui dirigindo! — exclamei, indignada. — E se você tivesse se ferido? E pior, se tivesse ferido alguém? Foi muita irresponsabilidade sua. Graças a Deus você chegou vivo e inteiro, mas eu espero que seja a última vez.

— Eu prometo que sim, filha. Eu só... Perdi o controle. — Ele respirou fundo e me encarou, com seus olhos curiosos.

Me preparei para a bomba e larguei a minha xícara de lado. Meu corpo ficou gelado e minhas pernas começaram a tremer. Um medo gigante começou a brotar em mim e Lennon afagava minhas costas para tentar me passar calma. Aquele era um assunto que ainda doía e eu estava tentando me recuperar do trauma que sofri. Meu pai aparecer bêbado depois de descobrir tudo, só piorou as coisas.

— Quem te contou? — perguntei de uma vez, sentindo meu coração pular.

Ele engoliu em seco.

— Um amigo da igreja. Ele trabalha na delegacia. Nos encontramos e ele perguntou como você estava e como eu estava depois de tudo que havia acontecido. Eu pensei que ele estava se referindo ao episódio de São Paulo, que até então, você tinha me dito que havia tido uma reação alérgica do camarão. Mas depois, ele me disse que sua mãe, basicamente, tentou te matar e ainda me disse que havia um processo judicial contra sua mãe e aquele traste. Um por ameaça, outro por agressão e outro por abuso de incapaz. — Ele me olhou com seus olhos sérios e expressão levemente tristonha. — Agora eu te pergunto, Lis. Por que não me contou? Por que eu tive que descobrir isso por outra pessoa?

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