O dia seguinte havia chegado, fresco, tranquilo e com um leve sol que não queimava, mas aquecia, dando contraste com a brisa que arrepiava amenamente o corpo de qualquer um mesmo que agasalhado.
Albert entrou para a sala de Aurora instantes depois de todos seus alunos terem chegado, mas a mulher assim que o viu parado à porta, deixou brevemente suas explicações de lado e o acolheu amorosamente, ajudando-o a se sentar em uma das cadeiras da frente que haviam sobrado, sempre havia mais do que as que os alunos ocupavam.
- Se tocarmos sem sentimento algum, sem nenhum movimento, a música será apenas como se estivesse sendo comandada por um robô. Melodias não são somente teclas que apertamos de forma endurecida, tudo é pra ser sentido, é necessário soltar o corpo, é necessário que deixem-se expressar. O ritmo nós criamos, não somente técnicas. Nós, com nossos sentimentos, com nossa movimentação.
Ela disse firmemente, e então, como uma demonstração do que havia falado tão certeiramente se sentou na banqueta do piano, preparada para tocar, da primeira vez fez apenas usando as mãos, não tendo ritmos nos braços e com o pulso totalmente endurecido. Todos sabiam qual era a música, Sonata ao luar, de três movimentos, mas quando era performada sem o sentir, virava apenas notas, notas vagas...
Tocou novamente, dessa vez se permitindo encarar a criação de Beethoven com verdadeira paixão, não somente por tocar, o ritmo era formado com clareza, e então, todos entenderam por imediato que a música, nada mais era que exatamente isso, pura e entregue paixão estudada com fervor.
- Gostei de como os ensina. - Disse Albert de sua cadeira, observando os últimos alunos irem embora.
- Fico feliz que tenha gostado, e grata pelo elogio.
- Parece que sabe do que fala menina, também compõe?
- Poucas... acho que até hoje o que mais fiz foi performar, mas do pouco que já criei gostei muito de ter feito.
- Vamos lá e não fique acanhada por um velho, adoro músicas autorais, elas provam dom e o estilo de alguém.
- Há uma que fiz, não faz muito tempo, não muito... e nem está totalmente terminada, mas tenho o básico Albert.
- Toque- a então.
Aurora, que já estava a postos, pensou alguns segundos antes de dedilhar os acordes que já havia decorado sem nem necessário mais a leitura de partituras. Os repetira tanto e tanto que temia até mesmo enjoar da própria criação.
Era leve no início, ao mesmo tempo que rasgante e cheio de angústia não percebida, não admitida por si própria. Em seu meio, os sentimentos da composição era de que finalmente, por algum milagre, tal sentimento de amargor impercebível deu lugar a esperança ou fator divino incompreensível, assim como todas as coisas que vem do alto e do místico que não sabemos, mas procuramos, em busca de respostas que as vezes tardam, vezes nem mesmo nos chegam, e em seu fim, havia clareza, uma intensidade incomparável, mas dentre a claridão de sentimentos, tinha também a admissão da angústia anterior e inicial, que foi transformada e moldada em paixão fervorosa. Em fogo, que arde e queima, mas que acalenta e salva os corações que mais sentem.
Uma melodia densa, com carga energética imensa... uma melodia criada em meio do maior sentir que Aurora havia tido em sua vida.
- Gostou? - Perguntou, indecisa demais para seu próprio bem.
Albert a olhou demorada e perplexamente, e então, quando Aurora já iria dizer algo por estar nervosa demais, ele exclamou com contentamento.
- Garota, isso daí vai tocar em todo mundo! - A pianista sorriu, satisfeita por algum gostar, tinha a opinião de sua mãe, mas carregava consigo a ideia mental de que mães, até mesmo a sua, sempre achava tudo dos filhos algo lindo e digno de Oscar seja o que fosse.
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Almas
Любовные романыPoderíamos definir Aurora Kalitch como uma mulher independente que vivia entre dois mundos, o dos ciganos e o dos gajos. Uma mulher que apesar de todo seu poder, não tinha controle algum sobre seu destino, não importava o quanto tentasse, suas linh...