A sensação era sempre indescritível quando Aurora ia até o bar de Jazz, ela e a cantora tinham uma relação descontraída, que se intensificou quando a pianista foi chamada para performar junto a ela a música Easy Living.
Com as duas no palco, o bar nunca havia ficado tão silencioso antes. Ambas estavam tão contentes que quando a música se encerrou tiveram vontade de voltá-la desde o começo.
As palmas ocorreram não mais do que dois segundos após a última frase da música sair pelos lábios de Ângela.
Louis aplaudiu de pé, assim como vários outros. Alguns se deram o trabalho de colocarem os drinks e bebidas na mesa e ovacionarem sentados, mas todos, sem exceção contemplaram adequadamente o final do pequeno espetáculo.
E era sempre da mesma forma, Ângela cantava e quando seu horário se encerrava fumava um cigarro ou dois na companhia de conhecidos, mas todas as noites que Aurora e Louis estavam, a mulher se sentava com eles.
- Ainda recusa cigarros, Aurora? – Perguntou ela acedendo o primeiro que já estava na boca.
- Ainda recuso. – Ângela riu e fez o primeiro trago, a fumaça em sincronia no ar.
- Não sabe o que perde...
- Sei o que ganho. – Retrucou Aurora a dando uma piscadela, fazendo a mulher rir mais uma vez. A cigana se perguntava se a risada rouca se dava pelo consumo da droga ou se era algo que Ângela tinha desde sempre.
- Fez uma performance maravilhosa hoje, menina. Vi o bonitão suspirar uma ou duas vezes olhando pra você.
As duas encararam Louis, que pagava e dava gorjeta a um garçom que estava no balcão o mesmo que havia os servido naquela noite.
- Me pergunto quando ele vai suspirar quando for uma música de sua autoria. Algo me diz que ainda vai mudar de opinião e deixar suas canções serem vistas.
Ângela a encarou com olhos estreitos e atentos. A mulher não tinha medo ou objeção de observar alguém pelo tempo necessário e não ligava se aquilo fosse incomodo.
- Há uma música, sairia bem com piano, mas não fique animada assim por uma informação. Tem uma caneta?
Aurora fez que sim automaticamente e pegou o objeto juntamente com um caderno pequeno de anotações que sempre levava em sua bolsa.
- Anote aí, o nome da canção é Living for you.
Aurora o anotou, rápido demais para que os anéis em sua mão direita incomodassem os dedos e para que sua ortografia ficasse quase ilegível para outro alguém não fosse ela.
Quando terminou olhou para Ângela esperando alguma outra informação, algum som, melodia, qualquer coisa, nada veio, exceto os olhos ainda atentos de Ângela sobre si.
- O que foi? Uma coisa de cada vez. No dia que tiver fumado ao menos dois maços de cigarro eu te falo toda a letra.
- Se não tiver morrido de câncer de pulmão antes de me falar a letra eu ficaria agradecida.
Elas ainda se olhando, sorriram.
- Uma vidente cigana disse que vou viver muito ainda. Mas há muito barulho aqui e pouca privacidade pra que te fale como quero a música, não podemos trabalhar nela agora. Mas faço a promessa de que a cantarei, se você fizer a de que fará o arranjo dela pra mim.
- Prometo. – Ângela assentiu com a cabeça satisfeita.
- Na noite de quinta o bar vai estar fechado pra clientes, e qualquer coisa nós...
- Podemos fazer no conservatório. As chaves ficam comigo, alguns professores a tem. Sabe onde é não sabe?
- E como não saberia? – Disse simples apagando o cigarro no cinzeiro em cima da mesa, foi bem nesse instante que Louis apareceu.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Almas
RomancePoderíamos definir Aurora Kalitch como uma mulher independente que vivia entre dois mundos, o dos ciganos e o dos gajos. Uma mulher que apesar de todo seu poder, não tinha controle algum sobre seu destino, não importava o quanto tentasse, suas linh...