seis

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O que fazemos quando encontramos um amor perdido? 

 
Viver normalmente mesmo após termos crescido tanto quanto as laranjeiras, descoberto que os sentimentos surgidos do vermelho amor ainda podem ser os mesmos ou algo além das fronteiras do quintal? Ninguém aos vinte e tantos anos era ou sentia como o alguém que foi aos dez.

Quando eu procurei Yeonjun no sábado que se procedeu aos meus pensamentos acelerados e confusos e todos as linhas enozadas que compõem um cérebro, pude perceber que não havia nada para se preocupar senão com o fato de que eu ainda agia atrapalhado demais ao lado dele. 

– Você não trabalha hoje?

– Sábado sim, sábado não. Qual a programação, Soobin-ah? Está um dia lindo e ensolarado. 

Eu não recordava muito bem como ele era quando éramos crianças, mas o Yeonjun um ano mais velho que eu aos vinte e dois, esse Yeonjun de hoje e talvez o de tempos atrás era tão agitado feito bambolê e tão elétrico quanto a energia lá de casa. Ele andava dando pequenos pulos e eu nunca soube pensar em outra coisa senão que era adoravelmente feliz.

– Primeiramente, pare de me chamar assim – pedi. – Você gosta de dias quentes assim? 

Ele abriu os braços de paixão, chamando o ar, a natureza, os pássaros e, por um momento, pude sentir a forma como em sua visão a vida parecia ser tão diferente de como ela era para mim. 

– Gosto de sol e de poder ver a natureza, sentar na praça e olhar pro nada ou andar de bicicleta, cair de skate porque não sei andar. O calor é só uma consequência infeliz.

– Podemos concordar nessa parte.

O Yeonjun através do passado também amou o sol, mas não o calor que trazia junto? Como faz para se lembrar de algo que já foi esquecido? Eu não deveria pensar o tempo todo em querer retornar àqueles dias calorosos em braços de mãe, braço de pai e braços de tudo de bom que a vida um dia ofereceu e só oferece uma vez. 

Era um dia quente, daqueles que nos remete à nostalgia solitária e genuína, mas feliz com mergulhos em nuvens brancas e em seus formatos aleatórios, com aroma de grama recém-cortada e saudade. Era mais um dos dias em que eu provavelmente ficaria em casa assistindo animes e filmes surreais demais para adaptar à minha realidade, mas lá estava eu, mais uma vez caminhando sem rumo na calçada, ao lado de Yeonjun e seus olhos de peixe.

Eu me perguntava se ele sempre apreciou tanto a natureza quanto eu apreciei seus olhos? Como ele reagiria caso soubesse a forma como seu corpo era tão aconchegante quanto o aroma de terra molhada e até mesmo o seu andar era tão livre quanto as gotas de chuva que despencam no mundo, meu mundo? 

Eu também poderia me tornar admirador das flores desde que ele fizesse parte do jardim, parte das nuvens, morador delas, morador dos sonhos, meus sonhos, todos eles. 

–  Você quer ficar sentado na grama olhando pro céu e pensando em nada?

Ele olhou para mim, meio questionador, meio em dúvida, meio besta, mas escondia traços de sorrisos em pó de borboletas de verão, daquelas que brilham azul cintilante diante os olhos da natureza viva e das telas de cinema.

– Não parece algo que você faria. 

Yeonjun sabia daquilo por me analisar tão bem ou por simplesmente lembrar de mim? Eu resolvi esquecê-lo em ódio de criança enquanto ele quis me eternizar em memórias infantis? Talvez eu só estivesse pensando além das engrenagens.

– Não mesmo, hyung, mas não foi essa a pergunta… – Yeonjun pareceu me olhar com a cabeça inclinada ao me ouvir chamá-lo de hyung, algo que durou tão pouco quanto uma sobremesa boa demais para duas pessoas dividirem. Ele abaixou seus cílios pretos que brilhavam à luz do sol, brilhavam como ele por inteiro, cada pedaço de existência sua dentro daquelas roupas pretas e meias amarelas.

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