cinco

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Deixou de ser a primeira vez que o vi e tornou-se a décima,  a décima primeira, vigésima quarta. Até que se tornou uns dois meses. Não sei, perdi as contas aleatoriamente entre tantos papéis mentais. Era pouco comparada às amizades que os mais conservadores considerariam verdadeiras, aquelas que chamam de amizade de tempos, tempos atrás e mais dias do que uma volta da terra ao redor do sol, mas nunca fui de comparar as coisas. 

Era pouco tempo, mas aparentemente o pouco ainda era suficiente para transbordar.

A felicidade era considerada um estado de espírito e eu senti que, de dia em dia, ainda que fossem um pouco intercalados, eu construía a minha, pedra por pedra, tesouro por tesouro, e me senti alegre por imaginar que ainda seria capaz de abraçá-la em algum momento entre tantas nuvens cumulonimbus e tantos raios caídos.

Nós sempre nos víamos em situações completamente diferentes e isso em todos os sentidos da palavra.

– Jun? O que você está fazendo aqui?

– Eu estou trabalhando como palhaço no circo.

Eu pensei que fosse brincadeira e então ele me mostrou sua fantasia, fiquei calado e, bem, acabei comprando um ingresso para ver a apresentação e voltamos juntos até a esquina de minha casa.

Da outra outra vez eu estava à caminho do trabalho e o vi de relance, suas costas eram eretas como sempre e ele vendia artefatos manuais em uma feira de rua. É claro que eu tive que parar e levar alguns colares de concha e cristais de energia.

Eu até levei filtro dos sonhos para pendurar na janela da minha vida, foi quando percebi que ele estava vendendo sonhos, sem perceber que saiu do meu.

– Essa é ótimo para você, Soobin-ah.

– O que é?

– Quartzo azul. É uma pedra de cura emocional, acho que você precisa. Porém... é uma pedra falsa, como a maioria aqui. Só não conta isso pra ninguém, certo?

– …Que direto.

Era tão óbvio que nada ia tão bem. Eu acabei levando a pedra.

Teve também a vez que ele estava fantasiado de homem aranha no meio da praça entregando panfletos de animador de festa infantil. Tudo isso havia me levado à resposta mais óbvia: aquele cara realmente estava em busca de um emprego.

Eu acabei o recomendando para a festa de aniversário de oito anos da sobrinha de Beomgyu, fanática por Spider-Man, aranhas e ciência, apesar de ela ter discordado dos motivos que fizeram o homem virar uma aranha.

E então eu estava voltando do trabalho após o extra, cheirando a suor e um pouco de angústias eternas misturadas ao vento abafado demais para as sete da noite.

Para piorar tudo, a moto pifou no meio da rua, pois não havia me atentado à sua falta de combustível. Naquele momento, empurrando-a para o posto de gasolina mais próximo que eu poderia encontrar com visão de águia, senti que toda aquela alegria gradual que à longo prazo seria minha felicidade mais pura ia se desfazendo em minúsculas partículas de pó.

– Soobin-ah, você anda me seguindo?

É um pouco óbvio para dizer, mas minhas mãos ainda foram parar no meu peito, como se isso fosse parar a sensação de susto, mas vi um anjo. Eu sorri com aqueles meus olhos cansados e ele sorriu com aqueles lábios frutíferos dele. Ele cheirava a gasolina e todo aquele ser etéreo com cabelos oleosos e converse amarelo.

– Acho que esse é o seu hobby, não o meu.

– Você acha muitas coisas, não é? – disse zombando.

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