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Eu senti que após aquele dia, regado em um abraço que só pude guardar, Yeonjun tornou-se ainda mais próximo do meu coração e passei a questionar-me quão próximo eu estava do dele.

Passei a me questionar se as cantadas mal contadas eram apenas flertes sem sentido, se no fundo havia algo a se pensar sobre. Pensei em algo bonito sobre sua maneira de enxergar algo além do mundo que eu via, da forma como ele podia apenas vir e me carregar um pouco mais em suas viagens à Terra do Nunca.

Após aquele dia, sentados no chão bem de frente ao passado esquecido por um, recordado por outro, beijados pelo céu e sorrisos do sol, Yeonjun era tão pegajoso quanto açúcar e eu nunca seria capaz de negá-lo um pouco de cacau para adoçar. 

Às vezes, eu precisava de um tempo sozinho para colocar a cabeça no lugar e, às vezes, na maior parte do tempo, era Yeonjun quem ocupava este espaço de solitude que se tornou apenas um pedaço de nós para recarregar.

Eu pensava na maneira como meu corpo precisava de descanso após tanta interação diária e eu pensava, também, em como tudo seria facilmente esquecido ao ver o sorriso dele ou ao ouvir tudo o que ele tinha para contar, porque era infinita a forma como sua voz se moldava às crônicas.

– Hoje eu dei bom dia para um cara e ele me disse "só vai ser bom se eu morrer". Fiquei pensando por um tempo que foi muito gratuito, então eu ri. Não é muito mais fácil falar da morte do que falar da vida?

– Tem muita gente que tá sempre desejando a morte e rejeitando a vida. Não julgo. No final, não sabemos nada sobre nenhum dos dois.

– Talvez ele só estivesse num dia muito ruim.

– Você quer saber? É algo que eu também diria, mesmo em um dia não tão ruim. Eu acho que já se tornou força do hábito.

– Eu sei. Que hábito ruim.

Eu passei tanto tempo sozinho, era apenas eu, dois gatos e por vezes dois amigos, então era repentino que alguém se tornasse tão presente e tão fixo quanto as paredes da minha casa.

Quando eu queria ficar sozinho para recuperar meu humor e parte do meu cérebro gelatinoso, era como uma meditação para reencontrar a mim mesmo, ou pelo menos uma parte daquela essência. Eu usaria esse tempo para ler, jogar e assistir animes, isolado em um momento que deveria ser apenas do meu eu físico e espiritual.

Desde que ele chegou, com uma sacola de pão na mão e nada mais que vento ao seu redor e cílios que dançam levianamente pelas estradas das minhas artérias, pude finalmente perceber o quanto estava perdido. Eu ainda poderia recuperar um pouco de mim mesmo, me conectando com algo que já deveria estar morto, mas o fato é que, com Yeonjun ali, tudo tornou-se um pouco mais difícil.

Eu não queria simplesmente assistir algo em silêncio, eu queria puxá-lo, jogá-lo sobre meu corpo e, quem sabe, fazer com que nossos músculos dançassem juntos. E eu não estava nem um pouco incomodado com a forma como ele se sentiu confiante o bastante para que deitasse sua cabeça sobre o meu colo em um episódio aleatório de Jujutso Kaisen.

Yeonjun estaria mexendo em sua caixinha mágica que brilha redes sociais, relembrando vidas e tirando fotos despercebidas que percebi, mas eu estaria tentando manter o foco, então ele sempre daria um jeito de mostrar a forma como era torturante ficar parado em um corpo inquieto.

– Soobin. Soobin.

– Oi, hyung.

– Você é como um travesseiro barato.  Muito desconfortável.

– Deita no chão, então.

Não era uma crítica, eu gostava muito de ficar sozinho, desde que minha mente não fugisse do carregador e dos motivos de ele existir, mas eu também gostava muito do quão difícil era deixar que Yeonjun invadisse esse pequeno espaço que era meu e o quanto isso significava.

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