treze

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– Ei, Soobin, antes da gente ir, eu queria te entregar uma coisa.

Era outono e, com sua chegada, talvez fosse finalmente tempo de se despedir de algumas angústias pintadas de vermelho amor e seguir adiante para não continuar alimentando arrependimentos de vida. Era outono e, com sua chegada, era minha vez de chegar a algum lugar, nem que o tal lugar fosse a casa de doces da minha avó.

– Que não seja uma carta de suicídio.

– ?? Bem, tem uma carta, mas não de suicídio. – Ele franziu as sobracelhas e eu ri. – Por que você é assim, Soobin?

– Deve ser transtorno.

Nós estávamos na casa de Yeonjun. A mãe dele, que fiz questão de perguntar o nome em segredo, Minji, tinha acabado de fazer dois lanches para a viagem, mesmo que eu dissesse não ter necessidade, o que de fato era apenas uma mentira encoberta pela minha vergonha em aceitar as partes boas da vida e de tudo que ela poderia trazer.

Minha avó morava em Busan e Yeonjun e eu iríamos de ônibus ao invés de trem, simplesmente porque Yeonjun gostava de andar de ônibus. Não teríamos o que comer senão salgadinhos industrializados enfiados na mochila e eu sabia que Yeonjun não era o maior fã de alimentos que não matavam sua fome verdadeiramente. Eu olhei para ele e depois para o pacote amassado que ele retirou de dentro da mochila, meio confuso com o que ele estava tentando fazer.

– O que é isso?

– É seu presente de aniversário.

– Hyung, meu aniversário é em dezembro.

– Eu sei, Soobin – falou. – Eu não te dei um presente no seu aniversário de dez anos. Estava guardado dentro daquela cápsula do tempo, se é que podemos chamar assim. Eu não abri, então não sei se estragou.

Quando percebi, Yeonjun estava me puxando para me sentar ao lado dele em sua cama, fui sem contestar, pois ele já estava com os braços em volta de meus ombros e de todo meu coração, correndo risco de esmagá-lo, mas ele não o faria. Eu peguei o pacote que ele colocou sobre o meu colo e encarei os olhos de gato arisco que observavam cada detalhe de ação minha, como se buscasse por aprovação, como se buscasse por traços de um sorriso que, à princípio, não mostrei.

Meu presente de aniversário de dez anos.

Se Yeonjun pelo menos tivesse noção do quanto suas palavras ordenadas perfeitamente na desordem da minha alma me afetavam, afetavam todos os meus sentidos, talvez ele percebesse que me afetar de alguma outra forma ainda usando seus lábios, mas ao invés de palavras ele iria murmurar sons, faria um pouco mais de sentido.

Porém eu ainda gostava de como palavras que eram simples palavras escorregavam por entre os lábios dele e alcançavam diretamente as artérias do meu corpo, alcançavam as ruas à torácica, até que meu coração batesse tão rápido e meus dentes sorrissem tão grande e genuíno que até a vida passava a me habitar. Era quando eu tinha certeza de que estava vivo.

A mãe dele era um sentimento e, diante dele, eu era emoção. Yeonjun era carinhoso em excesso, com seus olhos de pontos doces em meio à amargura, bolinhos de arroz glutinoso em toda sua massa pegajosa de ser e eu me atentei àquilo.

Eu me atentei à maneira que sua cabeça deitou em meu ombro e à maneira que seus olhos se fecharam em paz, mas não a eterna, era paz de passagem, com ida, talvez volta. Era a paz de quem também estava vivo.

– Hyung, por que você me comprou um moletom vinte vezes maior do que eu quando eu tinha dez anos? – perguntei ao abrir o pacote amarrotado e encontrar uma peça que servia em mim perfeitamente aos vinte e tantos.

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