oito

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Nós estávamos sentados na mesa da cozinha, jogando xadrez e comendo fast-food, pois nunca gostei de me alimentar de forma saudável, mesmo que tentasse contestar que em um lanche haviam saladas. Gato ainda parecia o chiclete de Yeonjun, deitado no colo dele como quem está deitado no lugar mais confortável do mundo. Talvez fosse assim.

– Yeonjun, você já, você… já sentiu vontade de morrer? Você é feliz?

– Do nada.

Talvez o questionamento tenha sido muito abrupto, talvez eu tenha sido um pouco descuidado com minhas palavras ou talvez Yeonjun só tenha se assustado com a minha entoação, mas o cavalo derrubado logo foi juntado e ele me olhou meio baixo, meio perdido em bolhas de sabão que arde os olhos e a alma junto.

– Foi há muito tempo – respondeu-me. – Não sou feliz só porque não sinto vontade de morrer, mas eu amo viver.

Eu nunca tinha escutado alguém dizer que ama viver.

Já ouvi pessoas expressando em toda sua amargura, tristeza ou apatia, frustração e até mesmo bons momentos que odiavam viver, que odiavam a vida que levavam e que odiavam estar vivos em cada átomo de existência crua bordada em universo. Já caiu da boca de tanta gente o ódio pela vida, que até eu mesmo deixei escorregar da minha própria boca algumas diversas vezes como quem expressa seu amor pelo sorvete recém comprado. 

Até encontrá-lo, jamais pensei que poderia existir alguém com um desejo tão forte pela vida em situações normais do dia a dia e não em situações de risco e adrenalina. Antes de recordá-lo, jamais vi sorrisos tão brilhantes e fotos tiradas por um celular por motivos tão pequenos.

– Saquei.

Eu tentei ser mais alegre feito chama de fogo ardente à caminho da felicidade e plenitude comigo, com amigos, com o mundo, mas ainda havia algo, ainda havia uma ponta de agulha cutucando constantemente a pele do meu peito, me causando angústia, me causando melancolia em seu estado crônico e doentio.

Era um aperto muito grande no meu peito, principalmente ao perceber que nem ao menos o rosto dos meus pais recordava. Eles eram feitos de imagens translúcidas na minha cabeça, havia a silhueta, mas não o detalhe, havia a presença, não existência. Era um teor fantasmagórico de fantasmas que já se foram, mas permaneceram.

– Por que você me perguntou isso?

– Eu acho… que, que preciso conversar, sabe. – Ele parou de mover um bispo e apoiou o rosto na palma da mão, olhando-me de algo além de curiosidade e preocupação, porém nunca fui bom em ler as pessoas e seus redemoinhos internos.

– Então converse, estou ouvindo.

E como é que se começa um desabafo? Para mim, sentar e começar a falar de sentimentos e emoções era algo tosco a ser feito. Mesmo assim, ali estava eu, ainda que meus dedos estivessem presos naquelas peças de madeira, apertando-os entre minhas mãos de ansiedade, até que percebi que eu já balançava minha perna em uma dança de quem está inquieto, nervoso e sem palavras para prosseguir com o roteiro, pois não foi ensaiado, pois na verdade ele nem existia.

– Você deve ter, uh, percebido, mas… mas meus pais faleceram. Foi um acidente, na mesma semana que você foi embora.

Eu não sabia o que se passava na mente de Yeonjun e o porquê de sua mão ter parado daquele jeito, bem em cima da minha. Talvez ele estivesse tentando me confortar com seu calor de inverno, talvez ele soubesse que estava frio e queria ser o calor para me aconchegar. Talvez ele mesmo estivesse assustado, foi o que enxerguei em seus olhos de cidades sombrias e águas escuras quando ergui minha cabeça para olhá-lo. Ele não tinha ideia.

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