onze

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Eu não conseguia mais encará-lo, por isso foi uma surpresa quando o encontrei sentado no chão da cozinha observando Gato e Gatito comendo. Não conseguia desvinculá-lo da imagem presa em meu cérebro. Ele parecia absorto, aquela palma da mão dele apoiando a bochecha, logo mais eu respirei fundo. Eu tentava me preparar mentalmente para olhar nos confins de sua alma através de seus olhos, mas nada, jamais, me deixaria preparado para a sensação de enfim encontrá-los.

– Você pode ir agora, o banheiro é lá em cima, você sabe. Desculpa, huh, ter demorado.

– Tudo bem, não tem nada de errado em sentir dor de barriga. Não pense que eu ache que você não caga ou algo assim.

– Eu não estava com dor de barriga…! Jesus.

– Então você só gosta de acabar com a água do mundo. Se bem que isso é só uma desculpa capitalista. – Só que ele me encarava como se soubesse de toda a sujeira que eu escondia por trás da minha face mergulhada em confusão. – Eu conheci Gatito. Ele é igual a você.

– Preguiçoso?

– Gatos não são preguiçosos, são animais noturnos.

– Eu sou um animal noturno, entendi.

– Se você for interpretar assim, prefiro que interprete que você é um gato. Inclusive, eu senti uns negócios agora. Eu realmente tive um choque de realidade. Você… você cresceu demais. Tipo, você cresceu absurdamente.

O que aquilo deveria significar? Ele me encarava como se estivesse encarando águas cristalinas, lendo todo meu eu submerso ao mesmo tempo em que seus olhos me expressavam algo além de tudo que eu já havia visto, meia colher de chá de açúcar para cada tom vibrante que saía de suas orbes. Lá, mais uma vez, era apenas eu, meu silêncio e meu rosto que fervia algo que eu conhecia tão bem: a vergonha.

– Engraçado, você é.

Ele se levantou do chão e se aproximou em um pulo de coelho manso, com olhos receosos e postura infinita, daquela que me fazia encolher os ombros, recuar até que fosse a parede do meu último dia de vida. Yeonjun colocou aquelas palmas de extrato maleável em minhas bochechas e as apertou, balões de ar.

– Eu falei das suas bochechas aquela vez, mas elas não são mais as mesmas. Você matou minhas bochechas, Soobin.

– Olá!? As bochechas são minhas.

– Elas são como um pão triste agora, antes eram um pão feliz. Que triste. Mas eu ainda gosto delas.

– Eu prefiro assim.

– Que bom, mas não perguntei. – Ele parecia zangado com minha resposta à sua própria inconveniência, achei que parecia pássaro, achei que meu riso soou tão livre quanto um. – Eu até pensei em cozinhar algo, porque você não parece que sabe fazer alguma coisa, só que fiquei receoso em mexer demais nas suas coisas.

– Tudo bem, hyung, eu vou pedir pizza e ignorar que você me chamou de inútil.

– Você não é inutil, você sabe fazer umas coisas – comentou, brincando. Eu acho. – Pode pedir de chocolate com menta com borda de catupiry e pimenta? Por favor?

– Jesus, que tipo de paladar é esse?

– Você quer descobrir?

Eu ignorei sua última fala e o quão abrangente foi, pensei em revisar todos os resquícios de conhecimento que havia anotado mentalmente sobre ele, saber se era uma piada, mas no fundo eu sabia que ele deveria gostar. Yeonjun tinha gostos peculiares e maneiras peculiares de me fazer feliz. Eu deixei que meus olhos brilhassem tão abertamente quanto a bioluminescência do meu sorriso e ele deixou que as árvores finalmente derrubassem uma fruta.

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