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Giovanna correu para dentro da sala de emergência seguida por Roger e outro segurança. Ao ouvir as palavras do segurança no salão, sentiu como se sua alma tivesse saído do corpo. Roger teve que segurá-la para não cair e Borges correu para pegar uma água. Alexandre sofrer um acidente estava fora de suas hipóteses para o atraso do marido. Pensava em quem sabe uma fuga com amante, um atraso nas reuniões de trabalho, ou até mesmo o simples fato dele não querer estar perto dela, como fez sempre ao longo desses três anos.
Acidente? Nem em seu pior pesadelo.
Se apoiando no balcão um pouco afobada, Giovanna desatou a falar.
— Alexandre Nero, sou esposa de Alexandre Nero, ele deu entrada nesse hospital, eu preciso de notícias, algum médico pode falar comigo?
— Senhora, preciso que se acalme... — a recepcionista tentou intervir, mas foi brutalmente interrompida.
— Eu não preciso de calma! Eu preciso saber se meu marido está vivo!
Roger se afastou da patroa, assustado pela reação. Desde que a conheceu, logo que o filho do casal nasceu, ele nunca tinha a visto nesse estado. Muito pelo contrário, sempre que visitava a mansão da família, Giovanna estava em algum canto da casa, com um livro, dentro de um mundo particular, ou então junto com o filho, que parecia a única alegria que poderia ter na vida.
Ela nunca se exaltava, ela nunca dava opinião.
Giovanna era a sombra do que um dia foi.
E agora estava aqui, gritando por um homem que a traia com meio mundo.
Ele não era ninguém para julgar, mas se aquela reação não dizia algo sobre o coração da patroa, ele não saberia dizer mais nada.
— Senhora Nero. — uma mulher vestida com o privativo do hospital e um jaleco se aproximou deles.
— Senhora Antonelli. — ela corrigiu como sempre fazia. — Alexandre não gosta que usemos o mesmo nome.
Roger sentiu uma dor no coração com aquilo.
— Certo, perdão. Queira me acompanhar, vamos falar sobre seu marido.
Giovanna se agarrou no braço do segurança como se não pudesse andar sozinha. Roger fez um sinal para o outro colega ficar na porta da emergência enquanto guiava a patroa na direção que a médica tinha ido. O blazer de Borges a envolvia para impedir o frio, e a maquiagem dela estava borrada. Em algum momento no trajeto do salão para cá, Giovanna tinha chorado pelo marido. Rezado pelo marido.
Roger a sentou na cadeira e esperou a médica abrir o prontuário de Alexandre.
A mulher estava atenta às expressões da médica, esperava ansiosa enquanto torcia as mãos no colo. O pé balançava sem que ela pudesse evitar. Precisava de notícias, precisava de boas notícias.
— As notícias não são ruins. — a médica finalmente falou, fazendo Giovanna soltar a respiração que nem sabia que segurava. — Alexandre usava cinto de segurança, e isso ajudou bastante a evitar danos maiores. Ele chegou sonolento, fizemos uma tomografia que negou sangramento na cabeça, tem uma fratura no braço e alguns cortes no rosto por conta do vidro que estilhaçou. Ele está bem, mas precisamos mantê-lo em observação por 72 horas.
Giovanna abaixou a cabeça e fechou os olhos, agradecendo mentalmente qualquer que tenha sido a força que o salvou.
— O motorista? — ela perguntou.
— O taxista infelizmente não sobreviveu, a batida do caminhão foi certeira.
Giovanna olhou para um canto da sala, pensava um pouco. Voltou o olhar para Roger.
— Procure a família desse taxista, vamos buscar dar o suporte necessário.
Roger concordou em silêncio.
A mulher se voltou para a médica como se tivesse medo da resposta da pergunta que faria.
— Posso vê-lo?

''Depois daquela noite de núpcias, Giovanna se sentiu vazia. Sabia que Alexandre a odiava, mas preferia viver sem nunca ter sentido o toque dele, sem nunca tem sentido seu gosto, sem nunca ter ouvido a voz rouca chamando seu nome. Aquela noite foi tortura maior do que qualquer outra que ela tivesse conhecimento, pior do que o jogo do silêncio que ela fazia.
Ele foi embora do hotel depois de possuí-la, sem imaginar que a tinha nas mãos.
Maldito, Alexandre.
Se esse era o jogo, ela também o odiaria.
A casa que o pai dela comprou para eles era linda. Era grande, com um espaço verde enorme, uma piscina grande. Quartos completos, uma suíte master maravilhosa.
— Eu vou ficar com o quarto no final do corredor. — ele falou depois de tempo olhando aquele ambiente.
— Como quiser. — ela disse simplesmente, respondendo tão fria quanto ele.
Quando ouviu a porta se fechar, sentou na poltrona do quarto e chorou.
E assim foi como sua vida de casada começou. Tinha apenas 20 anos, uma aliança linda nos dedos e um marido que viajava a semana toda. Os funcionários da casa preferiam não questionar a dinâmica.
Afinal para que questionar algo que já estava tão claro?
Giovanna levantava, tomava banho, pegava um livro e lia. Era assim diariamente, comia pouco, e cada vez ia comendo menos. Notou algumas roupas diminuindo o tamanho, mas não ligou. Tinha dinheiro para comprar tudo de novo se quisesse. Tinha o mundo nas mãos, não tinha?
— Senhora Nero, quer que eu lhe sirva mais? — a governanta perguntou durante um jantar que milagrosamente Alexandre estava em casa.
Ao ouvir a mulher do outro lado da mesa ser referida como senhora Nero, se irritou.
— Não é senhora Nero. — ele falou sério, olhando para ela, e dando o recado para a governanta.
— Não, não sou. — Giovanna concordou, se voltando para Bethânia e sorrindo com carinho. — Me chame de Senhora Antonelli.''

Giovanna entrou no quarto da UTI devagar, Roger ficou na porta, observando a mulher parar e não se aproximar mais da cama.
— A senhora não vai até ele? — perguntou em voz baixa.
O olhar de Giovanna não desviava da cama. Estava assustada com o que via. Alexandre estava entubado, com cortes no rosto e um braço enfaixado. Ele parecia pequeno naquela cama enorme, e ela teve medo.
Durante os anos de seu casamento, nunca teve medo de perde-lo como agora. Sabia que ele jamais pediria o divórcio, sua mãe dependia deles, então ser trocada por outra não era a cogitação. Perdê-lo de tempos em tempos para outra mulher por algumas noites era algo que ela aprendeu a aceitar, e acreditava que ele pensava que ela fazia o mesmo. Logo, ele sempre esteve a sua vista.
De repente a possibilidade de não vê-lo nunca mais lhe deixou abalada.
Queria odiá-lo, mas como a ideia de nunca mais ver a pessoa que odeia poderia lhe deixar tão mal?
— Roger, pode esperar lá fora? — ela perguntou suavemente.
Quando o segurança saiu, a deixando a vontade, Giovanna se aproximou da cama. Um homem forte, com quase 1,90 de altura, resumido a esse corpo fraco que via na sua frente. Com a mão trêmula, Giovanna arrumou uns fios de cabelo rebeldes. Os fios começavam a ficar grisalhos e ele tinha apenas 32 anos. Arrumou do jeito que sabia que ele gostava. Pensava estar fazendo isso por TOC, mas sabia que a verdade era que sua mão queria tocá-lo por inteiro.
Queria saber que ele estava realmente aqui.
Os dedos desceram pelo rosto, a barba bem aparada com alguns cortes no meio. Sabia que ficariam falhas quando aquilo cicatrizasse.
— Que susto você me deu. — ela sussurrou como se ele pudesse ouvir, mas considerando o número de bombas de infusão de remédio ao lado dele sabia que ele estava apagado.
Segurou a mão dele na sua.
Há quantos sentia falta do calor dele.
Apertou os olhos com força, sentiu algumas lágrimas escaparem.
— Meu Deus, Alexandre... que susto... eu pensei que...
Parou de falar e abriu os olhos.
Aquele homem a detestava, por que estava chorando por ele?
Tinha certeza que se ele acordasse e visse aquilo diria que suas lágrimas eram falsas, e que ela deveria ir embora.
Limpou o rosto e se recompôs.
— Melhore logo, Benjamin vai ficar preocupado se não voltar para casa.
Eu vou ficar devastada se não voltar para casa.

''Giovanna olhou o teste de gravidez nas mãos e tremeu. Aquilo não podia estar acontecendo, aquilo não podia. Foi uma única noite, uma única noite com ele e como já poderia ter engravidado. Era sua primeira vez! Primeira e única, não é possível que acertaram de cara assim!
Passou o resto da semana deitada. Não queria falar com ninguém. Tinha medo, medo dele achar que era de outro homem. Afinal, as camisas manchadas de batom dele diriam isso se fosse o contrário.
— Precisa comer. — Bethânia falou, já ficando irritada com a recusa da mulher.
— Já disse que não quero comer.
Lá para sexta-feira, Bethânia chamou um médico, e Alexandre chegou em casa na hora que o homem descia as escadas ao lado da governanta.
— É importante que ela coma, é essencial nessa fase, não pode ter anemia...
— Pode deixar, doutor, vou fazer boas vitaminas para ela.
Alexandre largou a pasta no sofá, Giovanna nunca veria como ele ficou preocupado, mas Bethânia registraria aquele momento raro na mente para o resto da vida.
— O que ela tem? — Alexandre perguntou sério.
O médico sorriu e lhe parabenizou. Ele olhou confuso para Bethânia.
— Meu filho, ela está grávida! — ela falou animada, juntando as mãos.
Giovanna também nunca saberia como o sorriso dele se iluminou como há meses não fazia.''

minta pra mim | gnOnde histórias criam vida. Descubra agora