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Ao descerem para almoçar, Alexandre encontrou a mesa posta com cuidado e capricho. Via como Giovanna e Bethânia conversaram animadas enquanto traziam os pratos. As duas pareciam ter uma dinâmica própria, uma cumplicidade que encaixava até sua mãe, visto que logo a senhora começou a conversar tranquilamente. Alexandre não se encaixava ali, e se perguntava se algum dia poderia.
Benjamin veio correndo até ele e o abraçou nas pernas. Queria ser capaz de colocar o filho no cadeirão, mas logo Giovanna veio até eles e resolveu tudo.
Para a mulher, era fácil resolver tudo.
Giovanna colocou Alexandre para sentar na ponta da mesa, sentando ao seu lado direito enquanto a mãe dele sentava do lado esquerdo. Benjamin escolheu ficar ao lado da avó, já que era mais mimado quando estava ao lado da senhora. Conversava com a sogra animadamente, perguntando das novidades e como iam seus eventos. A mãe de Alexandre nunca parou de organizar casamentos, era uma paixão pessoal que tinha como hobbie. Admirava a sogra por isso, mesmo quando Elias estava doente e até mesmo depois do falecimento do marido, Marta nunca perdeu a alegria.
As vezes achava que Alexandre duvidava disso.
Ao olhar para o homem, notou como ele comia devagar e com certa dificuldade. Sua mão dominante estava imobilizada, o que dificultava muita coisa. Olhou para a sogra e viu como ela auxiliava seu filho.
— Quer ajuda? — Giovanna dirigiu a palavra para Alexandre, o pegando de surpresa.
— Que? Ah... não, eu consigo. — ele falou um pouco irritado já.
Giovanna sorriu levemente e pegou o garfo do prato dele. Juntou um pouco da comida e levou até a boca do homem, que a olhou como se não acreditasse no que ela tinha feito. Era inacreditável como aparentemente até para comer ele precisava dessa mulher. Só podia ser algum tipo de penitência.
— Acho que o papai quer que você faça aviãozinho. — Giovanna ouviu a voz de Benjamin e deu risada.
— Será, filho? — olhou para o homem. — Olha o aviãozinho chegando...
Ela fez até o barulho e Alexandre não conseguiu evitar uma risada antes de abrir a boca. Marta sorriu com a interação, por um momento até esquecendo da bagunça que o neto fazia no cadeirão. Ele fechou os olhos quando finalmente sentiu todo o gosto de sua comida e não só algumas partes. Olhou para ela e viu que ela já tinha outro garfo pronto. Se sentia ridículo, principalmente porque a comida dela iria esfriar.
— Pode comer.. eu me viro. — ele falou sem jeito.
— Quanto mais rápido você comer, mais rápido eu volto a comer. — ela rebateu em um tom bem diferente do que usava com Benjamin.
Achou melhor obedecer.
Depois do almoço e da sobremesa, Marta se preparou para ir embora. Em algum outro momento teria ficado, mas via que Giovanna e Alexandre precisavam desse momento para concertar muitas coisas. Ela sentia que dessa vez suas orações seriam ouvidas.
Giovanna acompanhou a sogra até a porta.
— E o seu médico, querida, para quando ficou? — Marta perguntou distraída.
Antonelli olhou para Alexandre, que prestava atenção nelas e muito provavelmente tinha escutado.
— É semana que vem, eu te aviso qualquer coisa. — Giovanna falou logo, disfarçando e se despedindo.
Quando voltou para a sala, encontrou o filho sonolento fazendo os últimos desenhos. Daria um banho nele e colocaria para o cochilo da tarde. Amanhã a rotina voltaria e precisava acostumar o menino aos horários da escola. Pegou Benjamin no colo e o menino nem reclamou, agarrando a mãe pelo pescoço.
— Que médico é esse que minha mãe falou? — ouviu a voz de Alexandre. — Está doente?
Olhou para ele, surpreendendo-se com o interesse.
Queria acreditar nisso.
Queria acreditar que eles poderiam ser algo, mas seria demais para seu coração sofrer desse jeito.
É claro que ela cuidaria dele, mas em algumas semanas ele voltaria para a vida de sempre, e ela voltaria a tentar esquecê-lo.
— Não estou doente, é só rotina.
— Não parece, do jeito que ela falou. — ele pressionou.
— Desculpa... mas... eu te devo alguma explicação? — ela falou irritada, se arrependendo logo em seguida.
Alexandre se calou.
Não, ela não lhe devia nada.
Observou ela subir as escadas com Benjamin nos braços. Passou a mão pelo rosto, frustrado.
Sua mãe e Rodrigo tinham razão.
Ele a quebrou, ele descontou nela um erro do pai. Giovanna era alegre, era sorridente, era feliz.
Ele era apenas um canalha.
Foi até a adega e pegou uma garrafa de whiskey. Que se dane os remédios, ele era melhor quando a bebida o apagava.
Depois de dar banho no filho, Giovanna desceu as escadas e não encontrou Alexandre, deduziu que ele tinha ido descansar. Foi até a biblioteca, que tinha virado basicamente seu refúgio. Era de lá que ela fugia do mundo ao seu redor. Seus livros, a poltrona de seu pai, aquele ali era seu mundo. Alexandre nunca entrava ali, nunca fez questão, então em boa parte das vezes, ela deixava aquele local trancado junto com seus tesouros. Fotos, lembranças, coisas que ela arriscava a escrever e desenhar.
Era lá que ela pesquisava e estudava um pouco sobre sua paixão.
Arquitetura.
Um dos fatores que fez com que ela se desse bem com Rodrigo foi quanto ele a flagrou desenhando em uma das noites que dormiu lá. Ele disse que ela tinha talento e que deveria investir naquilo. Giovanna o fez prometer que não diria uma palavra a Alexandre.
Ela nunca fez nada com a própria vida por escolha dela.
Aos 18 começou a cursar administração, mas com o casamento e o rumo que as coisas levaram, largou o curso. Por não gostar e por não estar gostando da vida que tinha ganhado do pai.
Olhou para sua escrivaninha e viu uma foto dela com o pai. Antônio achou que lhe estava dando o mundo, mas na verdade tirou dela a chance de viver um grande amor. Ela nunca entendeu como ele tinha sido capaz. Depois do casamento, ela raramente falava com ele. E quando ele infartou há 1 ano, ela viveu o luto por menos tempo do que esperava.
Balançou a cabeça para afastar as lembranças.
Se afogou em O Cortiço e quando notou já chegava no final do livro, sua coluna doía e já tinha anoitecido. Olhando no relógio, viu que perdeu o horário da jantar e que provavelmente Benjamin já estava dormindo. Agradeceria Bethânia pela ajuda.
Foi quando um barulho na sala chamou sua atenção, algo como vidro quebrando. Correu até lá e a cena que encontrou foi deplorável. Alexandre estava claramente bêbado, bagunçado e com os olhos vermelhos.
Giovanna parou no meio da sala, não se aproximou. Tinha o coração na boca com isso, nunca tinha visto ele assim.
Quando os olhos dele a encontraram, ele sorriu fraco.
— Como é a sua vida, Giovanna? — ele perguntou com a voz enrolada.
— Você só pode ser louco. — ela se aproximou rapidamente para tirar a garrafa de perto dele, desviou quando a mão dele chegou perto de seu pé.
Ouviu uma risada engasgada.
— Eu não vou tocar em você. Eu prometi, não prometi?
Giovanna parou no lugar. Nunca tinham falado daquilo. Era um acordo silencioso muito bem feito entre eles. Nem quando a gravidez se desenvolvia, nem quando Benjamin nasceu. Nunca. Era como se ambos quisessem apagar aquela noite da cabeça. Giovanna por ter sido tola em achar que ele a tinha perdoado por algo que ela não fez, Alexandre por se sentir o homem mais sujo por ter iludido uma jovem daquele jeito, e ainda por cima ter conseguido engravidá-la de primeira.
Para que falar disso agora.
— Você não podia ter bebido, está tomando sei lá quanto remédios, Alexandre. — ela falou séria.
Seus olhares se sustentaram. Ela estava ofegante, a ansiedade a comendo viva.
— Você tem uma vida boa? Aqui? — ele perguntou de novo.
Giovanna se afastou para colocar a garrafa na mesa de jantar. Não olhou para ele, apenas se apoiou no móvel e respirou fundo.
— Você encontrou alguém? Quer o divórcio? — ele perguntou, dessa vez mais fraco.
A mulher se voltou com ódio mortal no olhar. Como ele era capaz de lhe perguntar uma coisa daquelas? Como ele era capaz de falar sobre adultério agora? Caminhou até a sala e se ajoelhou ao lado dele. A cabeça do homem estava apoiada no sofá, tombada, praticamente. Ele a olhava, mas Giovanna tinha certeza que ele não a enxergava. Ele não via como aquela perguntar a dilacerou, e certamente não via como seus olhos estavam inundados.
Ela nunca cogitou o divórcio.
Nem quando ele a traiu, nem quando ela o traiu. Seu envolvimento com o personal trainer foi a coisa mais classe alta possível. Uma mulher frágil, traída, e que não sabia o que era se sentir desejada, se deixou envolver pela atenção do treinador e o beijou. Nunca se sentiu tão imunda quanto no dia em que sentiu aquele homem apertar sua cintura, a puxando contra o corpo dele. Nunca tinha ido para cama com nenhum homem se não Alexandre, e na única fez que cogitou, teve que aumentar a dose do antidepressivo. Não precisava nem dizer que depois desse dia passou a treinar sozinha.
Divórcio nunca passou pela cabeça doente dela.
Será que ele cogitava isso? Será que ele queria isso?
— Você quer o divórcio? — ela perguntou, sabendo que qualquer resposta que saísse da boca dele, ele não iria lembrar no dia seguinte.
Observou como a cabeça dele fez que não.
— Então o que está dizendo?
— Fiz da sua vida uma merda. — ele disse como se fosse simples.
Ela abaixo a cabeça e respirou fundo. Jogou o cabelo para trás.
— Isso não é algo para se conversar assim. Você precisa dormir.
Giovanna se levantou do chão, arrumando a própria roupa. Deu um passo para trás, esperou ele se levantar. Alexandre era a estética do ridículo, tentando sair do chão com uma mão só. Ela olhou para o teto, rezou por eles, pois não teria outra opção se não o que faria a seguir.
Sentou no sofá, o rosto dele ao lado de sua coxa.
— Eu vou te ajudar a subir. — ela falou, e se perguntava porque aquela frase significava tão mais do o que de fato significava. — Se apoia em mim, eu te ajudo.
— Eu vou encostar em você. — ele falou como se fosse um pecado e Giovanna riu levemente.
— Então encoste, é melhor do que cair.
Devagar, Giovanna envolveu o braço bom dele ao redor de seu ombro. Colocou o cross fit para jogo quando precisou sustentar boa parte do peso dele. Alexandre se apoiou nela, e por mais que não fosse lembrar, Giovanna se deixou envolver pelo calor dele, pelo cheiro, pela alma. Subiu as escadas devagar, e caminhar até o quarto dele foi fácil. O colocou na cama devagar, e quando percebeu, ele já tinha apagado de novo.
Ficou em pé, velando o sono tranquilo, enquanto em seu rosto as próprias lágrimas escorriam.
Sentou-se ao lado dele sem conseguir evitar. Pegou na mão livre, forte, e trouxe para perto dela. Beijou cada dedo dele enquanto acariciava o braço forte.
Em sua cabeça, um turbilhão de pensamentos. Quem era esse homem na frente dela? O que ele queria dela agora? Como poderia parecer que mesmo um do lado do outro, ainda tinha um oceano entre eles?
Como eles tinham parado aqui?

"Da mesma maneira que eu preciso de você
Eu queria poder sentir sua pele
E eu te desejo
De algum lugar aqui dentro
Mas parece que tem oceanos
Entre você e eu
Escondemos nossos sentimentos abaixo da superfície e tentamos fingir
Mas parece que tem oceanos entre você e eu

Eu quero você
E sempre irei
Queria valer a pena."
Oceans - Seafret

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