Capítulo 11 - A prisioneira

19 4 0
                                    




Mais uma noite igual. Ainda assim, o sonho dessa vez foi diferente. O céu estava escuro e chovia demais. Não era comum ouvir o barulho da chuva ultimamente... As construções acinzentadas me diziam que eu estava em Zalim, apesar de não saber exatamente aonde.

No céu uma figura dracônica bailava entre raios e trovões, transformando tudo em uma visão ainda mais estranha. Me perguntei se aquilo era uma memória ao invés de um sonho, mas eu não tinha uma lembrança assim. Minha mente devia estar inventando coisas.

Ouvi uma voz familiar e notei um grupo de três pessoas. Um era um rapazote sujo e magrelo, com o rosto longo e um nariz aquilino. Os outros dois eram uma garotinha loira de olhos verdes quase tão suja quanto o primeiro, e o terceiro estava de costas para mim e tinha o braço envolto pela garota loira. Suas costas largas e seu corte de cabelo me eram um tanto familiares e senti meus olhos se emocionarem ao notá-lo.

— O que foi? — A garota loira lhe perguntou.

— Espero que um dia possam me desculpar. — Sua voz ainda era tão gostosa quanto um abraço.

— Mas de que bobagem você está falando? — Me vi perguntando. Não sabia pelo que ele se desculpava, mas aparecer no meu sonho assim para dizer bobagens era demais.

Ele se virou ao me ouvir e seus olhos surpresos se prenderam nos meus. Não havia mudado nada. Notei enquanto a garota loira e o rapazote desapareciam lentamente no fundo como se não fossem mais importantes ali. Me perguntei se aquela era a garota que havia morrido diante dele no passado. Era por isso que se desculpava? Ou estava se desculpando comigo? Suspirei.

— Você me disse que as pessoas acham que você é algum tipo de deus, mas você é só um homem. Como um homem poderia impedir todas as tragédias do mundo sozinho?

— Mas eu disse que a protegeria. Sequer posso me chamar de homem depois de deixar aquilo acontecer com você? — Eu sabia que ele pensaria assim...

— Teimoso... Eu te falei... Não se culpe pelo que aconteceu comigo.

— Então tudo bem, Anna? Se eu te esquecer a partir de agora? Você será outra lembrança, assim como meus pais e como as crianças de Zalim.

Havia aparecido no meu sonho só para me entristecer? Bom, a verdade era que já havia se passado muito tempo e era provável que cedo ou tarde ele acabasse se esquecendo de mim. Para ele, eu havia morrido naquele dia. Deixei escapar um grunhido involuntário enquanto segurava minha tristeza.

— Hmm... Eu acho que tudo bem. Mas se possível, eu realmente gostaria de te ver de novo. Eu fico feliz sempre que sonho com você... Aqui é muito solitário. Às vezes acho que vou enlouquecer.

— Aqui onde? — Como ele poderia saber?

De repente não estávamos mais em Zalim, mas na minha torre, o lugar em que eu vinha vivendo já há tanto tempo. Tudo estava igual, exceto que lá fora, pela janela, uma tempestade tomava o céu assim como em Zalim e a Serpente da Tempestade navegava pelas nuvens. O som dos trovões me tranquilizava de alguma forma, como se dissesse que Issachar estava ali.

— Isso é Mukantagara? — Ele murmurou, observando o deserto através da janela. Mas eu nem sequer sabia se estava na cidade ou não.

— Talvez seja... — Não queria perder tempo com bobagens... Quase nunca tinha sonhos como aqueles... — Se essa vai ser a última vez, não poderia se deitar aqui comigo?

Ele soltou um suspiro e se aproximou, se deitando na cama, ao meu lado. Pousei minha cabeça sobre o seu peito e ele me aconchegou no seu abraço. Sua mão grande acariciou minha cabeça e fechei meus olhos para sentir o carinho. Era tão vívido que me fez me sentir reconfortada, quase como se fosse verdade.

A Guerra dos Impérios - Volume III: As Crônicas dos Guardiões do AlvorecerOnde histórias criam vida. Descubra agora