CAPÍTULO 19

10 4 12
                                    

– Espera – disparou Zanya – então Darren está vivo? Vivo mesmo?
    
– Sim – respondi, com os olhos vidrados no chão, absorvendo a conversa anterior.
    
– Hadria e eu já suspeitávamos – continuei – era estranho eu sentir o anel tentando se comunicar comigo, os sonhos estranhos… E também porque Hadria havia me dito que, quando foram pegar os corpos, Darren não estava lá.
     
– E por que não nos contaram nada? – indagou Zanya, os olhos fixados em mim.
    
– Não tínhamos certeza de nada, não queríamos criar tantas expectativas para encontrá-lo. Foi um erro eu não ter falado, desculpe-me.
     
– O que fazemos agora? – questionou Mathew.
     
– Você sabe onde Darren está? – perguntei, a voz carregada de puro ódio.
     
Mathew assentiu.
     
– Posso levá-las até lá, mas teriam que ser cautelosas. Aquele lugar é estranho. Fora as mulheres que se vestem com mantos vermelhos e ficam o tempo todo rodando os salões.
     
– Salões? – indaguei franzindo o cenho – onde ele está?
     
– É um lugar grande, só pode entrar quem estiver com uma roupa de serviço ou junto de algum guarda.
     
– Um castelo? – perguntou Zanya, em um tom apavorado.
     
– Pequeno demais para chamar de castelo, mas muito grande para ser uma casa.
     
Pequeno demais para castelo, grande demais para casa. No meio da floresta?
    
– Sim, no meio da floresta – respondeu o bruxo, novamente entrando em minha mente.
      
Lhe lancei um olhar frio, ele ergueu as mãos e recuou um passo.
     
– Acho que sei onde ele pode estar. Pode me fazer uma descrição de como era o lugar?
      
Em minha mente, Mathew me mostrou a imagem do lugar: Fora era cercado por árvores e rosas amarelas. Havia um pequeno rio em frente ao lugar. A casa era grande, cor branca e dourada. Ao entrar nos portões, se via um belo jardim com chafariz e algumas estátuas de mulheres nuas. As portas do lugar eram grandes, estavam abertas e logo se via uma imensa escada em mármore branco. O corrimão decorado com arcos de ouro e prata. A esquerda, havia um espaço grande com uma mesa de centro e um jarro de flores recém podadas. Com portas de vidro e ouro para um pequeno jardim. Ao lado direito, um espaço ocupado por guardas e bruxos. Tinha um corredor com acesso a portas brancas, não sabia o que tinha lá.
     
As imagens foram perdendo o sentido e ficaram embaçadas à medida que eu subia as escadas, provavelmente Mathew não chegou a subir por elas. Mas aquela pequena imagem já fora o suficiente para eu saber onde Darren estava: na casa de descanso de minha mãe.
     
– Eu sei onde ele está – sentia meus pulmões perdendo o ar. – É a casa onde minha mãe passava alguns dias quando estava cheia de tudo no reino. Fomos lá algumas vezes depois de me juntar a Darren.
     
– Ele disse que mandou uma carta para você, mas nunca teve seu retorno – disse o bruxo parado a minha frente – dizendo que você saberia onde o encontrar.
     
Na mesma hora, lembrei-me das cartas que encontrei no escritório de Pierre. O rei Conrado havia perguntado algo sobre uma carta de Darren.
     
Mas, se teve mesmo uma carta, por que Pierre não me contou? O que ele fez com a carta? Será que a guardou ou jogou fora?
      
– Você quer ir até lá? – perguntou Zanya, tinha preocupação e medo em sua voz.
     
– Sim, mas não agora. Primeiro precisamos encontrar as outras.
     
Zanya e Mathew assentiram e seguimos caminho.
    
O restante do caminho foi um longo debate entre mim e Mathew, pois eu queria seguir um caminho diferente do seu, o que gerou um grande desentendimento.
     
– Como você tem certeza que devemos seguir por esse caminho? – questionei.
     
– Confio nos meus instintos. E além do mais, o mapa está comigo – disse o bruxo, tomando o mapa de minhas mãos.
     
– Você mal sabe onde está pisando. Em pelo menos uma hora de caminhada seguindo o seu caminho, você já caiu umas quinze vezes. E nos perdemos.
     
– Pelo menos eu não dei de cara com nenhuma aranha e me enrolei nas teias delas. E outra, estou nessa floresta a muito mais tempo do que você, conheço ela muito bem.
     
– Então tá bom, senhor sabe tudo. Diga-me, onde estamos? – perguntei cruzando os braços e erguendo as sobrancelhas.
    
– Só posso dizer uma coisa: não estamos perdidos.
    
Nós estávamos perdidos.
     
– Isso só pode ser uma brincadeira – falou Zanya passando a mão na testa – primeiro: vocês parecem crianças brigando. Segundo: me de esse mapa, eu vou guiar agora.
      
Lançamos um olhar de surpresa para ela, mas a mesma fez pouco caso.
    
– Estamos aqui já faz um bom tempo, provavelmente perdidos. Fomos pelos caminhos dos dois, o que não nos levou a lugar algum. Pois agora será o meu.
     
Abri a boca para lhe responder, mas fui interrompida.
   
– Nem tente se defender, Maya Hanover.
    
– Seu nome é Hanover? – perguntou Mathew.
   
Assenti.
    
– Interessante.
    
– Por que?
    
– Por nada, só achei interessante – disse o bruxo, me lançando um sorriso sínico.
    
Empurrei ele para mais longe de mim, fazendo ele bater em uma árvore.
    
Óbvio que ele não deixou passar, me empurrou ainda mais forte, me fazendo cair com tudo no chão. Mas antes que eu caísse, puxei a manga de seu casaco comigo, mas eu não ia cair sozinha mesmo.
    
Mathew caiu por cima de mim. Nos levantamos rápido e começamos a dar tapas um no outro. O bruxo soltou um gemido quando acertei um tapa em seu rosto.
    
Arregalei os olhos e me afastei lentamente dele, passei correndo por Zanya quando ele se aproximou mais de mim.
    
Galhos de árvores se enrolaram em nossas cinturas e mãos, nos fazendo parar.
    
– Vocês não conseguem ficar pelo menos cinco minutos sem querer se estapear? – seu tom de voz era firme – quantos anos vocês tem? Quatro?
   
Mathew e eu nos encaramos, com os olhos cerrados, eu tinha certeza que ambos declararam guerra.
     
Zanya nos soltou e voltamos a caminhar normalmente, o bruxo ao lado esquerdo de Zanya e eu ao lado direito, os dois de braços cruzados.
    
Depois de mais uma longa hora de caminhada, avistamos um pequeno chalé. As luzes estavam acessas e saia fumaça da chaminé.
     
– Viram só – disparou Zanya –, o mapa funcionou muito mais comigo.
     
Mathew e eu nos encaramos e o ouvi dizendo em minha mente: se dependesse de você, nós ainda estaríamos perdidos e provavelmente tentando desviar de teias de aranha.
     
Fiquei boquiaberta, mas que cara desgraçado. Ainda sentia ele na minha mente quando o respondi: se dependesse de você, provavelmente teríamos caído em um buraco fundo sem ter como subir. Ou pior, encontrar areia movediça.
     
O bruxo me encarava sério, lhe mostrei o dedo do meio.
    
– Será que as meninas estão lá? – perguntei.
    
– Só chegando mais perto para saber – respondeu Zanya, ela parecia preocupada.
    
Nos aproximamos silenciosamente do pequeno chalé para olhar pela janela.
    
Era todo iluminado por velas de fogo azul. Avistei as outras duas garotas: Eleanor e Hadria. Mas onde estava Katherine?
    
Senti um arrepio percorrer minha espinha, parei em frente a janela e congelei.
    
– Está tudo bem? O que aconteceu? – Mathew perguntou, colocando as mãos em meus ombros.
    
– Só estou vendo Eleanor e Hadria. O que pode ter acontecido com Katherine?
     
Mathew me puxou para olhar em seus olhos.
   
– Ela deve estar bem, provavelmente conseguiu fugir e está escondida – disse tentando me acalmar. Mas eu sentia algo estranho, tinha alguma coisa errada.
    
– Espero que você esteja certo.
    
– Nós vamos entrar? – indagou Zanya.
    
– É nossa única opção. Se são bruxos, só eles sabem outros jeitos de entrarem – disparou o bruxo.
    
– Então simplesmente batemos na porta e dizemos: "oi, sou ex rainha, essa minha amiga feiticeira e esse um amigo bruxo. Viemos atrás das nossas amigas que você sequestrou"? Creio que não.
     
– Deixem comigo, apenas vão se esconder em algum lugar fora de vista.
     
Zanya e eu nos olhamos, era bem visível nossa falta de confiança. Mas assentimos e fomos para trás de uma árvore próxima.
   
Nos agachamos e esperamos Mathew tomar qualquer atitude.
     
O bruxo parou em frente a porta e deu três batidas.
    
– Mas que merda ele está fazendo? – questionei.
     
Nos encolhemos mais quando a porta se abriu, revelando um fauno.
    
É a porcaria de um fauno.
   
Ele era muito maior que Mathew, tinha chifres em sua cabeça. Seu rosto lembrava um gato enrugado. O tronco era de homem. Havia um rabo com pelos na ponta e suas pernas eram patas de bode.
    
Vimos o bruxo recuar três passos e erguer a cabeça.
    
– Oi – disse, dando um sorriso nervoso. – Desculpe lhe incomodar, meu caro senhor. Sei que já está bem tarde.
    
Eu não posso acreditar no que estou vendo, isso só pode ser uma brincadeira.
   
Ao meu lado, Zanya mordia os lábios na tentativa - falha - de segurar um riso. Mas via a preocupação em seus olhos.
   
– O que você quer, bruxo da floresta – urrou o fauno.
   
– Sei que você deve estar de mau humor, mas vim atrás de três mulheres, as quais o senhor sequestrou.
   
Pude ver Hadria e Eleanor se olharem com os olhos arregalados. Elas olharam pela janela e eu tentei fazer um sinal, mas sem chamar a atenção do fauno.
    
Fiz uma bola de fogo minúscula na tentativa de chamar a atenção delas. Até funcionou, mas acredito que o fauno tenha visto.
    
– Do que você está falando? – me assustei com a voz grossa e alta da criatura.
    
– O senhor não precisa se alterar, estou aqui só para buscar as garotas.
    
Em uma rajada de vento, o fauno arrastou Zanya e eu para os seus pés.
    
Nós demos sorrisos em sua direção, mas era de puro medo.
   
– Esse era seu plano? – falei, me levantando do chão e cutucando o braço de Mathew.
    
– Sim, não tinha outra opção.
    
– O que me darão em troca das mulheres? Quero algo valioso.
   
– Temos comida, água, adagas – sugeriu Zanya.
   
– Quero uma jóia, falei algo valioso – vociferou o fauno.
   
– Água e comida não são coisas valiosas? – perguntou Mathew
    
– Não. Não bebo água e não me alimento de comida.
     
– Porra, o que você come? – dei um soco no ombro do bruxo, não tinha certeza se queria ouvir a resposta do fauno depois dessa pergunta.
   
Lembrei-me do anel que peguei no Castelo de Pierre. Era uma jóia valiosa. Pelo menos para mim era.
   
Ainda bem que a guardei dentro de minha bota, caso contrário teria perdido junto das outras coisas.
   
Peguei o anel e o entreguei ao fauno, Mathew bateu em minha mão para que eu o derrubasse.
   
– Onde você o conseguiu? Por que está com ele? – indagou o bruxo, parecia surpreso e irritado.
   
– O que isso lhe interessa? – questionei.
   
– Pierre sabe que está com isso? Não posso acreditar, você vai nos matar.
   
O fauno pegou o anel do chão e o observou, logo em seguida olhou para mim.
    
– Uma jóia roubada não tem valor nenhum para mim. Fique com seu anel e eu fico com as garotas.
    
– Não! – urrei. Tinha medo em minha voz.
   
Mathew pegou o anel das mãos do fauno e o guardou em um bolso de seu casaco. Não questionei sua atitude.
    
– Vocês são como qualquer outro forasteiro, tentando me comprar com coisas roubadas e sem valor. Vão pagar caro por isso.
     
O fauno entrou em seu chalé novamente e saiu de lá com uma espada grande. Corri na direção oposta dos outros.
    
Ele foi primeiro em direção a Zanya e Mathew, deixando meu caminho livre para voltar ao chalé e soltar as garotas.
    
Olhei atentamente para os lados, tentando não chamar o fauno para mim.
      
Entrei no pequeno chalé e fiquei zonza. Havia um cheiro forte e horrível dentro daquele lugar.
     
– Maya – me chamou Eleanor – Isso não é real, esse cheiro não está no chalé. É apenas um truque para você dormir e ele se aproveitar de você. Permaneça lúcida.
     
Procurei forças no fundo da mente e soprei uma pequena onda de vento para afastar o cheiro, funcionou um pouco.
    
Corri cambaleando em direção às duas e tive grandes dificuldades em desamarrar as cordas, me irritei e coloquei fogo.
     
– Onde está Katherine? – indaguei preocupada.
    
– Não sabemos. Ela conseguiu se soltar e saiu, nos deixou aqui – respondeu Hadria.
     
– Puta merda, a gente precisa sair daqui logo – resmungou Eleanor.
     
Não tinha prestado atenção no fogo que eu havia colocado nas cortinas, estava se espalhando pelas paredes de madeira do chalé.
     
Ajudei as duas a se levantarem e saímos o mais rápido possível. Assim que já estávamos mais afastadas, o chalé se desmanchou em fogo.
     
– O que vocês fizeram com minha casa? – urrou o fauno alguns metros atrás de nós.
     
Zanya aproveitou a distração do fauno para o cercar com galhos e raízes. Ele tentou forçar algumas vezes e até cortar com as espadas. Mas via nos olhos de Zanya uma raiva estrondosa, o que deixava sua magia forte e resistente.
     
Corremos para longe daquele lugar e só paramos quando os urros do fauno deixaram de ser audíveis.
    
– Puta merda que porra foi essa – disse Hadria apoiada em seus joelhos.
    
– Espero nunca mais ter que correr tanto – disparou Mathew.
     
Rimos, mais de alívio do que por achar graça.
   
– O que foi? – disparou Hadria para o bruxo, que a encarava fixamente. Seus olhos brilhavam e podia-se ver estrelas dançando.
     
– É você – disparou, um pequeno sorriso se fez no canto de sua boca.
     
– Eu o que? – indagou Hadria.
    
O bruxo hesitou por alguns segundos, ainda a encarava.
      
– Você é minha parceira.

Coroa de Sangue: Uma Vingança | Livro 1 Onde histórias criam vida. Descubra agora