CAPÍTULO 21

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– Você está olhando esse mapa direito? – resmungou Mathew.

– Vamos discutir de novo sobre isso? – respondi, já entendi que ele não podia passar um minuto sem infernizar.

– Claro, quantas vezes forem precisas – retrucou com um sorriso.

– Estou, mas o caminho está estranho – falei – vejam.
     
Nos juntamos em volta do mapa, as linhas de caminho pareciam estar se mexendo, estavam em completa desordem.
    
– Mas que porcaria é essa? – questionou Eleanor, sua expressão mostrava completa confusão.
    
– Você leu o nome do lugar onde estamos? – indagou Zanya.
    
– Floresta alguma coisa, mas por quê?
   
– Talvez seja alguma magia – disse Zanya olhando ao redor.
    
– Confesso que já estou farta de tanta magia – declarou Eleanor.
     
Caminhamos um pouco mais a frente, na esperança do mapa voltar ao normal. Mas ficou cada vez mais confuso.
     
Ouvimos galhos se partindo atrás de nós. Passos curtos em folhas secas.
     
Um leprechaun. Sua aparência era pavorosa.
    
– Olá – disse ele, aparentemente animado
    
– Oi – respondemos em uníssono.
    
– O que os trazem aqui? Não sabem que essa floresta é perigosa? E vejam só, logo amanhece.
    
– Acho que nós perdemos – respondeu Zanya.
     
Bati meu cotovelo contra o dela, não sabíamos o que ele queria, pode ser que se aproveitasse de pessoas perdidas.
     
– Ahh acham que se perderam – disse o leprechaun em tom surpreso, mas não deixei de notar sua boca se erguendo em um sorriso pequeno.
     
– Posso ajudar vocês a se encontrarem – prosseguiu – diga-me, aonde pretendem chegar?
      
O ser olhou para mim e Eleanor a espera por uma resposta. Mas não sabíamos se deveria contar.
     
– O que você vai querer em troca da ajuda? – perguntou Eleanor.
     
– Quero companhia para um café da manhã – disse ele, sorrindo.
     
– Mas ainda nem amanheceu – respondeu Mathew.
      
– Está quase, e pela cara de vocês, vejo que estão sem dormir há horas. Imagino que estejam cansados e com fome, certo?
      
Sim, havíamos virado a noite. Tudo aquilo acontecera em um único dia. Mas parecia muito mais. Pierre nos deu cerca de 2 semanas para concluir a tarefa, pelo menos vamos terminar bem antes. É o que eu espero.
     
– Tudo bem, nós o acompanhamos no café da manhã – falei. Meu estômago estava com um nó gigante, não sei se de medo ou pavor.
     
– Ótimo, me acompanhem.
      
Fomos para uma direção diferente da que estávamos indo. Zanya apertava minha mão contra seu corpo, pude sentir a tensão que emanava.
      
Caminhamos por alguns minutos, o céu estava um azul escuro, clareando aos poucos. Estaríamos todos mentindo se dissesse que não estamos cansados.

Hadria e Mathew apoiavam o corpo um no outro. Zanya, Eleanor e eu estávamos também nos apoiando, quase caindo.
    
– Aqui, chegamos – avisou o leprechaun.
      
Era uma cabana minúscula, menor que o chalé do fauno.
     
– Pequeno, eu sei, mas vão se surpreender – disse ele e logo soltou uma gargalhada.
     
Por fora, a cabana tinha as paredes de madeira podre tomadas por musgos e plantas, não era muito convidativo. Por dentro, também não era muito agradável. O cheiro era de algo podre, havia moedas de ouro espalhadas por toda cabana e pequenos animais entalhados nas paredes.
      
– Onde está a coisa que nos surpreenderia? – disse Hadria erguendo uma de suas sobrancelhas.
      
– Estão vendo, aqui fica meu castelo. Sintam-se à vontade – disse a criatura. Ele estalou os dedos e apareceram dois sofás grandes para nos sentarmos.
      
– Vou preparar algo para comer – falou indo em direção a uma portinha minúscula.
       
Ficamos sentados lá por alguns minutos. Hadria, Mathew e Zanya não aguentaram e acabaram cochilando. Não os chamei.
      
– Espero que esse leprechaun esteja mesmo falando a verdade – começou Eleanor – estou morta de fome e cansada. Precisamos chegar naquele reino logo. Sei que vamos ter que lutar contra aquele povo que está atacando, mas pelo menos nos darão tempo para comer e colocar roupas mais adequadas, eu suponho.
      
Respirei pesadamente, eu também estava cansada e com fome, contava os passos para chegarmos logo.
      
– Também espero que ele esteja falando a verdade, não quero ter que matar ou prender mais alguma coisa.
      
– É, nem eu – rimos anasalado e ficamos em silêncio.
     
A cada momento que passava, mais eu pensava em Katherine.
      
– Estou preocupada com Katherine. No meio dessa floresta, sozinha… sem alimentos e nem nada. Sei que ela pode se virar e sabe fazer isso muito bem, mas ela é minha amiga, minha irmã. Fico preocupada – falei, não esperava por uma resposta, mas Eleanor prosseguiu:
      
– Ela provavelmente achou um lugar para se esconder. Katherine é esperta. Poderíamos perguntar ao leprechaun, ela deve ter passado em frente a essa cabana.
      
– Acho difícil… mas não é impossível.
      
Ouvimos um barulho de porta se abrindo e vimos o leprechaun saindo de lá com duas bandejas, uma com xícaras de chá e outra com bolos e pães frescos.
      
Cutuquei os pés dos três dorminhocos.
     
– Mas que falta de respeito dormir na casa dos outros sem convite – brincou Eleanor. Rimos alto.
    
– Foi só um cochilo – retrucou Hadria.
     
– Tudo bem, vamos comer – disse, me aproximando da pequena mesa. A criatura ajeitou mais algumas cadeiras para caber todo mundo, ficamos todos espremidos.
     
Comemos em silêncio, estávamos famintos.
     
– Me conte, Maya, Rainha do Reino das chamas. Para onde estão indo? – quis saber o leprechaun. Me assustei quando disse meu nome e me chamou de rainha, eu não havia dito nada.
      
– Como sabe meu nome? – indaguei.
      
– Sei de muitas coisas, garota das chamas. Sei que possui três poderes e descende de bruxas. Embora não seja uma, tem o sangue de sua mãe correndo por suas veias. O que a torna uma jóia muito, muito valiosa. Conheci seu pai, era um ótimo homem. Foi feliz enquanto esteve junto de sua mãe, só foi embora porque não aguentou a mentira dela. Mas ele teria sido um ótimo pai.
       
Meu coração se apertou com aquilo. Nunca conheci meu pai e sentia muita falta de minha mãe. Hoje em dia eu já lidava melhor com isso, mas ainda sentia falta dos momentos bons.
      
– Agora me diga – prosseguiu – para onde estão indo?
      
– Achei que soubesse de tudo – falei em tom de ironia.
      
– Minha rainha, falei que sabia de muitas coisas, não de tudo – disse ele soltando uma risada alta.
      
– Não sou rainha – falei – perdi o título depois da guerra. Não sou nada agora.
      
Ele me observou com atenção por alguns segundos.
      
– Você é muitas coisas, Maya, só ainda não sabe disso. Vejo uma força crescendo dentro de você, tão feroz quando suas chamas. Pode ser qualquer sentimento: raiva, tristeza, saudade… amor. Basta apenas colocar cada item no seu lugar para não acabar queimando os que estão à sua volta. Não se exalte na hora da vingança, pode prejudicar mais a você do que a outra pessoa.
     
Eu o encarava com atenção, não conseguia mais comer. Eu sentia o que ele falou e sentia uma raiva quase explodindo. O nó na minha garganta começou a ficar maior. Eu queria chorar. Chorar tudo o que não chorei durante esse tempo. Me permitir sentir… mas não agora.
     
– Pedi para que viesse comer algo comigo porque me sinto sozinho nessa floresta. Minha aparência não é nem um pouco confiável e minha cabana não é convidativa. Se tivessem me dito que não queriam me acompanhar, eu diria tudo bem e lhes daria a direção para onde seguir. Mas vocês aceitaram vir. Receosos, mas aceitaram. Talvez por estarem famintos, por quererem sair logo dessa floresta, o que é muito compreensível, é um milagre estarem vivos.
      
Meus amigos e eu nos entreolhamos, não tínhamos muito o que dizer.
      
– Quando acabarmos o que temos para fazer, voltaremos aqui para lhe ver – disse Eleanor – não precisa passar o resto de sua vida sozinho.
      
O leprechaun assentiu e sorriu para Eleanor, tinha um certo carinho e agradecimento em seus olhos.
      
– O caminho mais rápido para chegar ao Reino de gelo, é chegar ao rio e seguir para o norte. A correnteza do rio vai ajudar vocês, ela leva na direção do reino de gelo. 
      
– Reino de gelo? – questionei – não fomos informadas do nome do reino.
      
– Então provavelmente não trouxeram agasalhos. Para a sorte de vocês, Rei Conrado e Rainha Diana são bem receptivos e tem uma bondade enorme. Não ficarão incomodados de lhes darem roupas grossas.
      
– Tá bom, mas como você sabe que estamos indo para esse lugar? – perguntou Hadria.
      
– Acho que a Rainha Maya tinha razão ao dizer que eu sabia de tudo – disse ele, colocando um pedaço de pão com manteiga na boca e bebericando seu chá.
     
Comemos tão bem que quase não saímos da mesa. Agora tínhamos um caminho para o Reino de gelo, um mapa correto e um estômago cheio.
      
– Obrigada por isso – falei para o leprechaun.
      
– Eu quem vos agradeço, não passei meu começo da manhã sozinho, isso é bom.
      
Sorri para ele e sai porta afora.
      
– Mais uma coisa – falei – você por acaso não viu uma mulher passando por aqui, que parecia estar meio perdida.
      
– Por acaso, seu nome seria Katherine Miller?
     
– Sim, essa mesmo – disparei, havia esperança em minha voz.
      
– A vi, ela estava procurando por algo, mas não sei o que é. Ofereci comida e água a ela, mas recusou e saiu pela floresta. Foi para aquela direção – disse o Leprechaun, apontando para o lado esquerdo da cabana. Não iríamos por aquele lado. Mas ainda estaríamos à sua procura.
      
– Lhe peço para que tome cuidado com ela – continuou ele – a traição vem de quem menos esperamos.
     
O encarei confusa, o que ele estava querendo dizer? Acabei não dando tanta importância, precisávamos ir.
      
– Bom, muito obrigada. Até outro dia – falei sorrindo para ele.
       
– Até logo, Rainha Maya. Espero que consiga achar o que tanto procura, para poder voltar ao encontro de seu parceiro.
      
Parceiro.
     
– O que você falou? – indaguei, meus olhos se arregalaram.
     
– Ah, então você não sabe? – perguntou o leprechaun com meio sorriso.
     
– Me fale – ordenei.
    
– O Rei de Brishighet, é seu parceiro, Maya Hanover. Seu igual de todas as formas.
      
Parceiro. Pierre é meu parceiro.
      
Cambaleei para trás, sem acreditar no que ouvi.
     
– Por que eu acreditaria em você? – perguntei.
     
– Porquê eu não posso mentir. Se eu ao menos pensasse em falar uma mentira, por menor que fosse, teria morrido. Morreria engasgado com a própria língua.
      
Já havia ouvido falar sobre algumas criaturas da floresta não poderem mentir.
      
Então é verdade, Pierre é meu parceiro.
     
Fui tomada por um misto de sentimentos: uma alegria estrondosa. Uma confusão estranha. A raiva por ele ter escondido isso de mim. A dúvida do por que ele não me contou.
      
A palavra parceiro não saía da minha cabeça. Eu precisava ver Pierre. Queria ele aqui para me dar uma explicação, para lhe abraçar, mas acima de tudo para xingar até a quinta geração.

Coroa de Sangue: Uma Vingança | Livro 1 Onde histórias criam vida. Descubra agora