1 capítulo

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Miami, Florida, EUA, 1940

Andava por uma velha ferrovia em direção a minha casa, sentia o suor descendo por minhas costas, mas não podia me atrasar seria mais um motivo para um castigo. Pela manhã quando saí de casa não fui para a escola, fiquei andando pelos trilhos de trem até dar a hora de voltar para casa.

Me sentia nervosa, sem querer tropecei e sujei minha roupa, como sabia que meu pai era muito rigoroso, provavelmente brigaria por ser tão atrapalhada, passei a mão novamente pelo meu casaco tentando tirar a sujeira que ainda estava lá.

Suspirei quando cheguei na porta da minha casa, tentei esconder as manchas na minha roupa com os livros que carregava, com dificuldade abri a porta e entrei, estava em

silêncio então aproveitei para seguir até meu quarto. Guardei meus livros e tirei a roupa melada levando para lavar.

- Deixe isso aí, isso é obrigação de uma mulher - Me assustei com a voz do meu irmão mais velho.

- Bom, eu sou uma mulher! - Murmurei olhando-o.

- Não fale asneiras! - Puxou meu braço me afastando das roupas que iria lavar - Você não é uma mulher, entenda isso de uma vez. - Saiu me arrastando até a sala onde estava toda minha família e a família do meu amigo.

- Olha quem chegou, meu garoto. - Meu pai falou se levantando e se aproximando - Olhe manuel, logo ele estará um grande e forte homem - Falou batendo no meu ombro. Olhei para Lucca meu melhor amigo, ele suspirou e negou com a cabeça.

- Está muito bem, só acho que deveria cortar esse cabelo. - Manuel falou e bagunçou meu cabelo.

- Bom, O Pierre e eu vamos caçar coelhos - Lucca falou rapidamente se levantando, logo nossos pais voltaram a falar de como a guerra estava indo.

Saímos da minha casa em silêncio e começamos a andar para a velha ferrovia que era nosso lugar favorito.

- Meu pai não cansa de entrar nesse assunto de cortar cabelo - Falou indignado e chutou um pedra.

- Não sei quando tempo ainda vou conseguir manter meu cabelo grande - Murmurei me equilibrando nos trilhos.

- Você já conseguiu convencer ele uma vez não pode fazer de novo? - Lucca começou a repetir meus movimentos se equilibrando também, mas do outro lado.

- Apanhei muito, não quero passar por aquilo outra vez - Ele me olhou e assentiu.

- Você está certa!

Eu sei, sempre estou - Murmurei divertida.

- Convencida - Me empurrou, fazendo-me sair
dos trilhos. Soltei uma risada e me abaixei arrumando minha meia, logo me levantei e olhei ao redor franzi o cenho quando não vi Lucca.

- Priscila! Vem aqui - Ouvi sua voz vindo das árvores ao lado. Segui até lá e ele estava apoiado em uma cerca um pouco velha.

- Tá fazendo o que aqui?- Subí na cerca.

- Olha aquela casa! - Olhei para onde ele apontava e tinha um casa distante.

Será que é abandonada?

- Não parece - Forcei a vista para enxergar melhor.

- Quer ir lá? - Subiu na cerca ficando sentado com uma perna de cada lado.

- Vamos! - Repeti seus movimentos. Descemos da cerca e fomos nos aproximando da casa, olhamos em volta da casa e parecia vazia, Lucca tentou abrir a porta mais estava trancada, ouvimos um barulho e nós escondemos quando vimos um carro se aproximando.

- Priscila corre! - Lucca puxou meu braço e saímos correndo para sair de perto da casa, olhei para trás enquanto corria e vi uma mulher parada nos olhando.

Quando estávamos novamente na ferrovia paramos tentando recuperar o ar, deitei as costas nos trilhos e abri os braços suspirando.

- Bom, abandonada a casa não está - Falei
colocando o braço por cima dos meus olhos.

- Quase invadimos uma casa - Lucca deitou a cabeça na minha barriga - Uh! Se nossos pais ficarem sabendo disso, a surra que vamos levar vai ser horrível.

Começamos a rir, empurrei sua cabeça e me levantei.

- Quem chegar por último no trem, vai da o presente mais caro no aniversário de 17- Falei e comecei a correr em direção ao trem abandonado.

- Isso não vale! - Lucca gritava correndo atrás.

Obviamente eu ganhei e fiquei rindo da cara emburrada de Lucca, ele até tentou fazer de novo, mas inventei que estava com a perna doendo.

- Minha mãe disse que toda mulher ama usar vestido, você não sente vontade de usar um? - Meu amigo perguntou virado de cabeça para baixo me olhando.

- Eu tenho vontade, mas nunca que meu pai deixaria - Fiquei também de cabeça para baixo - Pra ele homem só pode usar calça.

- Já usei um vestido da minha mãe quando eles saíram para casa de uns amigos - Falou tirando as pernas do encosto do assento do trem.

- Como é? - Perguntei tirando minhas pernas também.

- É legal - Se levantou - Me senti livre. - Falou rodando seu vestido imaginário.

- Parece muito legal - Olhei para minhas calças, sorri e me levantei também rodando o vestido invisível.

Quando já estava anoitecendo saímos indo em direção à nossa casa, éramos vizinhos de rua, Lucca se mudou da sua cidade quando a guerra começou e logo nossos pais ficaram amigos e nós também.

Normalmente passávamos a tarde toda juntos e quando anoitecia voltávamos para casa, sempre dizíamos que estávamos fazendo alguma coisa que eles faziam, coisas de homem.

Lucca era o único que me tratava como mulher o que agradecia, porque não me sentia um homem, era a única filha mulher, mas meu pai não aceitou isso principalmente quando não nasci totalmente mulher, minha mãe contava que teve complicações na gravidez e acabei nascendo com um órgão masculino. Em todo esses dezesseis anos de vida nunca fui tratada como uma mulher pela minha família e nem por ninguém, fui registrada como Pierre Michael Caliari, mas sentia que meu nome era Priscila então para todos era Pierre, mas para mim e Lucca era Priscila.

Meu amigo no começo ficou confuso por todos se referir no masculino comigo, sendo que eu era mulher, depois de explicá-lo ele entendeu perfeitamente e começou a me ajudar.

- Tchau Priscila, até amanhã - Lucca falou e saiu correndo para sua casa. Acenei com a mão para ele e entrei na minha casa.

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