Trancada naquele quarto eu não podia fazer nada, e nem tinha pra onde ir, o que me restava era só sonhar que uma hora eu milagrosamente saísse de lá. Havia uma janela naquele quarto mas estava fechada obviamente e a única visão que eu tinha era daquele lago congelado imenso, andava de um lado pro outro, cada vez mais apavorada com a ideia de ser isca de dragão. Tudo que eu havia descoberto sobre Dylan e Jason era extraordinário, mas ao mesmo tempo assustador, tinha medo de que eles se envolvessem em perigo por virem me salvar, mas também de algum jeito eu me sentia aliviada, se a lenda dos dragões fosse realmente verdade então significava que eu estaria bem segura nas suas mãos. Mas eu temia a maldição que pairava sobre eles.
Quanto a lúcifer, descobrir que eu era uma peça naquele seu plano psicopata era apavorante, ser usada pra atrair meus amigos e para ele se vingar de Azazel ao mesmo tempo, era um plano de um gênio ou de um louco obsessivo. Ele tinha minha família como refém, se eu por acaso abrisse minha boca para Azazel seria o fim deles, ao mesmo tempo eu pensava se isso não seria a solução, se Azazel realmente me considerava sua filha ou até mesmo me amasse ele se oporia ao seu plano maluco mas a dúvida estava me matando. Lúcifer não queria apenas usar Dylan e Jason, também queria ao mesmo tempo se vingar de Azazel por tê-lo abandonado em uma hora crítica, o que pessoalmente eu faria o mesmo se uma pessoa me iludisse me prometendo algo, não cumprisse e ainda me fizesse virar um criminoso de guerra. Não, eu não podia arriscar, ele podia estar me observando naquele exato instante pra ter certeza de que eu não daria com a língua nos dentes, então pra resumir, eu estava em um beco sem saída e cercada e a única chave de escapar era seguir o roteiro.
Antes que eu continuasse tendo minhas paranóias, alguém bateu na porta da minha cela, quer dizer quarto. Abri e lá estava meu anjo caído da guarda.
- Ah, Abbadon, em que posso te ajudar ? - perguntei.
- Senhorita, perdoe o incômodo, lorde Azazel requisita sua presença na mesa de banquete. - ela disse, ela estava mais respeitosa comigo, nem parecia aquela que me chamou de dorminhoca mais cedo.
- Minha presença ? - não era um bom sinal. - Ele te disse o que quer comigo ?
- Infelizmente não. - ela disse. - Então, podemos ir ?
Eu concordei e nós fomos, caminhamos pelo corredor até chegarmos na escada principal e a descemos.
Chegamos ao primeiro andar onde comecei a ver outras pessoas, fiquei aliviada por que estava começando a pensar que éramos os únicos naquele imenso castelo. Haviam pessoas guardado algumas portas, outras fazendo limpeza e outras simplesmente andando de um lado para o outro.
Algo me ocorreu e perguntei:
- São todos anjos caídos ? - perguntei.
Abbadon que estava à minha frente disse:
- Não, estes são demônios legítimos. - Abbadon respondeu. - Se quer ter a certeza disso, repare em seus olhos.
Segui seu conselho e observei os olhos, e me assustei, eram negros como uma pedra de obsidiana, e pareciam ser profundos como se lá dentro não existisse nada. Até fiquei um pouco intrigada pois eles usavam roupas comuns de humanos, os guardas de farda, os empregados de uniforme e o resto apenas com vestes normais.
- Eu pensei que eles fossem diferentes. - disse. - Que tivessem uma aparência menos acolhedora.
Abbadon riu baixo.
- Lorde Azazel temeu que você fosse se traumatizar se visse os demônios em sua real forma, por isso pediu a Lúcifer que mandasse os demônios assumirem formas humanas mais brandas.
Até que fazia sentido, mas quando disse isso comecei a ficar curiosa de como seriam os demônios em sua verdadeira forma.
- E quanto a você Abbadon ? - eu resolvi perguntar. - Como é a sua verdadeira forma ? Ou você é formosa assim mesmo ?
Nessa hora eu já estava ao seu lado, pude ver ela sorrindo, era bem fraco na verdade, mas ainda era um sorriso.
- Agradeço a sua gentileza. - ela disse. - Mas minha real forma é tão assustadora quanto as dos demônios.
Bem, não vou dizer que fiquei empolgada com aquilo, só que senti uma pequena faísca de curiosidade, será que era ofensivo pedir pra ver sua real forma ? Era melhor não.
Continuamos andando até chegarmos em uma enorme mesa de banquete onde lá estava Azazel sentado, lendo o que pareciam ser pergaminhos bem antigos, sentado em uma ponta da mesa. Abbadon pediu para que eu me sentasse na outra e aguardasse, depois disso ela se virou e foi embora.
Segui seu conselho e me sentei, reparei na mesa, haviam quinze cadeiras em cada lado e ela era feita de uma madeira escura e gravada com detalhes extremamente delicados, era idêntica a uma mesa medieval, provavelmente Lúcifer devia gostar da era medieval. Azazel continuava a estudar seus pergaminhos até que pareceu perceber que eu já estava lá.
- Ah ! Me perdoe, não reparei que havia chegado. - ele disse. - Quando estou estudando os pergaminhos antigos eu me perco totalmente.
Eu dei um leve sorriso tentando não parecer falsa.
- Sabe o porquê de eu te chamar aqui ? - perguntou.
- Nem imagino. - respondi.
Ele se levantou e veio em minha direção até parar a uns poucos passos de distância de minha cadeira.
- Você ficou trancada esse tempo todo, sem acesso à água ou à comida. O feitiço de Kokabiel provavelmente deve ter lhe ajudado, mas ainda assim você precisa se recarregar já que ainda é humana. Por isso aproveite. - ele disse isso estalando os dedos.
Num instante apareceu um banquete na mesa, só que não era de pratos chiques e refinados e sim de todo tipo que você encontra em lanchonetes. Haviam pizzas, hambúrgueres e batatas fritas, além de refrigerantes e até sundaes de chocolate.
Meus olhos se iluminaram na hora, não conseguia acreditar no que via.
- Isso tudo, é pra mim ? - perguntei incrédula.
- Sim, aproveite. - ele disse. - Conversei com Lúcifer e concordamos que já que está sendo usada apenas para atrair os dragões não teria a necessidade de lhe negar um certo conforto. Além disso, providenciei que haja um toalete em seu quarto para que possa se limpar.
Fiquei pensando como eles iriam simplesmente colocar um banheiro inteiro no meu quarto ? Resolvi não refletir muito, afinal de contas eu estava no inferno repleta de anjos e demônios que queriam as cabeças dos meus amigos dragões. Ele se afastou e voltou a se sentar em sua cadeira com seus pergaminhos.
E eu me concentrei apenas em comer, eu havia ficado com tanto medo de ser morta por algum anjo caído ou demônio que eu nem parei pra pensar que era mais fácil eu morrer de fome ou sede, e Azazel tinha razão, eu não tive fome ou vontade de ir ao banheiro desde que havia chegado lá, o que era bem estranho na verdade. Tá voltando pro assunto da comida, eu estava devorando uma pizza, metade quatro queijos e metade calabresa com um enorme refrigerante, eu dava uma mordida na pizza e depois em um hambúrguer ou qualquer outra coisa que eu via pela frente e sem contar que os sundaes estavam incríveis.
Enquanto me comportava como um animal selvagem em seu almoço, Azazel me observava, parecia na verdade estar me estudando. Sua expressão parecia dizer que ele estava se lembrando de alguém.
- Ahh me desculpe. - eu disse. - É que tudo está tão maravilhoso e...
Ele riu exibindo aqueles vibrantes olhos violetas como se fossem dois cristais de ametista.
- Não precisa se preocupar. - ele disse. - É que ver você assim, se alimentando, me lembra muito uma certa humana que eu conheci há alguns anos enquanto passava por haled, digo a dimensão humana. Me esqueço às vezes que os mortais não conhecem os termos da criação.
Haled ? Sim, eu estava me lembrando, tava naquela história maluca que ele enfiou na minha cabeça, quanto a humana que ela mencionou, será que poderia ser a minha mãe ?
- Sério ? - dei um risinho meio nervosa. - Ah nós mortais somos todos iguais, não temos muita diferença.
Ele levantou uma sobrancelha com desdém.
- Não, essa era diferente. Diferente de todos os humanos que eu já vi em minha vida. - ele disse. - Ela era obstinada, focada e ao mesmo tempo livre como uma rajada de vento. E ela tinha um brilho em seu olhar, era inapagável, era reluzente, reluzente como seu nome. Engraçado que quando olho em seus olhos vejo esse mesmo brilho.
Eu havia me petrificado, ele não podia nem ao menos desconfiar quem eu era.
Resolvi tentar distrair ele pra que não focasse tanto em mim.
- Bem, eu não sei. - disse. - Mas e quanto a essa mulher, se gostava tanto assim dela, por que não está junto dela agora ?
Era minha chance de descobrir a verdade. Ele parecia ter se enraivecido, fechou a cara.
- Você é bem curiosa em. - ele disse. - Por que eu contaria isso a você ?
- Me-me desculpe, eu não queria te irritar, simplesmente saiu da minha boca sem querer. - disse apavorada.
Ele deu um leve riso.
- Não se preocupe. - ele falou. - Na verdade eu gosto de pessoas assim, sempre querendo saber de onde vem ou como funcionam as coisas. É assim que a humanidade evoluiu tanto.
Soltei o ar do peito aliviada.
- Está bem, já que quer saber eu irei lhe contar. - ele falou isso e eu foquei na mesma hora, eu não queria perder nenhum detalhe sequer. - Começou a muitos anos atrás, eu recebi um pedido de socorro de um soldado na França, disse que havia sido capturado por magos celestiais, os lacaios dos anjos. Quando cheguei lá rastreei sua aura até um bairro afastado, mas por descuido eu acabei caindo em uma armadilha preparada pelos magos e por anjos e pior de tudo, dois de meus irmãos estavam os ajudando, Gabriel e Azrael.
Esses nomes, os mesmos nomes que eu escutei no meu primeiro sonho maluco, onde Lúcifer e Azazel tramavam suas vinganças. E Azrael, era o nome do anjo que ele matou !
- Me desculpe por interrompê-lo. -disse. - Estes dois, eles não são arcanjos ?
Ele fixou os olhos em mim, havia raiva neles e sua iris se acendeu.
- Você está certa, eles são um dos sete arcanjos a qual eu um dia fui parte. - ele falou. - A diligência e a castidade de Deus. Mas como ia dizendo, fui encurralado e preso por meus próprios irmãos, imploraram para que eu não resistisse, mas não podia, se fosse capturado ia ser torturado para que entregasse segredos e meus companheiros. Resisti e consegui me libertar, mas por causa disso tive que enfrentar meus irmãos, foi uma luta incrível, quase destruímos um quarteirão inteiro no processo.
Seria essa vastidão do poder dos arcanjos, ou será que eles estavam se segurando pra não ferirem ninguém inocente ?
- No final eu fiquei extremamente ferido, quase morri, apesar disso consegui despistá-los e fugi como um covarde. - ele dizia isso e seus olhos pareciam fundos, sua consciência parecia tê-lo transportado para aquele dia em específico. - Acabei despencando em uma catedral em Paris, minha casca estava toda arrebentada e meu espírito ainda pior, pensei que ali iria ser o meu fim, abandonado e largado em meio a tanto sangue. Mas aí houve uma pequena fagulha de esperança, uma humana veio em meu socorro enquanto estava agonizando, uma noviça em treinamento, eu disse a ela quem eu era que devia se afastar de mim para não arrumar problemas, mas ela não me ouviu. Ela me também me disse quem era e ao que servia e me impressionei com aquilo.
Minha mãe sempre foi uma pessoa corajosa, não importava quem fosse, ela sempre estava disposta a ajudar.
- Eu imagino que ela deve ter sido bem teimosa. - perguntei pois sabia que ela era exatamente assim.
Ele riu de novo.
- Nossa e como foi. - ele disse. - Mesmo assim ela me ajudou, me levou até um quarto escondido de todos e usou sua magia para me curar, já que também era uma maga celestial.
Minha mãe era uma maga !? Tá aí uma coisa que eu nunca imaginaria da minha mãe, uma serva da igreja como ela era, uma pessoa simples, minha mãe era a pessoa mais normal do mundo, e ao mesmo tempo era algo extraordinário ?
- Ela conseguiu me curar de todas as minhas feridas, até que um dia eu resolvi ir embora. Já estava saudável e não corria mais risco de vida, além disso, quanto mais eu ficava lá, maior era o risco de ser descoberto e de ela ser acusada de traição, eu estava me preparando para agradecê-la e partir quando tudo deu errado.
Estava chegando a um momento crítico, ainda não entendi muito bem o porquê de ele estar me contando tudo isso, mesmo que eu tenha pedido é claro, ele parecia sofrer enquanto falava.
- Ela veio correndo em minha direção dizendo que eu devia fugir pois haviam me descoberto, eu disse a ela que devia vir comigo pois a acusariam de traição e poderiam puni-la seriamente por isso mas ela recusou. Até que o lugar onde estávamos foi invadido por magos celestiais e eles disseram para me entregar pois estavam em maior número, eu apenas ri, disse a eles que poderiam ser cem deles que ainda não dariam conta de mim, por isso eles apelaram para a chantagem, disseram que se eu não me entregasse ela iria sofrer no meu lugar. Eles ainda se dizem servos de Deus. Eu fingi concordar e quando eles a soltaram eu os enganei, matei quem estava por perto, a agarrei e levei para longe dali. Disse a ela que agora ela seria considerada uma fugitiva e não podia mais ser quem era antes. A levei até uma casa mais afastada da cidade e deixei ela lá, eu vinha todo dia ver como ela estava, pra me certificar que estava bem. Nisso começamos a ficar mais próximos, a criar uma conexão, até que um dia eu me encontrei com um dos meus inimigos que outrora chamei de irmão, Gabriel.
Minha mãe carregou isso dentro dela por todos esses anos ? Era uma história de amor proibido que teria um fim trágico aposto.
- Ele tentou fazer mal a vocês ? - perguntei.
Seu rosto continuava abatido, mas ele rapidamente respondeu.
- Não, ele só queria conversar naquele dia. Me disse que eu não podia continuar me encontrando com aquela humana, que seria perigoso pra mim e pra ela, que mesmo sendo inimigos agora ele ainda me amava como seu irmão. Eu falei que iria me afastar e cumpri, disse isso a ela, que surpreendente foi muito compreensiva e entendeu tudo. Um mês após aquilo eu recebi um pedido de socorro vindo de um amuleto de emergência que deixei com ela, chegando lá eu me espantei, novamente Azrael estava lá com seus malakins os anjos ceifeiros, mas o que me surpreendeu em isso tudo foi ver uma pessoa que havia me traído segurando ela com uma espada em seu pescoço, novamente Gabriel. Eu perguntei a ele por que estava fazendo aquilo tudo, disse que havia me afastado como tínhamos combinado mas ele não demonstrou piedade, disse apenas que viu uma oportunidade e a aproveitou. Azrael tentou novamente me convencer a me entregar para que eu pudesse dar finalmente um fim à rebelião dos caídos, mas eu recusei obviamente e depois eu e Azrael acabamos lutando.
- Nunca imaginei que um arcanjo pudesse ser capaz de fazer isso. - eu disse.
- Arcanjos são tão perversos quanto os homens, a diferença é que eles podem fazer isso em nome de Yahweh. - ele respondeu. - Enquanto lutávamos, Gabriel continuava a se gabar e me ameaçar com ela, disse que eu havia caído mais fundo do que Lúcifer, que estava esquecendo todos os princípios sobre ser um anjo. Até que chegou o momento crucial da batalha, eu enganei Azrael e consegui desarma-lo, disse a Gabriel que se ele soltasse-a eu esqueceria tudo e ficaríamos em paz. Ele acabou recusando, Azrael se ergueu tentando me golpear pelas costas mas meus instintos me avisaram e eu...
Eu já sabia a resposta, na verdade eu já sabia há um tempo, eu sei que foi em legítima defesa e Azrael teve uma atitude covarde tentando o golpear por trás, mas isso não tira o fato de que matou Azrael, um irmão matando a outro, isso não deveria acontecer.
- Não foi sua culpa. - eu disse. - Você não teve a intenção e seu instinto lhe avisou de um perigo.
Ele enxugou algumas lágrimas e prosseguiu.
- Agradeço pelas suas palavras. Eu tento acreditar nisso todos os dias depois que aquilo aconteceu. - acho que ele estava chegando em seu limite. - Gabriel se assustou com o que eu havia feito, ele se acovardou, largou ela para trás dizendo que eu havia me transformado em um monstro, que tinha deixado de ser seu irmão. Eu chorei muito naquele dia, mas ela me reconfortou, disse o mesmo que você na verdade. Assim que partiu eu fui em direção a Azrael e o segurei em meus braços, ele quase morto me disse que eu havia enfim mostrado quem eu era de verdade, após isso ele morreu em meus braços, seus malakins levaram seu corpo desfalecido embora e não tive mais notícias. Depois disso eu me afastei de vez dela sem nem me despedir, achei que se fizesse isso os anjos teriam certeza de que eu rompi todo o tipo de laço que eu tinha com ela e a deixariam em paz. Nessa hora ela não reagiu bem, e estava certa, eu fui um fraco, devia ter levado ela e declarado guerra a qualquer um que interferisse em nossa relação, mas eu senti que era o certo a se fazer.
- Então a deixou ? - perguntei. - Mesmo sendo o melhor pra ela, acha que foi o melhor pra você ?
- Não sei te dizer. Sabe, às vezes precisamos fazer escolhas que nos magoem ou que destrocem nossos corações para que alguém possa ter uma vida feliz. - ele disse.
Sacrificar sua vida por alguém é a maior prova de amor que se pode expressar, eu achava que meu pai era um monstro de asas negras, mas na verdade era apenas um ser destroçado pelas escolhas que fez.
Eu tinha terminado de comer e ele de contar a história, então achei que fosse melhor eu me retirar pois não queria ser inconveniente.
Me levantei da cadeira e disse:
- Eu agradeço pela refeição e acho que já é hora de de eu me retirar. - falei. - Poderia chamar Abbadon por favor ?
Ele se levantou também.
- Você tem razão, também devo me retirar pra estudar melhor os pergaminhos, Abbadon por favor se aproxime. - ele disse.
Ela veio calmamente e se apresentou na porta.
- Lorde Azazel. O que deseja ?
- Leve a garota humana de volta ao seu quarto até que eu decida vê-la de novo. - ele disse.
Abbadon concordou e sinalizou para que eu fosse com ela e quando me virei para ir eu escutei ele dizer uma última coisa.
- Eu me enganei, sabia ? - falou. - Esse seu brilho no olhar, não era dela que eu me lembrava.
Eu me virei e respondi.
- Bem, se não era com ela então com quem seria ? - perguntei.
Ele parecia diferente, se apoiou na mesa e disse :
- Com uma pessoa que eu amei tão intensamente quanto ela, uma que tem parte de mim dentro dela, a minha própria filha !
Ele então voltou a se sentar na mesa e estudar os pergaminhos antigos. Enquanto a mim ? Eu senti uma bomba caindo diretamente no meu peito, mas eu sabia que aquilo era como um teste, eu poderia simplesmente falar e acabar com tudo ali mesmo, mas não sabia o que poderia acontecer com minha mãe, o risco era alto demais e então eu simplesmente me virei e segui caminho com Abbadon.
Enquanto andávamos eu sentia lágrimas se formarem e fui as enxugando. Abbadon reparou e disse:
- Está tudo bem ? - ela perguntou. - Houve alguma coisa enquanto estava lá ?
Eu levantei a cabeça e disse:
- Não, está tudo bem na verdade. - disse. - É que eu sou bem emotiva com esse tipo de história.
Abbadon pareceu triste com aquilo.
- Lorde Azazel sofreu muito quando teve que deixar essa humana, ele se sentia ainda pior por ter matado um irmão para protegê-la. - ela explicou.
Resolvi arriscar e perguntei:
- E quanto a essa filha ? Nunca tiveram notícias dela ? - disse.
Ela pareceu ficar desconfortável com aquilo.
- Nós nunca procuramos ter notícias dela ou de sua filha, alguns acham que os Iscariotes os encontraram e os prenderam.
- Iscariotes ? Quem são esses ? - eu disse.
- A divisão que faz o serviço sujo do Vaticano, eles caçam e punem qualquer coisa relacionada a magia que sai fora da linha. - seu tom de voz se tornou sério. - São uns hipócritas sem coração, disseminando o mal em nome da igreja.
Nós continuamos andando e eu resolvi não perguntar mais nada, ela parecia já estar bem desconfortável com aquilo tudo, mas algo ainda me deixava curiosa.
- São tão terríveis assim ? - eu disse.
- Acredite são. - ela falou. - Muitos de nós já tiveram relacionamentos com os mortais e muitos acabaram tendo filhos com eles, e os Iscariotes vieram atrás de cada um deles, alguns foram presos e usados pela igreja, já outros, tiveram suas curtas vidas encerradas.
Segui em silêncio, crianças sendo punidas pelos pecados de seus pais ? Isso não era certo, eram inocentes, não mereciam isso, e ainda tinham aqueles que foram escravizados. Será que eles poderiam vir atrás de mim depois disso tudo ? Fiquei com medo dessa ideia.
- Abbadon o que pode me dizer sobre os nephilins completos ? - perguntei.
Ela de repente parou, como se eu tivesse perguntado algo de errado.
- Como você sabe sobre os nephilins completos ? - ela perguntou.
Eu paralisei como uma estátua, havia cometido um grande erro. Se eu não desse uma resposta convincente eu estaria condenada.
- Na-na verdade eu escutei alguns servos comentarem por aí. - droga, não consegui pensar em nada melhor.
Abbadon se virou e parecia confusa.
- Isso é bem estranho de se ouvir por aí na verdade. - ela disse. - Mas já que me perguntou eu respondo, eles têm a capacidade de serem tão poderosos quanto o anjo que o concebeu, às vezes podem até superá-los, mas esse tipo de nephilim é extremamente raro de se encontrar.
- Defina raro. - eu disse.
Ela sorriu e disse.
- Falando em termos que você entenda. - ela disse. - Mais raro do que encontrar uma barra de ouro em um ferro velho.
Uau então será que eu era tão especial assim ? Podia ser esse um dos motivos que Lúcifer me queria além de sua vingança.
Resolvi não dizer mais nada para não me arriscar mais.
Mas antes mesmo que pudesse refletir sobre isso Abbadon disse algo que me trouxe esperança.
- A propósito, devo lhe informar que seus amigos já se encontrão em frente aos portões do sheol, os guardas acabaram de nos notificar.
Dylan e Jason já estavam no inferno ? Ou seja o plano de Lúcifer logo estaria sendo concretizado, mas eu torcia para que algo de errado ocorresse, se dependesse daqueles dois idiotas com certeza iria acontecer. Minha única opção era ter fé.
Assim chegamos ao meu quarto, agradeci Abbadon e entrei, assim que eu entrei notei uma mudança, algo que não estava lá antes, uma porta, e quando a abri vi o tal toalete que haviam me prometido e ele era enorme, o admirei por uns segundos mas logo fechei as portas e me sentei na minha cama. Comecei a digerir tudo aquilo que eu tinha ouvido, minha mãe salvou a vida de um rebelde divino, era uma maga e quase foi morta por um Arcanjo. Ela guardou isso dentro de si durante anos, todas as vezes que eu a questionei sobre quem era o meu pai, ela deve ter sentido o mesmo que eu sentia agora, um segredo preso na garganta, algo que se deixasse sair poderia arruinar tudo, eu agora te entendo mãe, queria que estivesse aqui pra que eu pudesse lhe dizer isso cara a cara.
Tive uma sensação esquisita, algo dentro de mim mudou, naquele momento me senti mais "mortal", seria o resultado dessa última conversa. Lúcifer tinha dito que meu poder nephilim havia sido selado por um mago poderoso, seria esse mago poderoso, minha mãe ?
Eu tinha todo esse poder dentro de mim e não conseguia manifestá-lo, talvez se eu o tivesse poderia me salvar e salvar a minha família, se no final tudo desse certo eu iria ter uma longa conversa com a minha família.
Eu continuei pensando em tudo aquilo até ouvir uma batida em minha porta, ela se abriu lentamente e me virei pra ver quem era, uma imagem sombria veio em direção a luz e revelou ser o próprio rei do inferno.
Eu congelei na hora, o que ele havia vindo fazer aqui ? Será que eu fiz algo de errado enquanto conversava com Azazel ? Dito algo que não deveria ter dito, ou pior, ele pode ter ouvido minha última conversa com Abbadon, eu estava condenada concerteza !
Ele entrou com todas aquelas enormes asas de morcego e estalou os dedos, a porta se fechou na hora e senti que a atmosfera havia mudado. Ele estava sorrindo maleficamente.
- Muito bem, sua atuação foi perfeita. - ele disse. - Achei que era melhor fazer um teste com você pra ver como reagiria com pressão. Ah não se preocupe, a sala está selada para que ninguém ouça nosso "papo".
Tudo bem eu estava a salvo, por enquanto, mas resolvi ser firme.
- O que você quer aqui ? - perguntei.
- Já não disse ? Só quero parabenizá-la, você já pensou em tentar a carreira no teatro ? - ele disse debochando. - Afinal, tendo uma mãe tão boa em mentir, concerteza deve ter herdado alguma coisa.
- Não tem o direito de falar da minha mãe. - disse.
Ele continuava dando aquele sorrisinho e eu tinha vontade de socar aqueles dentes perfeitos
- Seu pai continua sob minha influência até agora e nem sequer se deu conta, sua mãe está nas minhas mãos e você só sairá daqui se cumprir o nosso acordo. Se você for boazinha, posso até lhe dar um prêmio, mas se for levada, eu tiro tudo de você. - ele disse. - Por isso permaneça assim, e eu continuarei a observá-la e vigiar cada passo seu.
- Eu não quebro promessas. - eu disse. - Espero que não quebre a sua.
Ele sorriu e soltou um risinho.
- Uma língua afiada, gosto disso em você. Ouça, vou te deixar um presentinho. - ele estalou os dedos e um espelho de mão bem antigo apareceu em cima da minha cama.- O que é isso ? - perguntei. - Algum tipo de brincadeira ?
- Do contrário, já deve ter sido informada de que seus amigos já adentraram nos meus domínios, por isso quero que você veja-os lutar e se esforçarem tanto pra resgatá-la. Aproveite pra ver o que eles são de verdade. - ele falou.
- Isso por acaso é algum tipo de truque ? Provavelmente vai me mostrar imagens falsas pra tentar me enganar, não é? - disse.
- Eu não preciso disso garotinha, se eu quisesse poderia ter feito algo muito pior para lhe enganar. - dizendo isso virou-se de costas. - Aproveite o seu presente, ah e além deles tem outras coisas que pode ver neste espelho, mas vou deixar você mesma descobrir.
Ele estalou novamente os dedos e o ar da sala mudou outra vez, provavelmente deveria ser algum feitiço de privacidade que ele tinha conjurado antes para que Abbadon e nem ninguém ouvisse. Abriu a porta e saiu de lá triunfante.
Será que aquilo era outro teste ? Poderia ser um espelho que me mostrasse mentiras ou que me instigasse a revelar tudo a Azazel. Eu devia ao menos tentar usá-lo pra constatar se era verídico. Eu o segurei e disse:
- Mostre-me por favor Dylan e a Jason. - disse-lhe.
O espelho ondulou e uma espécie de neblina foi surgindo de dentro dele e revelando meus dois amigos, mas era bem difícil vê-los pois estavam cercados por uma escuridão, e havia outra coisa além disso, era enorme, com quatro patas cheias de garras e uma boca repleta de dentes e cheio de um pelo negro e espeço, e emanava um espécie de fuligem. Aquilo era um enorme cão infernal ?
Próximo a eles estava um ser tão horrendo quanto o cão, enorme com grandes asas de morcego e chifres, robustas pernas do que pareciam ser de bode e aparência demoníaca com escamas por todo corpo com uma cauda de réptil e portando uma enorme espada, aquilo era um demônio !?
Dylan estava usando uma roupa branca esquisita, segurando um arco e com uma aljava nas costas. Já jason usava uma roupa preta, que também era bem esquisita em suas mãos jazia uma espada. Os dois pareciam ter saído diretamente de um incrível mundo de RPG.
Será que eles podiam me ouvir ? E se pudessem ? Eu podia contar a eles os terríveis planos do rei do inferno, mas e se isso fosse mais um dos testes dele ? Não era arriscado demais, resolvi apenas observar o que aqueles dois idiotas iriam fazer. Reparei também que haviam outros dois com eles, também usavam roupas esquisitas, uma mulher que segurava uma reluzente lança e que também estava de branco e um homem com duas pequenas lâminas e que estava de preto. Ah, qual é ? Eles iam lutar ou brincar de xadrez ?
E havia algo em Dylan que eu não conseguia explicar, algo que me chamava, bem eu já tive uma quedinha por ele mas durou pouco tempo, só alguns anos na verdade. Mas dessa vez era diferente, não era ele em si, sentia que era algo que ele portava, mas o que era ?
Resolvi continuar olhando, estava com medo, é claro, eram meus melhores amigos e estavam se arriscando por mim. Como isso iria acabar ? Eu não fazia a mínima ideia.
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As Crônicas Dragonianas 1° A Prisão da Deusa
FantasyDylan e Jason eram garotos comuns que haviam acabado de se conhecer no colégio mas após ajudarem uma senhora eles descobrem que ela era na verdade um anjo caído que estava os caçando loucamente e sem entender a situação eles quase morrem por suas mã...