Sra. Uckermann

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• Pov Dul •

Suados e nus sob a cama nos rendemos. Eu estava cansada e pela sua respiração quente e ofegante em minha testa, eu sabia que ele também. Ele me envolveu em um abraço e me puxou para perto dele. Deitei a cabeça em seu peito e com a mão ainda trêmula, repousei-a em seu corpo. As mãos dele deslizavam pelas minhas costas nuas. As pontas dos seus dedos tocavam-me como se estivesse tocando uma rosa frágil, que a qualquer momento poderia se despedaçar. Respirei fundo.
Estávamos há alguns minutos em silêncio e um milhão de coisas se passavam em minha cabeça. Meu coração, antes acelerado, aos poucos foi acalmando-se e deixei-me aninhar perto dele. Minha perna estava jogada por cima das suas e ele mantinha a outra mão em minha cintura pressionando-a levemente como quem dissesse "Estou aqui e não vou te soltar". Era uma sensação familiar e ao mesmo tempo tão estranha... Eu não sabia explicar o que tudo aquilo significava.
Minha pele queimava a cada toque dele e ao mesmo tempo arrepiava-se como se meu sangue resfriasse dentro das veias.

Ucker: No que está pensando?
Dul: O quê?

Ele levou uma mão ao meu queixo e ergueu minha cabeça para que ficasse a altura dos seus olhos. Acariciou meu rosto e um sorriso escapou dos seus lábios.

Ucker: Você está pensativa. E seus dedos não param quietos. Ainda tem esse tique quando fica incomodada.

Somente agora notei o que estava fazendo. Estiquei a mão e interrompi o movimento.

Dul: Nada é só... só estou cansada.
Ucker: Tem certeza? Você quer conversar sobre...
Dul: Não, Ucker, eu... realmente estou muito cansada. E acho que você também. Não estamos em condições de conversarmos agora, não acha?

Baixei a cabeça e ele deslizou a mão pelos meus cabelos. Fechei os olhos.

Ucker: Hoje te levarei pra jantar e esclareceremos tudo. Não vamos mais deixar as coisas bagunçadas como estão. E independente do que formos... do que isso significar pra você, eu estarei do seu lado e não vou mais te deixar partir.
Dul: Não fui eu que parti...
Ucker: Eu sei... Sei disso. Mas sinto como se tivesse te deixado ir. Deixado uma parte minha ir embora.

Eu senti o pesar em seu tom de voz quando disse isso. Ele parecia... machucado.

Dul: Eu não quero que pense que está preso a mim ou que tem alguma obrigação comigo pela noite de hoje. Eu ainda não sei como tudo isso aconteceu, mas você não precisa...
Ucker: Depois de tudo que eu te disse você acha mesmo que seria uma obrigação pra mim ficar contigo? Você é o meu sonho Dul... Invadiu minha vida em um dos meus piores momentos e sei lá... Desde então a única coisa que quero é ser melhor pra você. Por você.

Eu permaneci quieta. Senti meus olhos pesarem-se e meu corpo relaxar. Meu instinto me dizia pra não confiar nisso ainda. Não tão cedo. Não assim. Mas estava tão cansada pra pensar em algo que cedi e me confortei com as palavras dele.

Ucker: Quer que eu cante pra você?

Sorri de canto e assenti com a cabeça. Como uma criança que precisa de colo. A presença dele me reduzia de uma força da natureza à uma mera criatura ferida em busca de conforto. Calmaria. Há tanto tempo venho lapidando uma armadura ao meu redor e agora que ele a fez cair por terra, os estragos internos vinham a tona, implorando por reparos, consertos... e ele sabia bem como fazê-los.
Permaneci com os olhos fechados e me deixei envolver pela melodia. Ele cantava baixo e compassadamente alguma música antiga que eu sequer poderia tentar decifrar a letra. Depois de um tempo ele parou. Senti um beijo quente sob minha testa e fora como um gatilho para que meu corpo desligasse. Adormeci.

//

Acordei com um raio de luz incidindo sob meus olhos. Uma fresta nas cortinas permitia sua passagem. Ucker estava dormindo ao meu lado, ainda com os braços ao redor do meu corpo. Seu rosto parecia tão calmo e suas expressões tão relaxadas... Diferente da tensão que o tomara na madrugada passada.
Averiguei o pulso, a mancha desaparecera. O que será que o perturbara para fazê-lo chegar aquele ponto? O que teria acontecido com ele? Estava sofrendo... E não me parecia ser algo simples.
Meu coração apertou-se quando o encarei. Senti vontade de beijá-lo, acariciar seus cabelos e dizer a ele que estava seguro. Queria poder tirar aquele sofrimento e o peso das suas costas, como ele vinha fazendo comigo, até agora.
Ergui minha mão em direção ao seu rosto. Mas logo desisti de tocá-lo. Tudo ainda é muito confuso pra mim. Minha mente me diz para não ceder, para não fraquejar (Mais do que já havia feito), mas meu coração...
Com cuidado, ergui seu braço que repousava sob minha cintura e sai do seu enlaço. Ele suspirou, virou-se para o outro lado da cama e continuou a dormir. Peguei sua camisa que estava jogada no chão e a vesti. Saí do quarto na ponta dos pés e fechei a porta devagar.
Peguei meu celular que estava sob a mesa de jantar e fui em busca de um carregador. No raque da sala, abaixo do painel de TV, haviam gavetas ocultas que se revelavam a medida em que me aproximava do móvel. Pressionei-as e elas se abriram. Havia um álbum antigo de fotos, alguns documentos espalhados, uma pequena caixa preta empoeirada e um carregador embolado em um emaranhado de fios. Com certo esforço, consegui pegar o carregador e o conectei ao celular. Havia uma tomada embutida no painel acima do raque. Coloquei para carregar e esperei um tempo até que ligasse.
Haviam mensagens da May. Muitas mensagens. Perguntando onde eu estava. O que estava acontecendo. Com quem eu estava. Se eu havia sido sequestrada. Por fim ela disse que esperaria uma resposta até o meio dia e que caso eu não respondesse, chamaria a polícia. Sorri de canto. Sua preocupacão era compreensível, mas exagerada.
Ela estava online e no mesmo segundo em que abri a conversa, recebi uma interrogação, como se estivesse pendurada no celular esperando por uma resposta. Eram 11:48. Respondi com calma que estava tudo bem. Que depois iria encontrá-la e explicar tudo. Eram tantas coisas a serem explicadas...
Coloquei o celular em cima do raque e encarei a gaveta. Peguei o álbum de fotos e me perguntei se deveria abrí-lo... Afinal eram as coisas dele.
Mas o que poderia haver de mal em olhar algumas fotos?
Abri o álbum e na capa havia uma dedicatória. "Para meu eterno amor". Uma... namorada?
As fotos iniciais pareciam velhas e gastas. Ele estava acompanhado por uma moça alta, loira, com um corpo incrivelmente modelado. Ela parecia ter saído de um comercial de aparelhos de ginástica. Fotos juntos em um show de rock, esquiando na neve, um pequenique em um dia ensolarado, passeio de gôndola na Itália...
Uau.
Era muito pra minha cabeça.
Há poucas horas ele me disse que não havia me esquecido durante todo esse tempo e agora descubro que em 10 anos ele teve uma vida com alguém. Eles eram... um casal. E pareciam muito felizes.
Um nó formou-se em minha garganta. Há poucos minutos eu sentia como se ele fosse... meu... De alguma forma. E agora... não sei mais dizer quem ele era.  Eu sabia que ele havia tido uma vida além de nós, mas não imaginava que fosse algo tão intenso.
Só conseguia pensar em como fiquei destruída e em como me fechei depois que ele foi embora. Como bloqueei qualquer aproximação romântica. Alimentei meus traumas. Sofri minha perda. E ele se reergueu e estava desfrutando do melhor que o mundo tinha a oferecer com outra pessoa...
Me senti traída.
Folheei as fotos rapidamente até chegar na última... Essa era recente e estava cuidadosamente plastificada. Ele vestia um terno preto com abotoaduras douradas nos pulsos e a garota estava em um lindo vestido branco de mangas longas rendadas e com os cabelos presos em um penteado que a deixara estupidamente perfeita. O braço dele estava envolto na fina cintura dela e os dela ao redor do seu pescoço. Os dois miravam-se com um olhar perdidamente apaixonado e uma aliança reluzia no dedo dela, ainda mais do que seus olhos azuis, destacando-se no fundo escuro da paisagem campestre de fim de tarde. Ele. Havia. Se casado???
De repente ouvi a porta da frente bater e meus devaneios foram interrompidos. Meu peito doía e parecia me faltar ar. Com esforço levantei-me e abri a porta. Um entregador fardado tinha uma caixa quadrada em mãos.

Entregador: Bom dia. Perdoe o incômodo. O síndico me disse que o sistema de campainhas não estava funcionando por conta de um problema nos geradores e tive que bater na porta. Entrega para a Sra. Uckermann. É você?

Sra. Uckermann. Ele É casado. Senti como se o chão cedesse abaixo dos meus pés. Ele *É* casado. Não consigo acreditar, não posso acreditar. Levei a mão ao peito.

Entregador: Senhora? Sarah Uckermann, é você?
Dul: Eu... eu...

Eu tentava respondê-lo mas as palavras não se formavam em minha boca. Minhas pernas fraquejaram e minha pressão estava caindo. Não. Não posso acreditar que me deixei enganar assim outra vez. Burra, burra. Fui muito idiota em achar que ele sentia algo por mim. Se ele realmente me amasse teria me procurado, teria ficado, teria... Como fui ingênua. Respirei fundo tentando me recompor.

Dul: Ela não está no momento. Mas sou uma amiga, posso receber.
Entregue: Aqui está. Obrigado. Tenha um bom dia!

Recebi a caixa pesada com o nome Sarah Ruíz Uckermann endereçado no papel que a cobria. Larguei a caixa no chão e peguei o celular, procurando desesperadamente pela minha bolsa.
Estava em cima do balcão da cozinha. Tirei a camisa dele enojada, segurando as lágrimas que ameaçavam rolar pelo meu rosto e rezando para que ele não acordasse. Peguei a roupa de ontem que estava secando na varanda e a vesti. Mandei mensagem para May. Disse que estava indo para um pub que vi ontem a noite na frente do prédio e pedi para que me buscasse naquele endereço. Com urgência. Peguei meu salto que estava ao lado da porta e saí, sem olhar pra trás.

Continua...

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