Memórias

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Algumas horas depois finalmente acordei. Já era noite, meu celular havia descarregado. Não acredito que havia dormido por tanto tempo. A chuva ainda caía, agora bem mais forte do que antes. Peguei meu carregador e desci as escadas até a cozinha, Matt estava preparando algo que espalhou um aroma delicioso pela casa.

Eu: Que horas são? Por que não me acordaram? E que cheiro maravilhoso é esse, o que está fazendo Matt? - Disse colocando o celular para carregar em cima do balcão na tomada mais próxima.
Eleanor: Boa noite senhora, são 18:30. Fui até o seu quarto, mas parecia tão confortável e sei que esteve muito cansada nos últimos dias, por isso decidi deixá-la dormir.
Eu: Elle, ainda com essa coisa de senhora?
Eleanor: Sabe como aprecio a formalidade - Ela sorriu pra mim.
Matt: Estou tentando uma nova receita: Calzone, prato italiano, bem simples. Deixei a massa descansar enquanto preparo o recheio, mas ainda não provei - Ele estendeu a colher pra mim.
Eu: - Provei um pouco - Humm... Isso está incrível!
Matt: 40 minutos e está pronto, mas acho que tem algo rápido na dispensa, caso esteja com fome.
Eu: Não, eu espero. Acho que vou sentar um pouco na varanda, trabalhar no novo projeto, dormi o dia todo, vou passar a noite escrevendo. Vou começar anotando algumas idéias.
Eleanor: Mas está muito frio e a chuva está ficando cada vez mais forte.
Eu: Tempestades me trazem conforto, além disso, a varanda é bem coberta. Vou tomar um banho e vestir uma roupa quente, coloca um edredom no banco pra mim?
Eleanor: Está bem.

Subi as escadas, tomei um banho rápido, me sequei, coloquei um conjunto moletom, peguei meu notbook, coloquei-o na capa e desci pra varanda. O edredom ja estava no banco e haviam uns sanduíches na mesinha em frente.
A Elle cuida de mim como uma mãe. Ela nunca teve filhos, mas tem o dom para isso. Infelizmente seu marido morreu de pneumonia há muitos anos. Depois disso, nunca mais teve interesse para se relacionar com ninguém. Ela tem uma linda e trágica história, mas é de longe a mulher mais forte que já conheci.
Sentei-me no banco, abri o notbook e observei a paisagem ao redor, que era quase invisível devido a chuva. Tentei pensar em algo para escrever, mas me sentia bloqueada, deslocada, parecia que estava em outro fuso. Problemas de adaptação.
O cheiro de grama e terra molhada me lembravam a minha infância, meus momentos em família. Meus pais, Blanca e Fernando são donos de uma empresa de roupas, a marca Saviñon é conhecida por toda América, até onde eu sei. Minha mãe tinha 18 anos quando engravidou do meu irmão mais velho Antoni e 5 anos depois eu nasci. Eu e meu irmão nunca nos demos muito bem, sempre fomos muito competitivos e nossos pais sempre muito exigentes. Nossa família nunca foi perfeitamente estruturada e afetuosa, mas independente da situação sempre estivemos juntos. Tínhamos uma casa no lago a qual meu pai gostava de ir algumas vezes por ano para pescar e aproveitar o sol. O incrível é que em todas as nossas viagens para lá, o clima sempre mudava e acabava chovendo. Meu pai ficava estressado por perder suas programações e acabava irritando a minha mãe com isso e eu e meu irmão brigávamos o dia inteiro, então os dias não eram muito agradáveis. Até a noite quando minha mãe avisava que o lanche estava pronto, ela trazia do forno pães de queijo quentinhos com um chá de abacaxi que só ela sabia fazer. Nos reuníamos no tapete da sala em frente a lareira, minha mãe costumava deixar a janela aberta porque era apaixonada pelo 'cheiro de chuva' e era o único momento em que ficávamos em paz, todos em silêncio.
Depois de comer meu pai pegava a mim e o meu irmão nos braços e minha mãe se juntava a nós. Ele ficava olhando-a, como se todos os desentendimentos e o estresse dessaparecessem, dava pra ver em seus olhos como eram apaixonados. Eu só conseguia sentir e receber aquele amor e ouvir o barulho da chuva caindo lá fora. As vezes me esqueço de como é ter família por perto...
Respirei fundo, pensei mais um pouco e logo consegui uma base para construir a protagonista da minha história, não era uma idéia bem formada, mas já era alguma coisa, um passo de cada vez.
Estava concentrada na minha escrita quando avistei um clarão vindo da entrada da rua, era um carro parecido com um Shelby Mustang Gt500, mas não tenho certeza (Tenho um pequeno vício em carros). Só agora notei que a chuva havia cessado. O carro parou em frente à casa à direita que estava com a placa para alugar, e vi descer um homem alto e bem vestido. Não consegui ver seu rosto. Abriu a porta de trás do carro e pegou uma mochila. Subiu os três degraus da frente e ficou parado na varanda da casa procurando as chaves. Ele tirou um chaveiro com algumas chaves da mochila, abriu a porta e entrou. Fechei o notbook, peguei o edredom e decidi entrar. Matt e Eleanor ainda estavam na cozinha.

Matt: Chegou a tempo, os calzones acabaram de sair do forno.
Eu: Vocês sabem se a casa aqui do lado foi alugada? Os proprietários costumam tirar as placas e acabei de ver um homem chegar de carro com uma mochila e entrar na casa.
Eleanor: Não, não que eu saiba. Viemos aqui no início da semana, na terça eu acho, para limpar tudo e ajustar os móveis e a casa ao lado estava vazia. Só faz 4 dias e como ainda havia a placa em frente não achei que tivesse alguém morando aí.
Matt: Eu também não, que estranho. Bom, vamos jantar? A mesa está posta.
Eu: Sim, estou morrendo de fome.

Continua...

Dois LadosOnde histórias criam vida. Descubra agora