Capítulo 18 - Como os fios de uma Teia

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Su Ning e os dragões começaram a subir o rio em silêncio, prestando atenção ao fluxo de água. O terreno era relativamente livre, repleto de árvores altas e com um bom espaço entre si. O ar puro da montanha era fresco e frio.
Ren Shyu caminhava junto com sua mãe, mas de repente ele decidiu avançar e colocar-se lado a lado com o médico.

"Só se banhando na água limpa agora será suficiente para as carpas ficarem boas? Você sequer as consultou!" Ren Shyu, que até então não tinha se pronunciado, questionou o médico.

"As guelras estão inflamadas em decorrência da exposição ao poluente. Mas no caso dos peixes, a purificação do corpo é mais rápida se a medicação for tomada pelas guelras, indo diretamente para o sangue. Então a solução era tratar primeiro a água para que eles possam usá-la para se curar. Pelos sintomas da família Deshi isso será mais do que suficiente." Ele explicou enquanto caminhavam ao lado do rio, observando a água ligeiramente turva. Sua atenção parecia totalmente concentrada nisso.

"E o que você acha que contaminou a água?" Ren Shyu resolveu conduzir sua própria investigação particular com respeito aos métodos de ação do médico. Ele também não deixaria todo trabalho para sua mãe.
"Ainda não sei, estou procurando qualquer coisa diferente que possa estar na água." Su Ning respondeu com paciência.
Ren Shyu viu que a avó e a mãe faziam o mesmo, avaliando a água, um pouco atrás deles.

"Mas e se esse rio for muito extenso? Nós vamos demorar muito para achar isso!" Ren Shyu reclamou.
"Na verdade, eu conheço este rio, ele não é muito grande. Logo estaremos na nascente no sopé da montanha."
"Humm... você conhece muitos lugares para um médico..." Ren Shyu franziu as sobrancelhas um pouco irritado com o ar impassível de Su Ning. Agora ele entendia porque seu tio não suportava esta pessoa. Era difícil discernir o que ele pensava.
"Eu costumo atender muitos chamados fora da clínica." Su Ning por fim respondeu, sem pensar muito.

"E por que você atende yao?" Ren Shyu finalmente perguntou. Esta era uma dúvida que lha dava coceira na garganta.
"Porque um deles me procurou uma vez. Eu não vou recusar um paciente, seja ele humano ou yao. Depois disso a notícia se espalhou e mais deles apareceram para se consultar."
Ren Shyu pensou um pouco antes de continuar a falar. Sua expressão demonstrava extrema confusão de ideias e sentimentos.

"E-eu não entendo. Nós, yao, consideramos humanos como inimigos. Por que eles não procuraram um médico yao e sim você?"
"Ah, eu não fui a primeira opção do primeiro paciente. É claro que ele me via como um inimigo, mas ele estava muito mal, morrendo. Diante da possibilidade da morte você procura todas as chances possíveis de se salvar."
O jovem dragão assentiu a contragosto. Prova disso não era que Qiang Yong abriu mão de seu orgulho para salvar a mãe? E ele não faria o mesmo por Ren Loo?

"E você ajudaria um inimigo seu? Alguém que você realmente odiasse?" Ren Shyu desafiou o médico com um brilho ameaçador no olhar.
"O atendimento médico deve estar acima de desavenças pessoais. Se você um dia se interessar pela medicina precisa ter isso em mente."
Ren Shyu franziu de leve a testa, ele não conseguia se imaginar como um médico. Ele pretendia seguir uma carreira militar e se tornar um General, como seu tio.

Entretanto, ele não pôde deixar de refletir sobre isso. Médicos deveriam mesmo passar por cima desses sentimentos e atender até mesmo quem lhe fez mal? Isso parecia impossível.
"Pelo visto você não deve ter um inimigo tão odiado a ponto de querer eliminá-lo da face da terra então."
Su Ning hesitou um pouco, depois respondeu devagar, com a voz mais suave que o habitual. "Na verdade, eu tenho um, mas não dá forma como você pensa..."

Ren Shyu ficou chocado. Ele queria fazer mais perguntas sobre isso quando o médico parou de repente. Ele havia chegado a nascente do rio e se agachou diante dela.
Ele pegou uma luva também de um tom cinza da manga, vestiu-a e mergulhou a mão na água fria, vasculhando o leito raso.
"Não há nada aí." Ren Shyu comentou como se isso fosse algo óbvio.

Madame Ren se aproximou do filho, rindo até seus olhos lacrimejarem.
"Shyu-er, você precisa exercitar seus sentidos." Ela tapou-lhe os olhos por trás com as duas mãos.
"Agora pare de ver com os olhos físicos e sinta somente a energia ao seu redor. Use o seu olho celestial [1] para ver aquilo que não é visível aos olhos." Ren Loo o instruiu.

Ren Shyu fechou as pálpebras e concentrou-se no ponto entre as sobrancelhas. Madame Ren já havia o ensinado como abrir o olho celestial embora o jovem dragão o exercitasse muito pouco. No começo tudo era escuro, e aos poucos, cores suaves se condensaram em formas altas e alongadas. Ren Shyu reconheceu a energia espiritual das árvores ao seu redor. Elas eram um pouco mais tênues do que a deles.

Outra cor também se destacou: a energia da água fluindo continuamente, porém, em um tom escuro e amarronzado contrastando com leves nuances brancas que eram originalmente oriundas da água antes pura. O pequeno dragão sentiu nojo daquela energia escura e ele inconscientemente crispou os lábios.
Sua atenção subiu para a nascente, onde ele viu um leve contorno azul violáceo naquela corrente de energia escura.

Era o contorno de uma mão segurando algo muito fino que emitia aquela energia escura na água. Ele seguiu o olhar por aquela energia azulada, indo e vindo pelos meridianos. Ren Shyu reconheceu que eram os meridianos, como sua mãe demonstrou uma vez. A energia dela era de uma cor vermelha e dourada tão brilhante que machucava até a vista. Porém está energia tinha um brilho reconfortante e agradável de se ver.

Ele resolveu então dar uma olhada no núcleo espiritual. Ele esperava que o núcleo fosse de uma cor azul igual a dos meridianos, mas na verdade ele tinha as duas cores! Como dois líquidos que não se misturavam e oscilavam entre si, um tinha um tom de cor azul céu e a outra, violeta. Agora esta visão fazia sentido! A energia não se misturava no núcleo mas se mesclava nos meridianos formando a cor original.

Como poderia existir um núcleo assim? Ren Shyu pensou atônito. Depois ele perguntaria isso a sua mãe em particular. Usar o olho celestial era muito cansativo então Ren Shyu voltou abrir os olhos, o que o fez assustar-se novamente. Su Ning esteve esse tempo todo usando o olho celestial para vasculhar o rio???
Ele olhou para o médico bem disposto que já havia se levantado, puxando o que parecia ser vários fios finos e brancos conectados entre si da nascente. Nos fios havia pequenas esferas também brancas que pingavam, embora não se pudesse dizer se era água ou outra coisa.

"Que estranho!O que será isso?" An Shu esticou a sua cabeça de cobra para ver de perto os fios.
"É uma teia de aranha...Estas são bolsas de veneno urticante." Su Ning respondeu tirando todos os fios da água.
"Teia de aranha!" A Imperatriz sentiu um mal estar no peito e os sentidos de Ren Loo ficaram imediatamente apurados. Isso so poderia ser uma armadilha o tempo todo!

"Todos vocês fiquem atrás de mim!" Ren Loo se transformou na forma de Dragão quebrando vários galhos das árvores enquanto crescia.
"Madame Ren, é melhor você ficar na forma humana, lutar num espaço fechado com esse tamanho só vai te prejudicar." O médico alertou ao mesmo tempo que inúmeros fios foram lançados simultaneamente de várias árvores fechando as saídas e os encurralando ao pé da montanha.

Seguindo o conselho, Madame Ren voltou a forma humana bem a tempo de não ser atingida por vários fios cortantes.
"Apareça Hu Long!" Ela esbravejou mostrando as garras. Inúmeras aranhas pequenas vieram para cercá-los. Madame Ren lançou uma barreira de chamas impedindo o avanço das aranhas.

As aranhas começaram a se amontoar uma sobre as outras até formarem a figura da serva.
"Há quanto tempo. Madame Ren." Hu Long riu, tomando sua forma humana.

Nota da Autora:

Eita! Ren Loo terá que enfrentar Hu Long em um péssimo local. Esse vai ser um combate difícil...

[1] Também conhecido como terceiro olho.

O Imperador Yao e Seu Médico HumanoOnde histórias criam vida. Descubra agora