Capítulo 38 - Infância

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Su Ning era o filho mais velho de Su Wu e Su Xue e tinha dois irmãos mais novos. Su Wu era um ferreiro pacífico como um boi, que morava com sua família em uma vila na montanha. Sua esposa era a única médica e parteira do lugar, uma mulher de riso e temperamento fácil. Os dois formavam uma dupla muito bem quista pelos moradores e seus filhos não fugiam a educação dos pais.

Su Ning nasceu com a saúde um pouco frágil e sua estatura era um pouco menor do que as demais crianças. Sua mãe concluiu que ele sofria de uma deficiência de fogo no estômago que provocava uma certa inapetência. Aos poucos, ela mesmo cuidou disso e Su Ning ficou um pouco mais forte, embora sua fome não aumentasse muito mais do que isso.

Porém, o garoto era tão esforçado e inteligente quanto a mãe. De manhã ele procurava o pai para ajudá-lo na oficina e aprender o ofício. Entretanto, Su Wu tinha alguma intuição de que seu filho não tinha nascido para essa profissão, bastava olhar como ele gostava de acompanhar a mãe nos atendimentos. Mesmo assim o menino se forçava a ir todo dia à oficina dele para lidar com ferro, fogo e água quente.

Ele não conseguiu dissuadi-lo disso, então ele permitiu que ele trabalhasse com ele de manhã e o deixava livre para fazer o que quisesse à tarde. Como resultado, Su Ning aproveitou para aprender sobre ervas, medicamentos, acupuntura e doenças com a mãe. Ele ajudava a cuidar dos irmãos quando a mãe estava atendendo e também aprendeu a cozinhar.

Os dois formaram uma dupla bem mais sincronizada do que ele e o pai compunham. Su Wu não estava insatisfeito, contato que seu filho dedicado estivesse feliz, ele poderia ser o que quisesse. De repente, das planícies centrais surgiram os surtos da doença do fungo negro. As notícias se espalharam como fogo na palha seca e as pessoas deixaram de comprar e produzir arroz em muitos lugares.

Depois disso, apesar desse controle, o índice de contaminação e mortes não diminuía e assumiram que a doença era contagiosa. Muitas vilas foram sendo destruídas e queimadas para tentar conter o surto. A pequena vila nas montanhas logo cortou a compra de arroz. Fazia muitos meses que não se via arroz nas refeições e Su Xue instruiu os moradores e a consumirem outros grãos no lugar. O medo da doença, no entanto, percorria todos os corações da vila.

Até mesmo Su Ning, uma criança, sentia-se apreensivo com isso. Ele buscou se assegurar que seus irmãos não comessem arroz e sempre os vigiava. Certa noite, ele ouviu os pais conversando após o jantar. Aparentemente, um vilarejo próximo havia sido contaminado e muitas pessoas morreram. As outras fugiram, com medo de serem mortas para evitar o contágio.

"Com um inimigo desses, que não pode ser visto, cheirado, tocado ou ouvido e as pessoas ainda procuram desculpas para arranjar desafetos." Su Xue desabafou. "Eu não acredito que seja contagioso, mas como provar isso? Deve estar havendo alguma outra forma de proliferação da doença."

Su Ning os ouviu discutir o assunto escondido e depois foi para a cama, pensativo. As palavras da mãe ficaram gravadas em seu coração. As doenças eram os únicos inimigos que existiam. Todo o resto eram desculpas. Um inimigo que não podia se ver, ouvir, tocar... como eles poderiam vencer isso? Que chance eles tinham contra algo tão poderoso?

Ele sabia que sua mãe estava estudando o fungo em segredo, em uma pequena cabana escondida no alto da montanha. Era afastado de tudo, e ela se retirava bem cedo de madrugada para observar o comportamento do fungo negro. Ela só confiou este segredo ao marido e ao filho. Este último ela o levou junto algumas vezes para que ele aprendesse a identificar o espécime malicioso.

Sobre o grão dourado, crescia uma estrutura simples que lembrava finas teias de aranha e soltava um pó negro e fino. Dentro da cabana eles tinham que usar um pano sobre a boca e lavar as mãos antes de sair. Su Ning observava o fungo crescer como uma renda negra sobre o arroz. O fungo levava duas semanas para aparecer dessa forma e depois os grãos apodreciam e se esfarelavam. Esse inimigo era visível agora que estava crescido, antes era imperceptível e por isso as pessoas comiam o arroz e se contaminavam.

Naquela manhã, Su Xue estava trabalhando na cabana e Su Ning desceu de volta para deixar o café da manhã do pai e dos irmãos pronto. Ele, o pai e os irmãos foram então para a oficina. As duas crianças pequenas, um garotinho de quatro e uma menina de dois anos, brincavam em frente da loja enquanto Su Ning acendia fogo.

A manhã passou depressa e à tarde um vento frio do fim do outono soprou. Su Ning levou os irmãos para casa, para agasalhá-los melhor. Os dois pequenos comiam jujubas que o pai lhe comprou de um vendedor de manhã ao longo do caminho. Su Ning as olhou sem apetite e recusou. Desde que ele tinha posto os olhos no fungo naquela manhã ele sentia náuseas ao ver qualquer tipo de comida.

Em casa, havia um bilhete de sua mãe sobre a mesa. Ela já tinha almoçado e saiu para atender uma grávida da vila. Su Ning sorriu ao ver sua bela caligrafia. Sentindo-se confortado, ele foi dar banho nos seus dois irmãos sujos de tanto brincar na terra.
Diligente, ele se ocupou de limpar a casa depois e começar os preparativos para a janta.

Quem sabe logo haveria mais uma criança na vila, ele pensou com satisfação. Então ele sentiu uma pequena mãozinha puxar-lhe a manga do roupão.
"Gege... não me sinto bem.."
Su Ning foi verificar o irmão mais novo, ele estava febril. E a caçula também. O irmão mais velho colocou os irmãos na cama e como as ervas que tinha, preparou-lhes um chá suave para que suassem um pouco.

Mesmo assim, a febre continuou a subir e ele começou a preparar compressas úmidas para evitar que eles convulsionassem. As horas passavam e Su Ning começou a ficar apreensivo. Ele deveria pedir alguém para avisar a mãe ou o pai? Não, provavelmente foi a friagem do fim da tarde que eles pegaram. A irmãzinha dele começou a fazer barulhos estranhos como gorgolejos e vomitou. Ele a virou de lado para que não engolisse o vômito e se engasgasse. O outro irmão também vomitou ao lado da cama.

Su Ning franziu a testa e decidiu buscar ervas para fazer um preparado para náusea. Suas memórias terminavam com ele colhendo as plantas na horta de casa, quando de repente tudo ao seu redor escureceu e ele se viu coberto por roupas grandes demais para ele, em alguma espécie de caverna.
Um yao cobra o encarava perplexo, então ele perguntou:
"Ah... desculpe, mas vocês sabem que lugar é este?"

Nota da Autora:

Essas são as lembranças que Su Ning manteve quando foi amaldiçoado. Ele deve ser uma fofura de criança 🥰.

O Imperador Yao e Seu Médico HumanoOnde histórias criam vida. Descubra agora