Bati a porta da cabana com os calos dos dedos, incerta e com o rosto quente de vergonha. Era costume meu aparecer de surpresa na casa de minha mãe, mas não conseguia deixar de pensar que eu estava exigindo demais dela desta vez.
No entanto, eu nunca precisara dela tanto quanto naquele momento.
Ao que esperávamos por uma resposta, Viessa se posicionou recostada em uma árvore mais distante e acendeu um cigarro, o cheiro vindo diretamente para nós. Ela parecia ainda mais quieta e séria que de costume, mas, pela falta de intimidade, eu não saberia dizer se aquilo era suspeito ou não.
— Já vou! — Uma voz melódica impregnou nossos ouvidos. Em poucos segundos, a porta revelou uma Aeg sonolenta, vestindo uma camisola branca que circundava seu decote com lacinhos cor-de-rosa. — Filhota! — Ela me apertou em um abraço, subitamente desperta.
— Você estava dormindo às sete da noite? — Retribuí o afeto, igualmente feliz. — Perdão por ter disturbado seu sono.
— Você nunca disturba nada, minha frostiana linda. — Suas mãos formaram uma concha em meu rosto, ao que Aeg me observava de cima a baixo com o sexto sentido que apenas uma costureira poderia ter. — Mas o que diabos está vestindo?
Ah, é. O uniforme de garçonete da taverna do Ferro-Velho era nitidamente um traje destoante ali.
— Entrem, vocês! Está frio para conversar aqui fora —, continuou ela, subitamente ignorando o assunto anterior. — E chame sua amiga tímida também.
Olhei para trás, demorando um pouco de saber de quem ela estava falando. Viessa nos observava ao longe, o cigarro entre os lábios vermelhos, e os olhos surpresos como quem dissesse "eu?".
Em poucos segundos, eu, Primavera e Viessa estávamos sentadas no sofá de minha mãe, esperando o chá ficar pronto.
Enquanto Primavera parecia completamente à vontade, a assassina, por sua vez, parecia mudar de posição a cada cinco segundos, incerta. Não apenas incerta, mas... constrangida, talvez. Sua expressão era precisamente a mesma de quando visitamos Nisha pela primeira vez.
— Eu estou tão feliz! Oli nunca trouxe amiguinhas antes. — Aeg trouxe uma chaleira para a mesa e derramou água quente em cada um de nossos copos. — Espero que gostem de chá de manga e hibisco.
— Agradeço... pela hospitalidade, madame. — Murmurou Viessa ao meu lado, erguendo sua xícara na altura do queixo.
— Que nada, minha querida. Me chame de Aeg. — Minha mãe apertou a bochecha da criminosa com afeto, deixando-a visivelmente desconcertada. Talvez eu tivesse sido a única a ver o pigmento vermelho em suas bochechas. — Então... — Disse, sentando-se à nossa frente. Nem seu olhar sugestivo e enigmático me fez prever o que diria a seguir, enquanto bebericava meu chá religiosamente. — Há quanto tempo estão juntas?
Imediatamente cuspi o chá.
— Mãe!
— O que foi? Eu não tenho nada contra, sabe disso. — Ela abanou as mãos com um sorriso infantil estampado no rosto. — Eu até já paquerei uma mulher uma vez. Não deu em nada, claro...
Viessa virou o rosto para o lado, soltando ruídos que indicavam uma risada presa.
— Oli está namorando? — O olhar curioso de Primavera invadiu a conversa.
— Eu não estou namorando. — Esclareci.
— Ah, então é... como vocês chamam hoje em dia? Uma ficada?
Vera gargalhou ao meu lado.
— Não é nada disso! — Protestei, o rosto queimando. — Eu vim aqui porque preciso de sua ajuda.
— Oh. — A xícara de Aeg voltou para a mesa de centro. — Aconteceu algo?
Assenti, hesitante.
— Podemos conversar a sós? — Murmurei para ela, involuntariamente atraindo os olhares de Viessa e Vera.
— Claro, querida. —Disse minha mãe, aparentemente tranquila, não fosse a ruga que surgiu no meio de sua testa. — Meninas, tem bolo de terra na geladeira. Conseguem esquentá-lo para mim? — Aeg virou-se para Viessa.
— Posso tentar. – Respondeu a morena, levantando-se junto a Vera, que estava estranhamente silenciosa. Um olhar discreto e enigmaticamente cúmplice entre eu e Viessa precedeu a sua ida para a cozinha.
Guiei minha mãe até meu quarto. As minhas coisas não saíram do lugar desde a última vez que estive ali, mas sabia que Aeg havia varrido e tirado a poeira religiosamente na minha ausência, pois o chão estava perfeitamente encerado e a cama teve seus lençóis trocados. Sentei-me no colchão, deixando a poltrona ao lado para que ela se acomodasse.
— O que houve, filhota?
— Mãe... — Respirei fundo, abandonando o resquício de orgulho que ainda tinha. — Eu preciso de ajuda.
Meus olhos começaram a marejar antes que eu percebesse, então os fechei e esperei passar a vontade de chorar.
— Primavera está correndo perigo. Existe uma profecia sobre ela, em que ela será assassinada por alguém de sua própria família. E se eu não fizer nada, se não escondê-la, ela pode... — Suspirei. — Eu vim te pedir para ficar com ela por alguns dias. Só enquanto eu resolvo tudo isso. Eu preciso descobrir quem está planejando machucar minha irmã, e te prometo que não vou descansar enquanto ela não voltar segura para o palácio.
— Não.
Abri os olhos, encarando seu rosto triste com incredulidade.
— Mas...
— Oleandra, eu te amo, mas não posso fazer isso por você.
— Mas por quê? — Curvei-me para perto dela, mais que pronta para implorar, mas seus lábios curvados me diziam que estava com a cabeça feita.
— Filha, eu tive de fugir e me esconder também. Se eu esconder uma princesa menor de idade na minha casa contra as vontades do rei, eu posso ser presa... ou pior.
— Eu não estaria pedindo se eu não estivesse completamente desesperada! — Sem nem perceber, acabei aumentando o tom de voz, o que a fez recuar meio passo. — Perdão. Foram dias horríveis... — As lágrimas finalmente rolaram pelo meu rosto.
— Eu disse que não posso. — Sua voz adquiriu firmeza, ainda que seus olhos estivessem úmidos.
Alguns segundos de silêncio se instauraram antes que eu murmurasse aquilo que mudaria nossa relação para sempre.
— Você nunca vai me escolher, vai?
— O quê?
— Eu sou tão idiota. — Lágrimas encharcavam a blusa branca que eu vestia. — Você não queria me ter. Fugiu na primeira oportunidade que teve. Eu fui apenas uma inconveniência que te visitava de vez em quando, enquanto você vivia sua melhor vida.
— Oleandra, não é bem assim... — Suas lágrimas combinavam com as minhas. Quebrava meu coração vê-la assim, mas eu me sentia possuída por toda a mágoa que guardei dela durante todos aqueles anos me sentindo sozinha e abandonada. — Eu precisei ir embora daquele lugar. Eu não tive escolha.
— É isso que eu sou para você e para meu pai! — Ignorei sua voz, minha cabeça quente demais para que eu pudesse parar. — Uma inconveniência, no máximo. Permitem que eu fique por perto, desde que eu mantenha minha cabeça quieta e minha boca fechada, não é assim? Você e ele são tão parecidos...
— Oli... Bekko não é seu pai.
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O Fim de Ostara
FantasyQuando a princesa Oleandra descobre uma trágica profecia sobre sua irmã mais nova, ela decide que fará de tudo para evitá-la, mesmo que isso signifique se unir aos piores criminosos do mundo. Pois existe apenas uma pessoa capaz de ajudá-la a salvar...