Capítulo 13

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— Do que você está falando? — Minha voz saiu mais trêmula que antecipei.

— Você não entende, minha querida... — Minha mãe suspirou. — Eu já traí Bekko uma vez. Não posso traí-lo novamente.

Mãe. — Estávamos tão próximas que eu podia sentir sua respiração descompassada. — Bekko sabe disso?

— Sabe. Sempre soube.

Naquele momento, tudo fez sentido. A forma como meu pai... Bekko sempre prestigiava meus irmãos, não por eles serem melhores que eu, mas por serem mais legítimos.

Ele nunca tivera grandes planos para mim.

— E meus irmãos?

— Eu não sei. Eu...

— Com quem?

— Com... seu tio.

— Eu não tenho tios.

— Não vivos.

Sob meus pés, o chão parecia se tornar lama. Fiz o meu máximo, inutilmente, para segurar as lágrimas que rolavam como cachoeiras, apoiando todo o meu peso na parede ao meu lado.

— O irmão mais velho do meu pai?

Minha mãe assentiu, hesitante.

— Eu nunca quis ser uma concubina. Quando Bekko me assumiu como companheira, toda a minha família me parabenizou pela "promoção", mas ninguém me perguntou se eu queria isso. Eu não tinha o direito de não querer.

— Então você traiu ele.

— Era a única forma de ser expulsa dali. Projetei a cena para que fosse flagrada; eu sabia que seria presa por ter relações com Yrhen, mas qualquer prisão era melhor que aquela. Até que você veio.

— Eu vim. — Repeti como um eco.

— E Yrhen morreu logo depois de eu descobrir da sua existência. Talvez por honra ao irmão, Bekko decidiu que te criaria como filha, mas me mandou fazer as malas.

Sentei-me novamente, tentando processar todas aquelas informações.

— É isso que fui para você? Um recurso para evitar sua prisão?

— O quê? Claro que não! Como pode dizer isso?

— Você foi embora, mãe! Poderia ter implorado para ficar comigo!

— Eu tentei! — Seu rosto encharcado fitou o chão com amargura. — Consegui me manter ao seu lado por alguns anos. Mas Bekko... Se antes ele costumava ser frio e distante, naquele momento, ele se tornou amargo. Cada segundo ao seu lado era uma hora sofrendo pelas palavras e pelas mãos dele. E então, veio a profecia...

— Profecia?

— Eu fiz de tudo para encontrar uma saída segura para nós duas. Procurei um Volva, o melhor do reino. E ele me disse...

Seus lábios se fecharam subitamente, como se ela houvesse dito algo que não deveria ter dito.

— O que ele te disse, mãe?

— Que você seria minha ruína. Eu estar ao seu lado só me causaria mais violência.

— Então você fugiu por uma profecia que nem sabia se era verdade.

— Eu segui minha intuição, tal como você está fazendo agora. Eu também estava com medo, muito medo. Acredite, filhota... a última coisa que eu queria era abandonar você. Mas eu era mais jovem e mais tola, e pensei ter tomado a melhor decisão. — Sua voz foi cortada por um soluço. — Quando me arrependi... as portas do castelo estavam fechadas para mim. Não tinha mais volta. Apesar disso, consegui falar com você uma última vez; sua irmã tinha acabado de nascer, e você estava tão encantada e feliz pela nova caçula. Ver seu rosto foi o que eu nunca soube que precisava até aquele momento. Então...

— ... Você me contou onde te encontrar.

Ela assentiu.

— Sei que a profecia parece uma desculpa esfarrapada, mas eu só estava tentando sobreviver. Eu peço perdão, Oleandra. — Aeg se levantou apenas o suficiente para tentar colocar a mão em meu ombro, mas alcançou apenas o vazio. Levantei-me rapidamente, andando em direção à porta com minha mochila batendo em cada móvel do quarto.

— Eu preciso de um tempo para processar tudo isso. — Murmurei, enxugando o rosto em minha blusa.

— Pode deixar Primavera aqui. Eu cuido dela.

— Tem certeza?

— É o mínimo que posso fazer por você, depois de tudo. — Ela não parecia estar segura daquilo, mas eu não estava em condições de recusar. Onde mais eu a levaria? Para o Ferro-Velho, no meio de centenas de criminosos, onde teria de comer pão mofado e dormir no chão?

— Obrigada. — Abri a porta. — Eu te recompensarei pelo favor. Eu juro.

Antes que eu pudesse sair do cômodo, senti a mão enrugada de minha mão parando meu ombro.

— Eu quero que você fique com isso. — Ela se voltou até a cômoda. Fuçando a gaveta por alguns segundos, tirou dali um longo suéter. — Eu tricotei para você. Vai te proteger nessa sua aventura.

Hesitante, assenti com a cabeça enquanto analisava a peça. Sua cor principal era violeta, e dois raminhos de lavanda cruzavam-se no centro formando uma linda estampa.

— Obrigada, mãe. Eu estava precisando. — Fiz de tudo para esboçar um sorriso crível, falhando miseravelmente.

Quando cheguei na cozinha, Primavera estava terminando de fazer uma trança nos cabelos de Viessa, ajeitando tudo com um de seus laços cor-de-rosa.

— Qual é o nome desse penteado mesmo? — A leveza na voz da mais velha me atingiu com surpresa.

— Escama de peixe.

Viessa riu, olhando-se no reflexo da janela da cozinha. Com aquela expressão e aquele penteado, ela quase parecia outra pessoa.

— Parecem escamas, mesmo.

— Ficaria mais bonito em um cabelo longo. — Minha irmã sorriu de maneira desengonçada. —  Não que seu cabelo não seja bonito!

— Eu entendo. Eu já tive um cabelo muito longo, sabia? Quase chegava nos meus pés. E eu fazia tranças nele o tempo todo. As tranças normais, não as escamas de peixe.

— Devia ser lindo! Por que cortou?

— Porque aquele cabelo não representava mais a pessoa que eu era. — Viessa apertou o laço em seu cabelo, e seu olhar se encontrou com o meu com um semblante surpreso. — Vamos, princesa?

Assenti.

— Vera. — Murmurei, ajoelhando-me em frente a garota com suas mãos sobre as minhas. — Você vai ficar um tempinho com Aeg, tá bom? Eu vou precisar ir embora agora.

— O quê? De novo? Por quê? — Sua expressão partiu meu coração. Eu era tudo o que ela tinha naquele momento, a única que ela poderia confiar, e não tinha certeza se estava tomando a melhor decisão.

— Eu e Viessa estamos trabalhando em proteger você, mas voltarei assim que você estiver segura. — Senti seus bracinhos magros me enrolando para perto.

— Você sabe quando vai poder voltar?

— Até o fim de Ostara. Nem um segundo depois. — Encostei meus lábios em sua testa, dando-lhe um beijo singelo antes de me afastar.

— Promete?

— Com a minha vida.

O Fim de OstaraOnde histórias criam vida. Descubra agora