Capítulo 20

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O vento batia contra meu rosto, congelando-me as bochechas e secando meus lábios. Conseguia sentir, com um enjoo inconveniente, as ondas quebrando abaixo de mim. Olhei ao redor por alguns segundos antes de debruçar-me na balaustrada, certificando-me que meus colegas continuavam dentro do convés, e fechei os olhos.

— Ó, deusa Freya. — Juntei uma boa parcela de ar fresco em meus pulmões. — Deusa, peço teu intervento na nossa jornada. Para que tudo ocorra bem, para que Primavera esteja bem.

As palavras saíram como sussurros trêmulos. Com um suspiro, sentei-me no chão, agarrando minhas pernas. Não conseguia acreditar que crescera ao lado de um assassino, e uma parte de mim ainda gostaria de acreditar que o Volva se enganara; afinal, Viessa não havia encontrado nenhuma evidência de uma tentativa de assassinato.

Acima de tudo, no entanto, não conseguia me livrar da sensação de que tudo seria diferente a partir dali.

— Oleen. — Viessa sentou-se de pernas cruzadas ao meu lado, e percebi que tinha em mãos um grande e empoeirado livro. — Se lembra do trato que fizemos?

À luz do amanhecer, as pintinhas da pele oliva de Viessa pareciam mais visíveis. Ela usava um largo chapéu e um grande sobretudo que pendia em seu corpo magro, escondendo suas curvas sutis; parecia um garoto muito alto, para falar a verdade, não fossem os lábios vermelhos e o rosto fino.

— Trato? — Franzi o cenho.

— Em que eu iria pesquisar...

— Ah, sim. — Tentei sorrir. — Pensei que você estava bêbada demais para se lembrar daquilo.

— Eu nunca estou bêbada demais. — Protestou ela, ao que abria o livro. — Caeda me emprestou isto.

— Um livro de história?

Aproximei-me. As páginas estavam encardidas e mofadas, e aquele alfabeto era diferente de tudo o que eu havia visto antes, mas novas páginas em Malês foram colocadas ali no meio. Não foi difícil identificar a caligrafia desleixada de Caeda.

— Conta sobre o primeiro caso de mutação dos humanos. — Continuou a morena.

— E então?

— Foi no Antigo Mundo, há mais ou menos 5 séculos atrás, coincidentemente localizado bem perto de onde estamos. — Ela passou as páginas de um lado para outro a procura de alguma coisa. Algumas ilustrações, ainda que desbotadas, ainda eram visíveis. — O reino se chamava Torres Azuis. Não está claro se o rei nasceu ou se tornou mutante, mas ele passou os últimos vinte anos de sua vida internado em uma casa de repouso para tratar a mutação.

— Que tipo de mutação ele tinha?

— Penas. — Os olhos de Viessa se encontraram com os meus por um breve momento. — No corpo inteiro, e cada vez mais. Sua esposa pensou que ele estivesse se tornando um monstro e o prendeu, mas se certificou de que os melhores cientistas do reino trabalhassem na reversão da tal "doença".

— Isso é horrível.

— Terríveis foram os testes feitos em cobaias no laboratório. O processo de mutação e desmutação sempre levava a morte. — Ela passou para a outra página, onde uma família posava para uma pintura. — Seu DNA não foi passado adiante. O legítimo herdeiro ao trono, príncipe Kade, morreu junto a sua irmã mais nova em um duelo contra um duque; as outras duas filhas que sobraram não tiveram herdeiros, e o reino se tornou uma república pouco depois da Rainha Elena morrer.

— E quem são esses? — Apontei para uma pintura diferente, onde dois homens seguravam as mãos acima de suas cabeças. Um era alto e forte, e o outro pequeno e franzino, de cabelos cacheados que sustentavam uma coroa.

O Fim de OstaraOnde histórias criam vida. Descubra agora