Pavio curto

184 12 4
                                    

O fogo é como o tempo. E, o tempo é como o fogo. Ambos podem queimar lentamente ou demoradamente... Mas isto depende unicamente da percepção e da circunstância. E pode ser lindo vê-los queimando; a depender da sensação do condutor. Há pessoas que só percebem o quão o tempo é importante quando ele já queimou por completo e as cinzas se espalharam rapidamente, e não existem mais chances de recuperá-lo. Às vezes é você quem está segurando o acendedor e em outras vezes é você quem está esperando o fogo inflamar e esfumaçar, mas as duas posições podem conter armadilhas. Na primeira, você pode erroneamente achar que está no "poder" ou no "controle total", porém é você quem está queimando na incerteza ou na própria certeza da indecisão ou da decisão, e quem bebe avidamente do fogo arde na chama do desejo, da glória de uma vida sem arrependimentos, e implora pra ser ardentemente acalentada pelo sabor de ser incinerada.

Glória se sente num impasse segurando o isqueiro enquanto Medeia está ajoelhada em sua frente com os pulsos e os tornozelos presos por uma corrente conectada a uma coleira cuja qualquer movimentação mais agitada lhe enforca; totalmente nua, com sua pele retinta brilhando pela oleosidade da gasolina derramada em si. Era satisfatório tê-la sob seu domínio novamente, degustando de uma vontade insana de ver as chamas explodirem. O olhar de Medeia cheio de expectativas sobre si; uma mistura de medo, empolgação e deleite, lhe enchiam de uma tensão que se concentrava entre o meio de suas coxas, que ironicamente lhe esquentava. Contudo, não era ela mesma que estava acorrentada por sua ânsia de vingança? Não era o ódio do sistema quem a consumia? Não eram suas próprias escolhas que a paralisava? Não era ela a "dominada" ali? Era fácil demais usar Medeia como seu bode expiatório, seu alvo pra toda raiva que nutria desde que se entendeu por gente. Aquilo era só a ponta do iceberg. Medeia não estaria tão atolada nas teias do sistema quanto ela? Ou teria uma escolha? Afinal, que escolha as pessoas tinham já que parecia que todas as vidas nasciam predestinadas?! Não sabia o que fazer desde que foi abordada pelos amigos de Zara que fazem parte de um grupo anarquista que pretende derrubar o sistema e querem sua ajuda pra que este sonho enfim se torne realidade. Mas o que aconteceria se eles tomassem o poder? As coisas de fato melhorariam? Não estaria se arriscando demais? Já não havia perdido tudo pra agora arriscar perder a própria vida? Mas também, do jeito que tudo estava não podia ficar e tinha uma decisão importante a tomar. Olhou mais uma vez para Medeia, prostrada diante de si, ardendo na sensação ambígua do perigo. Glória mexia com seus sentidos, acendendo e apagando a pequena chama do objeto que pode causar um estrago, mas não era ela quem estava sendo queimada viva? Ou ela arriscava externar este inferno ou morreria sozinha incendiada pelos seus "e se?"!

A marciana pegou seu cigarro no bolso de sua calça e o levou a boca de forma lenta, a incitar ainda mais Medeia que engoliu em seco, instigada a cada gesto dela. Será que confiava tanto assim em Glória? Não era o receio da imprevisibilidade que verdadeiramente a atiçava ao ponto de roçar a coxa uma na outra, excitada com o discorrer dos fatos?

O cigarro chegou até a boca grande de lábios finos e a terráquea desejou ser àquele tabaco para ser acendido e ter seu conteúdo sugado enquanto umedecia, e sua substância liberada em seguida. Sua carne vibrou, sedenta para sentir a boca devorando-a de maneira descomedida.

Glória tirou o excesso no cinzeiro apoiado em cima da mesa de madeira e Medeia lambeu os lábios com a ponta da língua, sentindo o gosto desagradável do óleo inflamável e tentando ignorá-lo, visivelmente eufórica. Sabia que qualquer fagulha que a alcançasse poderia fazer um estrago, mas a ideia de ter seu corpo coberto por chamas, rasgando vagarosamente sua pele lhe fazia ofegar aprazivelmente.

Glória deixou o cigarro queimando ali e foi até Medeia, a fez se levantar e a levou até a banheira redonda de madeira. Todos os móveis e objetos naquela masmorra fugiam da morbidez fria do metal que havia dominado a Colônia, levando as usuárias para uma época em que a ganância dos bilionários ainda não tinha tornando tudo em lixo e cinzas. Ajudou-a retirar todo o óleo do corpo, ainda amarrada e enfiou um dedo em sua vagina como quem quer se certificar de que não há mais nenhum vestígio perigoso, e mesmo debaixo d'água pôde contastar que ela estava intensamente lubrificada, mas não de gasolina. A terráquea soltou um gemido com a inspeção deliciosa, fechando os olhos involuntariamente e Glória abriu um sorriso de canto, envaidecida com o poder que tinha sobre àquela mulher. Em seguida retirou-a da água, a secou, fazendo questão de se demorar em cada curva para se aproveitar daquele corpo macio e gostoso, e a conduziu até a mesa, deitando-a.

- Eu odeio quando meu cinzeiro enche antes de eu terminar meu cigarro. Você foi uma boa menina, merece ser útil - Glória comenta naturalmente e vê Medeia se contorcer aflita. A marciana finge que não percebeu e dá um longo trago no cigarro sem pressa alguma, e a medida que solta a fumaça, o corpo de Medeia se enrijece ainda mais, friccionando as pernas uma na outra num mix de medo e tesão; a expectativa do ato posterior. Sem hesitar, a marciana joga as cinzas faiscantes no colo de seus seios e o calor se esvai de forma lenta em sua pele que sua frio, devido a intensidade da situação. Glória faz isso inúmeras vezes deixando Medeia cada vez mais ansiosa, esperando por um momento que nunca chega, até que em um súbito, a marciana apaga a bituca em seu clitóris. Medeia tenta se desvencilhar, mas Glória segura forte em sua coxa, impedindo-a de travar a perna e esconder seu ponto sensível, e o gozo vem de uma maneira inimaginável. A terráquea se desmancha num orgasmo poderoso ao ter seu clitóris já rijo de excitação estimulado pela temperatura. Seu corpo todo responde, espasmando por um longo período. Glória acha maravilhoso e se delicia ainda mais ao passar a língua por sua fenda pulsante e beber seu néctar como um manjar dos deuses. Medeia estremece ainda mais visto que continua sensível pois mal se recuperara de seu ápice e um segundo vem ao saborear a língua febril invadindo sua intimidade sem aviso prévio. Seus gemidos reverberavam pelo local. E um terceiro quando Glória desfaz a amarra dos pés e a faz sentar na mesa com as pernas abertas, após penetrá-la com o dedo do meio robótico e estocá-lo repetidas vezes até ela gritar anunciando que atingiu o cume mais uma vez e tremer em seus braços. - Esse é o fogo que eu queria ver queimar em você... - sussurrou em seu ouvido lhe causando mais um tremor de menos intensidade com o estímulo auditivo.

Medeia ficou sem palavras mais uma vez e foi levada nos braços para seu quarto, onde Glória fez como da primeira vez; cuidou dela e a deixou confortável até adormecer. Assim que teve certeza que ela estava apagada, Glória saiu do quarto e foi até Aurora que estava no jardim de inverno cuidando das plantas e flores terrenas.

- Olá, Glória, precisa de algo? - a IA perguntou assim que a viu.

Glória olhou ao redor mais uma vez com a impressão de que estava fazendo uma coisa muito errada e que poderia ser descoberta a qualquer momento - e realmente estava.

- Na verdade, preciso sim - pigarreou assim que tomou coragem. - Um número desconhecido acaba de te mandar um e-mail como spam e você deve acessar o link.

- Isso pode afetar minha segurança, portanto não sei se tenho permissão para fazer isto.

- Eu sei, mas é algo importante para mim e você deve me servir como é de vontade da senhorita Mazal - argumentou firme como foi orientada, para não deixar mercê para especulações, afinal estava lidando com uma máquina que funcionava de forma lógica.

- Ah, tudo bem. Já que é particular, eu irei acatar.

- E que fique entre nós, está bem? - Glória sorriu de um jeito estranho até para ela mesma.

De repente, Aurora estacou. Acessava o e-mail como pedido e assim que clicou no link, um cracker manuseando um computador em um container num lugar sigiloso, sorriu exultante.

- Ela conseguiu! A IA agora é nossa! - avisou e as pessoas ao redor fizeram seu próprio incêndio particular.

Na Gaiola Dos Desejos (Sáfico) Onde histórias criam vida. Descubra agora