Dança psíquica

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O corpo humano é uma das criações mais belas e, no entanto, mais complexas da natureza. Existem pessoas como Glória que estão dispostas a irem além das regras, dos pudores, da falsa moral e desafiar seus próprios limites em nome do bel-prazer. Há outras que acreditam que é imoral explorar o próprio corpo porque ele é o templo do espírito santo, que os desejos são sujos e pecaminosos e devem ser extirpados pra que a alma jamais se contamine pelas manchas mundanas. Mais algumas são apenas desconhecedoras da doutrina dos prazeres carnais cujo conhecimento foi obstruído e deturpado pela cultura de alguns humanos que se acham no direito de ditarem o que é certo e errado, mas afinal, isso de correto e errôneo existe mesmo? Ou é somente a propagação da verdade de uma minoria de mente limítrofe? Liberdade não é sinônimo de libertinagem, mas se a libertinagem também faz parte da natureza humana assim como o livre-arbítrio, por que não abraçá-la e descortiná-la? Talvez só assim seja possível escalar as paredes mais altas, escavar os buracos mais fundos e expandi-los até o cume da plenitude. Alguns percorrerão o caminho mais espinhoso e outros irão pelo mais ameno, mas o importante é chegar lá: ao gozo psíquico. O gozo que na percepção de alguns se inicia no corpo, perpassa a mente e termina na alma, e para outros ele faz o percurso inverso. O regozijo pode durar alguns segundos e no máximo minutos dependendo de como e quando ele começa e termina. O importante é escrutinar incansavelmente, nunca desistir até o momento em que o grito do contentamento ecoar e a demonstração material jorrar pelos canais desimpedidos. O corpo humano tem mecanismos intrigantes. O mais forte dos golpes pode desencadear reações tanto dolorosas quanto prazerosas e o mais leve deles pode se tornar um veículo de tortura aprazível a depender do ponto de vista ou do ângulo em que se experimenta as sensações.

Medeia estava pendurada no meio da masmorra, completamente amarrada com cordas sustentadas por toras de madeiras. Seu corpo era como uma obra de arte viva com os braços e as pernas esticados. Os seios contornados pelas cordas deixando-os com os mamilos inflamados e a genital inteiramente exposta, assemelhando-se a uma flor desabrochada. Em sua boca havia uma mordaça de madeira contribuindo pra beleza erótica da cena. Os olhos vendados colaboram pro vigor das sensações dos outros contatos além de deixar um ar de curiosidade sendo vagarosamente desvendada. Cruamente escancarada, humilhada e deliciosamente vulnerável.

Com o objeto principal do jogo em sua mão, sentada numa banqueta de frente pra ela, perscrutando-a com olhar; Glória levantou-se e o simples som do ato fez as estruturas internas de Medeia se contorcerem de expectativa. Glória sentia um misto de raiva e tesão por aquela terráquea. Por que e como ela conseguia ser tão cruel e deleitosa ao mesmo tempo? Por que ela não valorizava a vida humana mesmo depois do que acontecera com sua irmã? Por que não usou sua inteligência pra melhorá-la ao invés de criar uma maneira de substituir as pessoas friamente? Gostaria de destruí-la, mas também queria fodê-la, e até mais que isso; amá-la! Ou já estaria? E por isso a odiava? Pois não é o que dizem? Que o ódio é o amor que adoeceu? Que entre o amor e o ódio há uma linha tênue?

Os pensamentos se embolavam em milhões de linhas frágeis que ao menor vacilo poderiam se romper e embaraçar talvez de uma forma irremediável. Precisava focar em desempenhar um papel até o instante que não seria mais necessário fingir. Medeia teria o fim merecido e Salvação enfim se livraria do jugo da Terra pra ascender como um planeta autônomo e livre, deixando o passado de um mero povo vampirizado amontoado como colônia de seu algoz.

A paixão por Medeia estava confundindo-a. Era preciso se concentrar na sua missão, uma vez que, a parte mais complicada estava consigo. O erro mais pequeno e tudo estaria perdido. Jamais imaginou que sua transparência, sua autenticidade poderia se tornar um obstáculo pra suas realizações. A vida mais uma vez havia lhe surpreendido. Precisava aprender a dissimular, a omitir...

Pegou a pena e começou a passá-la pelas solas dos pés delicados de Medeia, o próprio toque já era sereno, a brincadeira não requeria esforço algum, mas em contrapartida, o resultado era poderoso. Medeia tremia de prazer e aflição com as cócegas nos pontos sensíveis de seu corpo, que iam dos pés até as axilas, a cintura, o pescoço, e as orelhas... Experimentava um delicioso desespero. Imobilizada. Impossibilitada de reagir. O néctar de sua flor desabrochada pingava no chão como um pincel umedecido dando formas a uma arte puramente orgânica.

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