O grito de liberdade

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A loira encarou o infinito e o infinito a encarou de volta. Era como se ela tivesse devorado todos os seus eus que vivem em diversos lugares através daquele urro de dores consecutivas. Ela sentiu que existia, reexistia e resistia, em diversos mundos, galáxias e sistemas solares. Aquela sensação era divina. A sensação de pertencer a um todo e o todo pertencer a si era indescritível.

A medida que as contrações aumentavam, ela se culpava por trazer uma criança ao mundo naquelas condições; na guerra. Mas as várias mulheres que faziam parte de seu eu estavam entranhadas em si, no futuro, no passado e até mesmo no presente, confortando-a, lhe dando forças e sabedoria pra lidar com a situação. Ela podia senti-las e perceber seus vultos ao redor da cama desarrumada com sua inquietude e molhada com suas lágrimas, suor e fluidos uterinos; mulheres que já foram mães, filhas, irmãs, amigas, amantes, companheiras, primas, tias, sobrinhas, sogras, noras, avós, descendentes e antepassadas... Mulheres que erram, que se redimem, que sonham, amam e lutam. Mulheres que apesar dos desafios não desistem jamais, que ressurgem depois de serem alvejadas, humilhadas e queimadas...

- Você precisa fazer mais força, Alexia, o bebê já está apontando... - Brenda ultimou avaliando a fenda escancarada da mulher com as pernas abertas. - Vamos lá! Você consegue!

Ela obedeceu e sua mão também apertou a de Geórgia com força, enquanto esta estava ao seu lado, aplicando um pano úmido em sua testa, lhe lançando um olhar de cumplicidade.

- Vai dar tudo certo - sussurrou em seu ouvido.

A loira conseguiu ilustrar um sorriso torto e fez mais força. Estava por um fio para desmaiar ou enlouquecer de vez, mas sua companheira era capaz de reconfortá-la e munir suas energias de alguma maneira sobrenatural.

- Se algo... Acontecer... Por favor, não abra mão do nosso bebê, por favor... - implorou com a voz entrecortada pelo pranto.

- Não vai acontecer nada com vocês! Entendeu? - a negra reprimiu categórica.

- Mas se acontecer... - apertou mais forte a mão da esposa perscrutando-a profundamente com o olhar.

Antes que Geórgia pudesse responder, James apareceu no quarto e fez sinal pra ela. Geórgia beijou a testa da mulher demoradamente, procurando transmitir todo seu amor e sua energia positiva.

- Eu volto logo - garantiu e foi de encontro ao amigo.

Para sair das vistas das mulheres e não preocupá-las ainda mais, eles caminharam até o corredor.

- Eu não sei mais o que fazer, o ataque está fora de controle. Preciso da sua ajuda. Mais um pouco e eles vão invadir nossas terras e a coisa vai ficar bem mais feia.

Geórgia pestanejou:

- E a Vicky?

- Eu não sei. Ela já devia ter voltado. Teve ter acontecido alguma coisa.

- Tudo bem, vamos nos organizar. Vai na frente que eu já te encontrarei.

James apenas acenou com a cabeça. Confiava em Geórgia e sabia que ela jamais os abandonaria num momento difícil como aquele, até porquê a segurança da comunidade era importante para todos pois agora eram uma grande família; como uma matilha de lobos ou um enxame de abelhas, que se protegiam, se alimentavam, se amavam e se cuidavam desde a complexa decisão de destruir o sistema falho em que viviam. Compreendia perfeitamente que Alexia estava passando por um momento delicado e precisava ao menos se despedir dela tendo em vista que não sabiam onde essa batalha iria dar. Apenas deu as costas, mas não sem antes ouvir Geórgia respirando fundo pra voltar pra sua mulher.

Na Gaiola Dos Desejos (Sáfico) Onde histórias criam vida. Descubra agora