Epílogo

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França - Julho de 2015

O dia amanheceu meio chuvoso e frio assim como minha alma nesse momento, ainda estava na cama sem forças para levantar e encarar o que me esperava hoje. Cobri meu rosto com a coberta e desejei que tudo que estivesse vivendo fosse um pesadelo, somente um terrível pesadelo.

Levantei da cama e caminhei até o banheiro, abri o chuveiro e me olhei no espelho vendo meu reflexo abatido, rosto inchado e olhos vermelhos denunciando o martírio que estava vivendo novamente. A dor parecia pior depois de ser sentida a primeira vez, como se ela não tivesse um fim dessa vez. Entrei no box deixando a água do chuveiro cair sobre meus cabelos e escorrer pelo meu corpo, uma última tentativa de fugir desse dia.

Me olhei no espelho após secar o cabelo apenas com secador e vestir uma calça jeans preta e uma blusa de mangas longas e gola alta também na mesma tonalidade. Preto era uma das minhas cores preferidas e hoje havia se tornado a cor que mais me assusta, a cor que me trazia lembranças terríveis.

-Vamos baixinha ? - levantei o olhar vendo Daniel pelo reflexo do espelho.

-Não quero ir - falei com a voz embargada segurando o choro e negando com a cabeça.

Daniel se aproximou de mim e me virei para ele sentido seus braços envolta do meu corpo me reconfortarem naquele momento. Ele era um dos pilares presentes da minha vida, uma amizade que começou do nada e vem de outras vidas com certeza e que não tem explicação para isso. Daniel foi um dos presentes que Lucas me deu, e talvez ele estivesse preparando a vida para mim quando ele não estivesse mais aqui.

Quando se perde pessoas importantes você se torna alguém frio, mas eu ao contrario do que todos falam me tornei um pouco mais sozinha e fechada.

Eu vim de uma família que era um completo caos, uma mãe que só pensava em si própria. Que inclusive abandonou os filhos na mão de um pai que era um mostro impiedoso. Matheo Donatella era a personificação da palavra maldade para mim, todas as lembranças que tenho desse homem são de agressões frequentes a mim e Lucas.

Lucas sempre me protegeu de toda a sujeira de nossa família, carregar o sobrenome sujo dos Donatella era uma martírio e nos custou muito. Com quinze anos e eu Lucas conseguimos fugir de casa e apagar aquele sobrenome é esquecer que tínhamos um pai. Fugimos para Monaco, o berço do automobilismo e  la Lucas conseguiu realizar o sonho de entrar para uma categoria e pilotar.

Ele estava indo bem na categoria que ele pilotava e fazendo o que mais amava, a um ano atrás um pedaço de mim foi tirado em um acidente durante a corrida que tirou de mim a única família que eu tinha. Lucas era minha vida meu maior companheiro desde que vim a esse mundo e pela primeira vez me vi sozinha no mundo sem o apoio do meu maior pilar.

E agora eu estava vivendo a dor novamente, a vida tinha me pregado mais uma peça e tirou um dos pilares que me ajuda a me reerguer da perda de Lucas. Jules foi a minha salvação no meio do caos que foi fugir do meu pai. Ele que nos trouxe a Mônaco e ajudou Lucas que se tornou um de seus melhores amigos. Lembro perfeitamente do momento que o vi caminhando pelo paddock na minha direção ao lado de Lucas, dos sorrisos bobos que se transformaram em paixão e de como ele cuidava de mim de todas as formas. Perder Lucas e Jules para a coisa que eles mais amavam era dolorido, a vida estava sendo desonesta comigo e eu não conseguia reagir após essa última queda.

O momento do acidente no circuito de Suzuka ainda estava na minha cabeça, o sofrimento e angústia durante os oito meses que Jules permaneceu em coma . O carro que ele pilotava atingiu um trator que retirava o carro de outro piloto e ele bateu a cabeça diretamente no acidente, um erro de organização que tirou a vida de um dos amores da minha vida. 

-Meus pêsames Lia - a voz de mais um desconhecido por mim falava a frase que mais escutei durante esses ano e hoje não foi diferente.

-Se precisar de alguma coisa que esteja ao meu alcance - a voz me tirou do automático e foquei novamente no rosto das pessoas.

Charles estava a minha frente, um dos pupilos de Jules no meio do automobilismo, Jules cresceu com Charles compartilhando os mesmo sonhos  e se fazendo família um do outro. Assenti com a cabeça olhando para ele e vendo quase a mesma mistura de sentimentos que eu presenciava em mim. Charles caminhou até os outros pilotos que estavam apostos para levar o caixão de Jules onde íamos dar o ultimo adeus.

-Lia, todos já foram - Philippe colocou a mão em meu ombro me fazendo olhar para ele.

Estava sentada próximo a lapide de Jules me despedindo dele, a dor que sentia naquele momento no meu peito era sufocante e eu não desejaria para ninguém. Se despedir de alguém que você ama, que tem planos e sonhos é algo horrível.

-Você sempre disse que era meu anjo da guarda - passei a mão sobre seu nome escrito na lapide - Agora você é mesmo.

Philippe me ajudou a levantar e me abraçou, éramos duas pessoas perdendo amores. Ele perdia seu filho e eu perdia meu namorado, a vida realmente era impiedosa.

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