Capítulo VI - Fogo

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308 d.C.

A luz intensa cegou seus olhos no momento em que se abriram.

O primeiro instinto da Rainha Dragão foi se encolher, mesmo diante da dormência que se apoderava sobre seu corpo. Surpreendentemente, não houve dor ou agonia, nem conforto, ou alívio. Daenerys não sentiu nada. Seu corpo ainda parecia repousar pesadamente, alheio a qualquer sensação. Sons ressoavam abafados e disformes, sem que fosse possível distinguir palavras de meros ruídos. Seus olhos lutavam contra a luz branca que irradiava de todos os lados.

Até que, repentinamente, ela o sentiu, suas grandes e calosas mãos envolvendo as dela com cuidado. Poderiam se passar mil anos, e ela ainda assim o reconheceria. Com os olhos apertados Daenerys fitou-o profundamente, envolto pela luz pálida do sol. Estava mais magro, seu rosto, marcado por profundas olheiras, e por uma barba longa e desajeitada. Jon parecia carregar um semblante cansado, pequenas linhas avermelhadas rodeavam o cinza de seus olhos, como se tivesse chorado muito, ou dormido pouco. Talvez os dois.

Aquilo a atingiu no mesmo instante, ela se lembrava de voar até Portabrônzea para resgatá-lo. A maneira como ele a chamava ainda a assombrava, o cheiro daquela terrível doença, comendo-o vivo... Daenerys se lembrava de seus homens mais corajosos, amarrando-o ao comprimento de Drogon. E então tudo se reduzia a uma série de lembranças desconexas, sonhos... a Targaryen não saberia dizer ao certo. Era como encarar uma extensa pintura, repleta de lacunas e carente de acabamento. Havia sangue, de um tipo espesso e escarlate escorrendo por entre seus dedos. A voz gentil e trêmula de Mesitre Valarr entrecortada por gritos de agonia, a figura de Tyrion Lannister, cujas pequenas mãos, se apegavam suplicantes as de sua Rainha, enquanto lhe pedia para suportar mais um pouco, só mais um pouco. Mas em nenhum momento ela se recordara do bebê.

O cruel pensamento lhe invadiu ao mesmo tempo em que suas mãos rapidamente se desvincilharam das de Jon. Ela precisava senti-lo, mas a barriga que a acompanhou por mais de oito longas luas já não estava mais lá... Não, não pode ser, pensou consigo mesma dolorosamente.

– Ela não sobreviveu. – Disse Jon em meio a uma rouquidão que não lhe pertencia. Seus olhos marejados mantinham-se presos a Daenerys, enquanto transbordavam em lágrimas. – Rhaella.– O sussurro atravessou a Targaryen no instante em que se deu conta. O nome da minha mãe, o nome da minha filha... Ouvi-lo só adicionava mais realidade a dor que parecia se apoderar de seu corpo ao passo que a dormência desvanecia-se lentamente.

Uma menina... Daenerys sempre sonhou em ter uma menina... Seria ela gentil como Missandei, quem sabe tão astuta quanto a pequena Johanna? Dany a imaginava correndo livremente pelos jardins, cabelos prateados, coloridos pelas flores da primavera... O som de sua risada. Quanta beleza ela teria proporcionado? Quanta alegria?

Os lordes de Westeros não costumam comemorar o nascimento de uma filha, ao menos, não da mesma maneira que se faz diante da chegada de um herdeiro. Meninas nascem predestinadas, joias forjadas para abrilhantar a casa de seus maridos. A partida é inevitável, assim como a carruagem, o adeus... A cama de parto.

Mas não a minha Rhaella, não, pensou Daenerys, a ela eu reservaria o lugar mais importante do reino, ao lado de Jaehaerys. Sua Rhaella seria cuidada e protegida, amada de todo o coração, ela jamais deixaria seu limoeiro para trás...

– Onde está? – Perguntou após reunir todas as forças que ainda possuía, ela precisava saber... Nada era mais importante do que aquilo. A voz de Mirri Maz Durr a invadiu abruptamente, Daenerys ainda se lembrava de seu rosto impassível enquanto aquelas cruéis palavras a atravessavam: Monstruoso. Deformado. Tinha escamas como um lagarto, era cego, trazia um vestígio de cauda e pequenas asas de couro como as de um morcego. Quando o toquei, a carne desprendeu-se do osso, e por dentro estava cheio de vermes e fedia a decomposição. Estava morto há anos.

thought we built a dynasty (forever couldn't break up)Onde histórias criam vida. Descubra agora