Capítulo XV - O passeio do traidor

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322 d.C.

Johanna tentava em vão concentrar-se no bordado sobre seu colo. Sua mente atribulada pela súbita ausência de Jaehaerys, seus ouvidos abafados pela respiração profunda e irritante de Septã Maelle.

A mulher acinzentada refletia a decadência de sua idade, postura encurvada, voz branda e olhos gentis. Ela deveria estar em Septo Estrelado, entre orações e jejuns, aguardando o dia em que Estranho finalmente a recolheria. Não em Porto Real, demonstrando sua volúvel incapacidade.

Lyanna era um desastre, escorrendo por entre os dedos da velha sempre que possível. Passeios noturnos, treinos clandestinos, e por fim, seu florescimento oculto a pelos menos quatro luas. Mesmo sem saber, a Septã estava nas mãos de Johanna, um sussurro suficiente para colocá-la em uma carruagem rumo a Vila Velha. Não era uma questão de se, mas de quando. Quem sabe como as coisas estarão? Se Lyanna não seria mandada para longe junto com ela...

Johanna não poderia encontrar um rumo para os corações da plebe, não com Lyanna tão perto. Eles a reverenciavam, a imagem de uma menina limpa trajando vestidos finos o bastante para impressionar pobres desdentados da Baixada das Pulgas. Ela também tinha bom gosto, isso Johanna reconhecia, tecidos caros e rendas estrangeiras, sais perfumados e óleos essenciais. Não que isso fizesse muito para ocultar sua aparência simplória. Johanna se perguntava quanto tempo mais os bajuladores da corte demorariam para reconhecer. Ela não passa de um macaco desleixado, envolto por trajes de seda, cujos os olhos relembram vagamente a glória da antiga Valíria. O olhar esverdeado de Johanna não tardou a percorrer os suntuosos apartamentos da princesa, a ira lhe preenchendo conforme se lembrava de seus aposentos na Torre da Mão. Nos diversos degraus que teria de escalar ao final daquele dia.

– Quando se casar... Quando tiver idade! – A voz de Jon Stark alcançou os aposentos como uma afirmação acalorada, que distante, ressoava por aquelas grossas paredes de pedra. A filha do leão se ergueu silenciosamente, passos calculados a levaram até a parede mais próxima da porta. Seus ouvidos sedentos por mais.

– Aemon recebeu o arco com oito! Eu sou boa, você viu... – Lyanna respondera implacável.

– Isso não é não negociação! – Declarou o príncipe consorte, sua voz mais próxima e incisiva.

– Sou tão capaz quanto qualquer um... – Ela intervira mesmo assim, como quem se arrisca sob a espessura fina de um lago congelado.

– Lyanna! – Bradou subitamente, como se seus olhos queimassem frios sobre a filha. Mesmo sobre a porta Johanna conseguia sentir.

– Você sorriu... – Lyanna cedeu a tristeza de uma vez só. – Sorriu antes de ficar bravo. – Ele titubeou, e então a Targaryen prosseguiu, passando por cima dele como a menina desbocada que era. – Olhou pra flecha e depois pra mim, e você sorriu... Por quê? – O silêncio inquietante foi a deixa para que Johanna se afastasse, casualmente sentando-se sobre a poltrona, a velha estúpida ainda adormecida. – Papai...

– Vá pro seu quarto. – Ordenou por fim, em num tom profundo e severo, mas não menos balançado. Lyanna era seu ponto fraco, sua favorita. Isso estava claro para quem estivesse disposto a ver. A porta se abrira num estrondo único, despertando a Septã.

– Minha doce menina, o que houve com você? – Ainda sonolenta ela se levantara, seus braços erguidos na direção da porta. A princesa estava imunda, lama cobrindo cabelos, rosto, e até mesmo as vestes maltrapilhas que ela usava. Em seu rosto juvenil escorriam lágrimas gordas, ao passo em que sua respiração vacilava. Ela estava prestes a desmoronar. – Sh, sh... Vai ficar tudo bem. – Continuou a Septã reconfortando-a, sequer se importando com a lama que havia maculado suas vestes. – Mande prepararem um banho. – Sussurrou na direção de Johanna que rapidamente obedeceu, repetindo aquelas mesmas palavras diante da criadagem, enquanto seus ouvidos mantinham-se presos as duas. – Pode me contar como se sujou? Ou o que aconteceu com seu vestido? – Perguntou-lhe levemente, apenas para ser respondida por um soluço choroso. – Um banho e uma boa noite de sono. Você vai se sentir melhor, sei disso. – Em baldes pesados e quentes, a banheira de cobre foi se enchendo gradualmente. Ao passo em o choro de Lyanna se apequenava, limitando-se ao escorrer de lágrimas por seu rosto avermelhado. Suas roupas enlameadas foram as primeiras a sair, Johanna tomou seu tempo, separando as vestes sujas das roupas de baixo, jogando-as em um canto isolado do quarto. – Pronto. – Disse a velha estendendo seu braço a menina, ajudando-a a entrar na banheira.

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⏰ Última atualização: Jul 12 ⏰

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