Ocupada

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Virou quase rotina que o Kisaki buscasse a gente na rua de casa, eu nem lembro mais da sensação de pegar um trem pela manhã ou interagir com pobres plena seis e quinze.

— Fazer amizade com você foi a melhor coisa que já me aconteceu — falo abraçando os ombros da minha esquentadinha, ela ficou treinando até de madrugada.

Como eu sei? A hora que ela me mandou uma mensagem reclamando que um cara da rua do meio estava martelando algum bagulho.

Ô a mensagem.

"porra, eu acabo de tomar banho e esse infeliz tá batucando ainda, Jesus na minha causa"

Uma fofa.

— Interesseiro — Kisaki murmura limpando os óculos — mas... Já tá tudo certo pra aquilo lá

Aí que começam as maquinagens do Kisaki.

— Olha, se você estiver certo — o que eu não duvido que esteja — ele vai ser preso.

É, eu quero ver até onde o Kisaki pode chegar nessa maluquice... Eu quero seguir, é quase excitante ver como as ideias dele funcionam, como os pensamentos dele geram coisas na vida real. Ele realiza tudo que tenta fazer, é por isso que importa pra mim... Eu não sou o cara que consegue fazer as coisas que sonha se realizarem, então me andar com duas pessoas que conseguem o que querem e eventualmente ajudar nisso, é como se eu me tornasse melhor.

— Eu acho isso bom — Kisaki suspira e em seguida sorri — Ela vai ficar fora exatamente quando precisamos...

Foi meio que um acordo silencioso que a gente fez de não envolver a Karina nessa história específica.

— Isso é um alívio do caralho — Sorrio um pouco.

O trânsito estava meio ruim, parece ter tido um acidente.

— Vai lá... Você tá doido pra isso mesmo que eu sei — Tetta resmunga tirando os óculos, uma feição meio brava — Esfrega como você tem um relacionamento na minha cara.

Sorrio maligno e abraço melhor os ombros da minha gatinha.

— Bom que você sabe — encosto minha cabeça na dela e tiro um cochilo enquanto estamos indo pra escola.

Dormi sentindo um cheiro muito gostoso do shampoo de cabelo da minha esquentadinha, isso me deixou com mais vontade ainda de dormir uma noite com ela... Mas puta que pariu... Por que eu fui pensar nisso justo agora?

Me gerou uns problemas, principalmente quando a Karina acordou, eu não consegui cochilar mas mantive meus olhos fechados.

Quando chegamos na escola eu reparei que a Ka arregalou os olhos quando fiquei de pé.

— Que foi, gatinha? — perguntei só pra ver a reação dela. Eu gostei de como seu rosto tinha ficado vermelho.

— Tá marcando aí — ela se vira, eu acabei rindo da simplicidade que ela usou, teria sido mais engraçado ainda se ela dissesse um "Tu tá de pau duro aí ó"

— Pode ficando aqui — Seguro ela pelo braço, Kisaki já tinha corrido pra escola a muito tempo.

— Nem fodendo, a gente vai se atrasar, Hanma — ela tenta me bater mas eu me esquivo.

— Amor, meu nome é amor — Corrijo ela pacientemente — E eu não vou ficar aqui esperando a situação se normalizar sozinho, a culpa é sua, assuma.

Ela virou pra mim com uma cara meio espantada.

— Eu não fiz porra nenhuma, tava dormindo o tempo todo! — Karina cruza os braços.

— Foda-se? Quem mandou ser gostosa e me dar vontade de fuder do nada, dona Karina? — cruzei os braços também.

Logo em seguida ela começou a rir, ela riu mesmo, pra caralho, até ficar sentada no chão abraçando os próprios joelhos.

— Para de rir, demonia — Empurro o ombro dela que lentamente vai recuperando o ar.

— Eu tô rindo de vergonha, seu escroto, nossa como eu te odeio — ela limpa as lágrimas que surgiram nos olhos dela enquanto ria.

Agora estamos os dois sentados no chão.

— Vergonha... Não tem vergonha de um monte de coisa, mas tem vergonha disso aí — olho pra cima.

— Não é bem disso... É que parece mentira você dizendo uma coisa dessas assim do nada — A minha namorada suspira e eu percebo o tonzinho estranho dessa frase.

— Ih, como assim? — encosto meu ombro no dela.

— Você não tem vontade de fazer isso comigo mesmo — ela suspira, apoiando seu ombro contra o meu.

— Como não? Eu te namoro, garota, é claro que eu quero — isso é até meio óbvio pra mim.

— Não fode, um monte de vezes dizem que eu nem pareço uma garota, que o meu corpo é diferente — ela suspira e eu começo a olhar pra ela.

— Nem fodendo que tu parece homem, homens não são gostosos — Aperto a coxa dela de leve — Olha isso aqui... Mulher gata dessas, vô nem elogiar muito não, vai que você fica convencida e me larga.

Na real, eu só não sou bom fazendo as pessoas se sentirem bem.

— Idiota — ela ri e me abraça, afundando o rosto no meu peito por uns instantes — Eu te amo...

Ela sussurra e nessa hora eu sinto a visão ficar meio turva... Não vou conseguir responder isso.
Não por não amar ela, mas eu não consigo dizer isso... Pra ninguém!

— Eu... Também... Gatinha — Acaricio seus ombros. Que momento merda pra ativar o meu único probleminha de afeto hein?

A gente levantou e aparentemente ela não notou muita coisa, logo corríamos pra sala de aula.

Agora eu acho que preciso justificar o motivo da frase "eu te amo" me fazer tão mal.

Meus pais me largaram né, a minha mãe eu nem sei quem é, o meu pai eu tenho umas três fotos e lembranças horríveis... Eu era uma criança bem afetuosa mesmo sendo brigão também. Ele usava isso pra acabar com a minha vida e com a da minha avó, já que batia na gente sem motivo e depois dizia o quanto ele nos amava e toda essa palhaçada de filho da puta.

Antes dele sumir, eu não sentia raiva nenhuma dele, mas agora eu sinto... Principalmente por ter estragado momentos bons como esses.

Enquanto eu olhava pra Karina sentada na minha frente depois de termos tomado uma bronca da professora por termos chego atrasados. Eu queria muito que a Ka não tivesse reparado nisso.


Eu nunca vou dizer que te amo - Shuji Hanma Onde histórias criam vida. Descubra agora