Branco III 💌

753 144 67
                                    

Jenne não conseguiu dormir nem por um segundo naquele quarto de hotel solitário. Por mais que a cama fosse macia, o aquecedor tornasse o quarto quentinho, a televisão passasse seu programa preferido, ela só conseguia pensar em Emmy.

Emmy. Emmy. Emmy.

Já vira a garota com mágoa uma vez e não estava preparada para ver uma cena como aquela de novo. Cada lágrima um oceano, as bochechas num vermelho gritante, a evasiva de cada toque, despedaçava o coração de Jenne.

Tudo que Jenne conseguia fazer era encarar o teto branco e claustrofóbico do quarto do hotel.

Mas logo, não tão logo para a garota de cabelos castanhos, amanheceu, e Jenne disparou para fazer o check-out no hotel. Sentia-se exausta, talvez pela falta de descanso físico, talvez por tanto se martirizar mentalmente.

Pegou o primeiro ônibus do dia, de cinco horas da manhã. Sentaria na calçada de Emmy e esperaria chegar às 9h, horário que a outra acordava. Queria tanto se resolver com sua namorada, explicar que ficou por ela, que tudo não passou de um mal entendido, que não faria aquilo nunca mais.

Os cinquenta minutos do ônibus nunca demoraram tanto, até porque Jenne tinha urgência e lhe faltava música. Balançava a perna num gesto frenético e nervoso. Até que finalmente chegou em seu ponto.

Desceu desembestada e correu, literalmente correu, até a casa de Emmy. Pela janela, viu o relógio de parede da sala, eram 6h:04. Sentou-se no porch na casa e esperou não tão pacientemente. As horas se arrastavam.

9h

Jenne bateu na porta com frenesi e afobamento, logo sendo atendida não por Emmy, como sempre acontecia, mas por Ana. Seu coração congelou, tornou-se azul.

- Bom dia, dona Ana! - fingiu normalidade - posso ver Emmy?

- Ela não está se sentindo muito bem. Ainda não acordou - o coração de Jenne errou uma batida.

- Mas... é a rotina dela... ela tem que acordar às 9h.

- Nem sempre as pessoas cumprem com suas rotinas - Ana disse e podia ser impressão de Jenne, mas a garota sentiu o tom de crítica.

- Posso entrar? - pediu - gostaria de ir ao quarto dela.

- Fique à vontade - Ana abriu espaço na porta - se ela quiser te ver...

Ignorando as palavras da sogra, Jenne marchou até o quarto da namorada. Um sorriso fraco enfeitou seus lábios com a foto das duas no hospital, no dia da alta de Emmy, colada na porta do quarto da garota.

Jenne não bateu na porta, entrou sem permissão. Não queria correr o risco de ser rejeitada. Não suportaria.

Ao se aproximar da cama, percebeu que Emmy estava com os olhos abertos, bem ciente de sua presença.

- Hey, meu amor - Jenne tentou.

- Eu pensei que você tinha morrido - Emmy choramingou, virada para a parede. Lágrimas silenciosas expressavam sua dor.

- Está tudo bem, eu estou bem.

- Ou que você tinha achado uma garota mais legal que eu, que não repete o que você fala, nem pede ursos idiotas e que pode sair de casa pela porta - Emmy soluçou, um soluço assolado pelo medo e pela insegurança. Jenne sentiu seu coração se contrair de dor.

- Primeiro de tudo - Jenne começou, fazendo um carinho suave nas costas da outra, que não recusou o toque - você é a garota mais legal do mundo! Segundo, não chame seus ursos de idiotas, eles podem ficar magoados, eles também são legais e ainda falta o décimo primeiro, para ficar ímpar. E, por último, embora eu queria muito que você tenha permissão para sair a hora que quer pela porta, sair pela janela é muito maneiro, faz minha adrenalina ficar lá em cima, me sinto como num filme de romance, desses onde os protagonistas fazem de tudo para ficar juntos, sabe?

Emmy finalmente virou-se para Jenne. O nariz vermelho e os olhos marejados. Sentia-se amada, sentia que Jenne tinha um motivo.

- Sério?

- Prometo.

Emmy estendeu o mindinho e, num pacto silencioso, Jenne cruzou com o seu.

- Por que você não veio ontem? - Emmy fez beicinho - fiquei te esperando. Me vesti de rosa, sei que você gosta.

- Eu amo quando você está de rosa, me desculpe não ter vindo. Não pude vir porque... - Jenne sentou na cama e beijou a testa de Emmy - eu descobri uma coisa super legal para você!

- Para mim? - Emmy abriu um sorrisão, em meio ao nariz vermelho e as bochechas ensopadas.

- Para você.

- Conta, conta, conta! - Emmy sentou-se, parecendo esquecer de toda melancolia de minutos atrás.

- Vai ter uma exposição de artes em Burlington e você tem todos os requisitos para concorrer. Então, eu fiquei até a tarde para te inscrever, por isso que eu perdi o ônibus e meu celular descarregou.

Emmy estava literalmente de boca aberta e seus olhos pareciam se maravilhar com a hipótese. Jenne cutucou sua bochecha.

- E aí? O que acha?

- O que acha?

- Eu acho perfeito e você?

- A mamãe não deixaria!

- Sshh! - Jenne sussurrou em seu ouvido - vou te levar escondido.

- Sério? - as mãos de Emmy já começavam a se agitar, numa estereotipia de entusiasmo.

- Sim! Já calculei tudo na minha cabeça. Digo para minha mãe convidá-la para um chá, prometo ficar cuidando de você, junto de Lily, Leah e Nina, e vamos, é simples. Eu combino com minha mãe, ela te ama, ela vai nos apoiar.

- Uma exposição! - a ficha de Emmy parecia ainda não ter caído.

- Isso aí - Jenne disse - topa?

- Topa?

- Claro! E você?

- Eu topo!

- O que você topa? - Ana entrou no quarto, trazendo uma bandeja com o café da manhã de Emmy - vejo que se sente melhor, qual o segredo de Jenne?

- Ela topa não ficar mais triste nos dias que eu não puder voltar para casa para vê-la, não é, amor? - Jenne olhou para Emmy, implorando com o olhar.

- É - Emmy cuspiu a mentira. Odiava mentir.

- Ótimo, então. Tome seu café da manhã.

Emmy comeu na companhia de Jenne. Juntas idealizaram várias coisas para a exposição. Havia muito trabalho pela frente. Emmy teria que pintar alguns quadros, para mandar as fotos em anexo. Juntas mergulhariam num mundo de cores, como sempre fizeram, não só cores em tintas, mas as cores que seu relacionamento policromático lhes proporcionava.

ColorsOnde histórias criam vida. Descubra agora